Há muitas verdades, muitas lições a tirar quando empregamos esta tão significativa expressão: “Varrer o chão”. Comumente ligamos esta frase ao nosso labutar cotidiano, que por vezes nos é imposto como uma obrigação contundente e cansativa, coisa que vai de encontro aos anseios mais profundos da alma, que está sempre a desejar um paraíso, um Jardim do Éden de felicidades infinitas com tudo ao alcance das mãos, sem o mínimo esforço.
Considerando o “varrer o chão” como o nosso ganha-pão de cada dia, cabe lembrar aqui alguns trechos da importante obra “Do sentimento trágico da vida” de Miguel de Unamuno, grande ensaísta espanhol do século XIX, em que ele diz: “Uma vez satisfeita a fome, e esta logo se satisfaz, surge a vaidade, a necessidade ─ que o é ─ de se impor sobre os outros. O homem costuma entregar a vida pela bolsa; mas entrega a bolsa pela vaidade”. Em outro parágrafo ele fala assim: “A curiosidade, o chamado desejo inato de conhecimento, só desperta e age depois de estar satisfeita a necessidade de se conhecer para viver”. Diferente do viver para conhecer. O que se depreende da fala deste famoso ensaísta, é que primeiro vem a luta pela sobrevivência, para depois vir o deleite do filosofar, como bem esclarece ele neste outro trecho: “O homem costuma filosofar, ou para resignar-se à vida, ou para encontrar nela alguma finalidade, ou para divertir-se e esquecer suas penas, ou por esporte ou jogo”.
Finalizando este pequeno exercício de imaginação sobre as agruras do infindo “varrer de chão” cito mais um outro trecho de Miguel de Unamuno, que vem bem a calhar, pela sua riqueza de sentido: “O universo visível, o universo que é filho do instinto de conservação, me é estreito como uma jaula pequena para mim, e contra cujas barras minha alma bate em seus vôos; falta-me no ar o que respirar”.
Varre-se o chão para se poder sobreviver, mesmo a custa da privação da liberdade, em uma gaiola chamada “mundo civilizado”, mundo hostil ao nosso espírito de conhecimento do verdadeiro sentido da vida, que paulatinamente tenta nos transformar em um mero “objeto”, em meio a uma sociedade regida pelo consumismo de coisas efêmeras e irracionais. Felizmente, ou infelizmente, fazemos parte dessa engrenagem.
“Varrer o chão”, necessário é para satisfação do nosso instinto de conservação. Contudo, quando a vassoura estiver a descansar “atrás da porta”, cuidemos das coisas do espírito.
(Ensaio por Levi B. Santos. Guarabira, 25 de setembro de 2006)
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