29 janeiro 2008

VOZES ANCESTRAIS


...

Da garganta me sai esta voz,

Expressão dos meus sentimentos.

É a linguagem dos meus avós,

Transformada em meu alimento.

Quando eu falo, falam meus pais,

Sou o eco dos seus pensamentos.



É só minha: eu pensava assim

Esta voz que ecoa no ar,

Quando sai lá dentro de mim,

Traduz só o que estou a pensar?

Me iludo! Isto não é verdade,

São gritos que se fazem somar.



A voz de muitos está no meu grito,

Pois em mim tudo foi repassado.

E nas dores que me deixam aflito,

Não estou só, nem abandonado,

Até os gemidos que emito no ar,

Expressam dores dos antepassados.



Cada riso, lágrima ou pranto,

São expressões que vem lá de trás.

Se repetem a maneira de um rito,

Estes ecos, esta voz, estes ais.

E me queima com ferro e fogo,

Evocando os meus ancestrais.



Esta voz que em mim se duplica,

Enquanto vivo, não me deixará.

Ela é um selo que comigo fica,

É minha marca, é meu DNA.

Com sussurros à alma suplica,

Em meio ao eco de vozes no ar.



Levi B. Santos

Guarabira, 28 de Janeiro de 2008


Da

26 janeiro 2008

MEU MUNDO - MEU QUINTAL




Meu mundo de menino não tinha “shoppings”, “casa de jogos”, televisão, nem internet, mas tinha o que é quase impossível se ter hoje: a felicidade encantadora da criatividade. Tudo ali no meu antigo quintal exalava uma paz e satisfação indescritível. A “matéria prima” que se usava nas criativas brincadeiras, estava exposta ali naturalmente.

Tínhamos o barro para confecções de casas, pessoas e móveis. Tínhamos os canudos, ou talos das folhas dos mamoeiros para fazer a instalação hidráulica das utópicas cidades. Madeira para confecção dos carros e pontes, nunca faltava. O aço para nossa metalúrgica, vinha das latas de óleos vazias que encontrávamos na rua, e que junto com peças de ferro enferrujadas, sobras dos consertos dos caminhões de verdade, faziam a nossa alegria. Montávamos miniaturas de carrinhos de madeira que chegavam a chamar a atenção dos adultos. O dinheiro farto, vinha dos papéis com cores variadas das carteiras de cigarros vazias encontradas ao léu. Um trabalho bastante dificil e perigoso era o derretimento de pedaços de plásticos velhos em taças velhas de alumínio, destinados à confecção de botões. Ficávamos tontos de tanto inalar a fumaça de odor ativo do material sendo derretido. Algumas vezes chegávamos a vomitar, intoxicados pelo cheiro horrível daqueles fumegantes plásticos.

Ali no meu quintal, as horas passavam rapidamente, e o que mais fazíamos era: dar asas à imaginação. Um dia éramos engenheiros, outro dia éramos oleiros, outro éramos mecânicos, e assim passávamos o tempo num ambiente saudável, exercendo toda nossa capacidade criadora infantil. Tínhamos também as nossas olimpíadas, que constavam de saltos sobre varas, salto à distância, corridas de “peia quente”, andar sobre “quengas” de cocos, corridas com rodas de pneus e de aço guiadas com guidons de arames. Em cima de tábuas movidas manualmente a manivelas de arame, percorríamos as calçadas ao redor de casa. Jogos de peteca de palha de milho, que eram impulsionadas pelas palmas das mãos, atingindo grandes alturas, afora as tradicionais peladas de bola de meia, faziam parte do nosso divertimento às tardinhas.

Porque não dizer que nos sentíamos como verdadeiros deuses?

Não foi Deus, o primeiro a se sentir maravilhado ao exercer a sua capacidade criadora, manuseando o barro para criar a sua maior obra: “o homem?”. Assim éramos nós: criávamos as coisas, a partir do que a natureza nos oferecia lá naqueles velhos quintais. Depois, ao ver tudo aquilo criado e aperfeiçoado por obra de nossas mãos, experimentávamos uma atmosfera inebriante de contentamento.

Agora, já ultrapassada a barreira dos sessenta anos, fico entristecido ao ver as criancinhas de um modo passivo à frente das telinhas da televisão, sendo bombardeadas por programas infantis, que nada tem a ver com o meu mundo de outrora. Estes meninos ensimesmados em suas cadeiras de balanço, ficam a maior parte do tempo absorvendo conteúdos de um mundo midiático, cujo sustentáculo é baseado em futilidades importadas de uma cultura hegemônica de pretensões puramente hedonistas.

