Eu sempre gosto de ficar no terraço da casa de minha mãe, por alguns momentos, olhando o tempo e as pessoas passarem, toda vez que visito a minha cidade. Em uma dessas minhas visitas fui testemunha de um resto de conversa jogado fora por dois velhinhos que se encontraram casualmente bem junto a mim, ali na calçada. Achei bastante interessante e de grande significação, aquele adágio popular, citado por um deles: “quem de moço não morreu, de velho não escapa” Refleti muito sobre este velho ditado, sobre a verdade e a certeza que ele encerra.
No apertado terraço da casa de mamãe, onde estava vendo aqueles dois velhinhos conversando, jamais passou pela minha mente, que ali mesmo, após alguns dias, receberia a notícia da morte do mestre e amigo José Gonçalves (esposo de minha tia Alice, por parte de pai).
Ultimamente tenho perdido amigos mais velhos do que eu, que foram marcos referenciais na formação de minha personalidade. José Gonçalves foi um deles.
Ele esteve sempre presente em minha memória, desde o tempo em que tinha meus sete ou oito anos de idade. Toda vez que pego do meu violão, vejo a criança que fui, de olhar circunspeto e corpo estático, completamente extasiado observando o mestre José Gonçalves na sala de sua casa, que ficava defronte a minha, na rua 13 de Maio, em Alagoa Grande, dedilhando garbosamente o seu violão e cantando com sua melosa voz de barítono, o seu predileto hino em “Lá menor”. Foi ele que incutiu em mim o gosto pela música e pelo violão. Não conto as vezes em que eu o ouvia lá de minha casa, cantando com sua voz forte e carregada de emoção, o poético hino ao som do seu velho violão. Tenho guardado na memória um trecho desse hino, que diz mais ou menos assim:
“Em trevas medonhas, vivi no mundo a vagar...
Meu barco sem leme, veio a mim um grande temporal...
Um leme novo me deu. Colocou no meu barco uma luz.
Que nunca se apagará, em todas as trevas ele há de brilhar..."
Nos cultos de domingo, na igreja, quando ouvia o pastor anunciar: “vamos ouvir um hino pelo irmão José Gonçalves”, devido a minha pouca altura de menino, eu ficava na ponta dos pés, me empertigando todo à frente dos adultos, a fim de ver o “mestre” cantar e tocar aquele belo cântico. Lembro-me bem, que ele sempre usava nestas ocasiões um terno de linho branco bem engomado, contrastando com o seu violão de cedro reluzente, que tinha as laterais do bojo na cor de vinho tinto. Este instrumento fora feito com todo o carinho pelo marceneiro e exímio tocador de “cavaquinho” José de “Sinda”(esposo de minha tia Elcina ─ irmã de meu pai ).
Em meados do ano passado, já cansado pelo peso da idade, com o corpo desgastado pelas doenças que o afligiam há um bom tempo, resolveu fazer a que seria a sua última visita a Alagoa Grande ─ cidade de seu coração.
Lá no terraço exíguo da casa de minha mãe, conversamos por alguns minutos. Na oportunidade cantei baixinho para ele uma estrofe do velho hino. Notei que ele acompanhava o compasso da música, com os dedos tamborilando sobre os joelhos. Parei de cantar quando vi os seus olhos banhados em lágrimas. Só Deus sabia o que se passava em nossos corações. Naquele nosso último encontro faltou o velho companheiro “violão”.
Parafraseando o saudoso hino, agora posso dizer: “Deus colocou no seu barco uma luz que nunca se apagará”.
Ao mestre, com saudades.
Do seu grato aprendiz ─ Levi.
Guarabira, 26 de Fevereiro de 2007
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