Moisés e Armando Pedreira estavam tomando parte, enfim, de um culto fora do trivial, algo diferente do café com leite de sua antiga instituição religiosa. No inicio da reunião, Amadeus pediu aos ouvintes que se concentrassem bem nas músicas que iriam ouvir, citando uma frase de Schopenhauer, que ele mesmo modificara: “A música clássica é um exercício metafísico no qual a mente não se dá conta de que está filosofando com Deus”. Os dois convidados escutavam de inicio, um som suave como uma brisa. Porém, logo, o som das notas irrompeu como um vulcão em inicio de atividade, numa sonoridade melódica nunca experimentada pelos dois, infundindo em suas receptivas almas um estado de ânimo imaginavelmente criativo. Uma sinfonia sem vozes, maravilhosamente executada, estava sendo extraída de instrumentos como: violinos, violoncelos, flautas, oboés, fagotes, clarinetas e trompas. Todos os participantes estavam estáticos em um significante silêncio, que dava até para se ouvir o bater de asas de um inseto. Foi quando surgiu primeiro, suavemente, depois em tom crescente, a beleza extra-subjetiva dos acordes, mergulhando os corações numa harmonia indescritível, fazendo-os esquecer as paixões, tristezas e outros estados melancólicos da alma, espalhando uma emoção carregada de uma inefável serenidade. A melodia ora irradiava uma aspereza dissonante, ora uma flutuante sensação de estranhamento. Os intervalos melódicos eram intercalados por picos de marcantes e envolventes acordes seguidos de um pianíssimo decrescente, deixando na alma uma progressiva sensação de um deslizar suave do alto de uma montanha mágica.
Moisés e Armando Pedreira jamais imaginaram que a música tivesse este efeito de os transportarem a um mundo tão fantástico, num fenômeno nunca dantes experimentado. Antes, não tinham a idéia de que se pudesse extrair da música, este requinte de enlevamento através de uma sincronia de ritmos agressivos alternados com ritmos suaves, de uma beleza melódica extraordinária. Agora, escutavam atentamente cada sibilo, cada roçar dos dedos ágeis dos músicos a deslizar sobre as cordas afinadas dos instrumentos. A música transformava-os em um só corpo coletivo. As notas musicais pareciam se confundir com eles, identificando-os com os outros, seus irmãos, numa efusão prazerosa de felicidade e êxtase.
É verdade que apesar do silêncio exterior ─ pois todos estavam estáticos, ─ as suas almas estavam impregnadas de uma paz, de um tranqüilo e sereno contentamento, sem necessidade daquele êxtase pesado e barulhento de sua antiga igreja. O que estavam experimentando não era um êxtase cotidiano, banal e vulgar, como o êxtase provocado pela velocidade extrema em um bólido. Esse tesouro melódico que agora descobriram, através da interpretação magistral de uma orquestra, deixara nos seus espíritos uma calma e uma felicidade indizível, num acontecimento sem precedentes.
Os dois estreantes deste novo ninho estavam tendo agora a noção exata do poder da música tocada. Viam que para enlevo da alma, não se necessitava de nada, além do desfilar de notas harmoniosas executadas com perfeição por um instrumento simples como, por exemplo: uma rabeca. Só agora eles sentiam um alívio espiritual que não podia ser expresso em palavras, assim como sentiu Saul quando Davi tocou em sua harpa uma melodia sem imperfeições, porque o Divino é perfeito. Uma só nota soada desafinada era tudo que o diabo queria para por toda a melodia a perder. Uma nota desafinada seria como uma pitada de fermento que leveda toda a massa.
Quantas vezes os dois ex-ministros ouviram esta frase da boca de Aparecido: “cantem e toquem de qualquer jeito. Deus não está ligando para a perfeição na execução musical”. Contudo, eles chegaram agora à conclusão, que existe uma coisa que se pode usufruir aqui na terra, e que não será diferente lá no céu: “a perfeição harmoniosa de um concerto musical”.
( Trechos do capitulo XXII do livro de Levi B. Santos.
“PREGADORES DE SI MESMO” ─ em fase de acabamento.)
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