A criançada de hoje não mais produz, passou a ser simplesmente consumidora ávida da programação infantil das redes televisivas dominadoras. Os programas diários atuais, com sua apelativa linguagem estimuladora de desejos, roubaram dos meninos aquilo que tínhamos de mais sublime: o poder de através da imaginação CRIAR um mundo genuinamente nosso. As crianças desse mundo globalizado, coitadas, com apenas três anos de idade, mal começaram a aprender o português, já sabem de cor e salteado os personagens de desenhos infantis, como: “Barney”, Backyardigans, Bob Esponja, Hello Kit, Mickey, etc. Sentadas horas e horas assistindo essas “doçuras da modernidade”, elas vão perdendo aquilo que tínhamos de melhor no mundo dos nossos quintais: “a capacidade de criar”, o poder intuitivo de com as mãos dar forma ao que vinha ao nosso imaginário.

Para exercer a sua atividade criadora, as crianças de hoje não tem mais os quintais que tínhamos outrora. Nas grandes cidades elas vivem enjauladas em apartamentos que mais parecem gaiolas. Subsistem como vivem os passarinhos presos por muito tempo, e que quando soltos da prisão, mal levantam do chão, pois perderam a capacidade de voar.

Tudo já chega feito às mãos das crianças do mundo cibernético. Os enlatados oferecidos são em número tão variado, que elas perdem a capacidade de poder criar algo. Não há tempo para que a sua imaginação trabalhe, pois tudo aparentemente já foi imaginado e criado pela mídia de produtos infantis.

Em nossos quintais, possuíamos o bálsamo sagrado da divina profissão de “OLEIRO”. Todos, como o Grande Criador, trabalhávamos cada um a sua maneira com o precioso barro, ou a lama amarelada do tempo das chuvaradas de inverno. Usávamos a maneira do Grande Criador, os quatro elementos para deixar a nossa obra pronta: A Terra, a Água, o Ar (para secagem) e o Fogo para cozinhar o barro trabalhado.

Os quintais de hoje são todos cimentados; não há neles mais aquele sagrado barro. O que vemos em comum com os quintais de antigamente, são apenas frondosas fruteiras que ainda resistem ao tempo e, algumas galinhas a cacarejar pelo mato rasteiro que teima em nascer pelas rachaduras do terreno pavimentado.

Crônica por: Levi B. Santos

Guarabira, 26 de Janeiro de 2008

18 janeiro 2008

UM PAPO COM O CRIADOR




........PERGUNTA O PAI:


...................................Bom dia meu Criador!

...................................Dê licença, eu perguntar,

...................................Pois não consigo o que quero,

...................................E depois de tanto ensinar,

...................................O negócio saiu torto,

...................................Com o filho no meu lar.



...................................Nossa língua é a mesma,

...................................Mas os rumos diferentes.

...................................Discorda do que eu digo,

...................................Me trata como inocente

...................................Será que ainda consigo

...................................Que entenda a minha mente?


RESPONDE O CRIADOR:


....................................Filho! Você não esqueça,

....................................O que comigo aconteceu.

....................................Eu criei um casalzinho,

....................................P’ra fazer o gosto meu

....................................Depois de tanto trabalho

....................................Me deixou, e se perdeu.



....................................Olhe que naquela época

....................................Não tinha a televisão,

....................................Tinha apenas a serpente,

.....................................Mas estava na prisão.

.....................................Num descuido, de repente,

.....................................Ela enganou Adão.


O PAI FALA:


....................................Quer dizer que a Sua luta,

....................................Em querer tudo perfeito,

....................................O animal atrapalhou?

....................................Eu ficaria satisfeito,

....................................Se o Criador me desse

....................................O nome desse sujeito.



.................................... Eu vou ficar vigiando,

.....................................Por tudo que é de canto

.....................................Pra ele não atrapalhar

.....................................Nós aqui neste recanto.

.....................................E tudo sair direito,

.....................................Sem erro e sem espanto.


O CRIADOR RESPONDE:


.......................................Meu filho, esse animal,

.......................................A terra, contaminou,

.......................................Até o Filho que eu tinha,

.......................................Sua vida ele tirou.

.......................................Você tenha muita calma

.......................................Com seu filho pecador.




.......................................Tenha muita paciência,

.......................................Com seu filho andador.

.......................................Se ele aqui fez o que fez,

.......................................O meu Adão derrubou,

.......................................Todo cuidado é pouco,

.......................................Contra esse usurpador.


O PAI FALA:


.......................................Vou toda porta fechar,

.......................................P’ra esse bicho não entrar.

.......................................E não repetir o seu feito,

.......................................De teus planos desmanchar.

.......................................Vou estudar um projeto,

.......................................E a essa gente obrigar.



.......................................Vai ser uma guerra cruenta

....................................... Contra esse vil inimigo,

........................................Que perturba toda a alma.

........................................Não vou ser dele amigo,

........................................Nem de longe quero ver,

........................................Ele em mim não tem abrigo.


FALA O CRIADOR:


...................................Vou te dizer uma coisa

...................................Que tu vai enrubescer,

...................................Teu inimigo maior,

...................................Tu queres mesmo saber?

...................................Ele não vem de fora,

....................................Está dentro do teu ser.




.............Versos em prosa por: Levi B. Santos

.............Guarabira, 17 de Janeiro de 2007

12 janeiro 2008

O CÉU DE CÂNDIDO




.............Tantas imagens dos céus,
.............Quanto a cabeça da gente.
.............Um imagina de um jeito,
.............O outro pensa diferente.
. ...........
Como poderei entender
............ Se não sou onisciente?



.............O homem tem sentimentos,
.............Que o seu peregrinar
.............Não combina com o de Deus,
.............Pois só pode imaginar,
.............O que come, vê e apalpa,
.............Não sabe se dominar.



............Um filósofo lá da França
............Uma história escreveu:
............De um "ser" pretensioso,
............Que aqui na terra viveu.
............Subiu ao céu ansioso,
............Lá chegando não se deu.



.............O personagem de Voltaire
.............Chegou nesse “Eldorado”.
.............Viu tantas ruas de ouro,
.............Ficou impressionado,
.............Resolveu trazer o ouro,
.............Para fazer um apurado.



.............Cândido viu abismado,
.............Os anjos e suas altezas,
.............Não davam valor ao ouro,
.............Naquele céu de riqueza.
.............Nem as pedras preciosas,
.............Não viam nelas nobreza.



.............Ao ver a indiferença
.............Das pessoas do Lugar
.............Pediu licença aos anjos,
.............P’ra sua terra voltar
.............E em cima de carneiros,
.............Ouro e pedras, colocar.



.............O pensamento de Cândido
.............Estava cheio de razão.
.............O “bom” do Céu ia levar,
.............E ganhar um dinheirão,
.............Ao sair daquele tédio
.............De gente sem ambição.
.............
.............
.............
.............O avarento Cândido,
.............Querendo viver no ócio,
.............Uma troca articulou.
.............Faria de Deus seu sócio,
.............Mas na triste empreitada
.............Fez do céu um mau negócio.


.............O céu que ele pensou,
.............Fruto da imaginação,
.............Não resistiu a beleza,
.............Que feriu seu coração.
.............E o insensato desejo
.............Lhe intuiu essa ação.



..............Pelo caminho de volta
..............Com alegria sem par,
..............Do que melhor existia,
..............As ovelhas a carregar,
..............Para na sua cidade
..............Co’as gentes negociar.



...............De volta, no seu caminho
...............Ocorreu o inesperado.
...............Pelo seu carregamento,
...............Ele sofreu um bocado:
...............Frio, fome e doença,
...............Foi três vezes assaltado.



.............Perdeu tudo que trazia,
.............No meio da caminhada.
.............Seu corpo todo esfolado,
.............Não carregava mais nada,
.............E o que mais ansiava
.............Era o término da jornada.




.............Dentro do inconsciente,
.............Cândido desejava achar
.............O que na terra não teve,
.............Ouro a desabrochar,
.............P'ra na frente dos parentes,
.............Poder então debochar.



.............P’ra encurtar a conversa,
.............Cândido, a casa chegou
.............Sem nenhum fio de ouro,
.............Só uma pedrinha restou,
.............Para mostrar aos parentes
.............O que pelo Céu trocou.




.............Como um humano pensou
.............O céu como investimento,
.............Saudade, inveja e ganância,
.............Ciúme e ressentimento,
.............Nada disso, viu por lá,
.............Era outro o alimento.




.............E assim o homem vive
.............Desejando a outra vida,
.............Mas por ser carnal e fraco,
.............Mal prepara a partida,
.............Pois naquele Paraíso
.............Será outra a medida.




.............Ao sondar o Paraíso,
.............Dentro da imaginação,
.............O homem vê o que gosta,
.............Mas, é tudo enganação,
.............Deus não deu esse direito,
.............De explorar sua mansão.




..............“Prosa em versos”
...............Por: Levi B. Santos. Guarabira, l2 de Janeiro de 2008






03 janeiro 2008

MINHA ALAGOA GRANDE DO PAÓ

...............................Alagoa Grande - foto de 1946



.......................Tá vendo aquela cidade, moço

........................Foi ali que eu vim ao mundo.

........................Terra de Osvaldo Trigueiro,

........................Torrão grato, e fecundo.

........................Era tão bela e tranqüila

........................Não tinha um só vagabundo.




.........................Lembro a fase de menino,

.........................Revendo esta foto antiga,

.........................Que o tempo embotou.

.........................De saudade ela me instiga,

.........................Vendo-a, eu sinto a falta

.........................Da “patota” tão amiga.




.........................A Lagoa era tão limpa.

.........................Carás - eu pescava nela.

.........................Depois fritava na banha,

.........................Dentro de uma panela

.........................Misturadas na farinha,

.........................Eu jantava à luz de velas.




........................Não tinha energia elétrica.

.......................Tinha o calor da gente sua.

........................Sem postes, sem luminárias

.........................P’ra alumiar suas ruas,

.........................Mas tinha noites tão belas

.........................Com a claridade da lua.




.........................Tá vendo o centro da foto?

.........................Bem ali fica um coreto,

.........................Onde nos sábados à noite

.........................Com o coração em aperto,

.........................Eu ouvia a filarmônica

.........................Executando um concerto.




.........................Eram branquinhos e lisos:

...........................Os banquinhos lá da praça

.........................Onde contávamos estórias,

.........................E ríamos com toda graça.

.........................Não conhecíamos “stress”

..........................Que hoje nos amordaça.



.....................................Às cinco horas da tarde,

.....................................A cidade fervilhava.

.....................................Um mar de gente “azul”,

.....................................A Anderson Clayton soltava.

.....................................Era a turma do “Agave”,

.....................................Que à casa retornava.




....................................Às cinco horas da manhã,

....................................O apito do Trem se ouvia.

....................................Corria à velha Estação,

....................................Para visitar uma tia

....................................Que na Capital morava

....................................Lá chegava ao meio dia.




....................................O Futebol e o São João,

....................................O Carnaval e a vaquejada

....................................Faziam a nossa alegria.

....................................Todo mundo nas calçadas,

....................................Vendo a Banda desfilar

....................................Pelas ruas enfeitadas.




....................................Eram os mais influentes:

....................................Os Montenegros e os Farias,

....................................Os Onofres e os Zenaides,

....................................Eu via todos os dias.

....................................Paiva, Régis e Cavalcante,

....................................Alguns deles eu conhecia.




........................Contemplando a cidade,

.........................Da aurora de minh’infância.

.........................Em pleno dia, tão deserta.

.........................Eu não troco sua elegância,

.........................Pelo “corre-corre” de hoje,

.........................Onde em tudo há ganância.




.........................Bem junto a grande Lagoa,

.........................Tinha uma Tamarineira,

.........................Que hoje não existe mais.

.........................Nossa boa companheira,

.........................Jogávamos a sua sombra,

.........................As "peladas" costumeiras




....................Dois partidos disputavam

....................A eleição para Prefeito.

....................Do Pê-essedê e a Udeene,

....................Eu tirava bom proveito,

....................Pois recebia os regalos,

................ ...Ao aclamar: Tá eleito!



....................... Um animador de comício,

.......................Que sempre estava presente,

.......................O chamávamos de “João cego”

.......................No palanque, logo à frente,

.......................Dizia em voz cavernosa:

.......................Vamos ouvir o suplente!




......................Hoje está tudo mudado.

......................Não mais existe decência.

......................Não tem mais aquela aura,

......................Dos tempos da inocência.

......................Tá tudo tão vergonhoso,

......................Só se vê malevolência.




.....................Dando uma última olhada

.....................Na minha antiga cidade,

.....................Eu sinto um nó na garganta.

.....................É tão forte a maldade,

.....................Que o humano desanima

.....................Da prática da piedade.

.....................

.....................Por: Levi B. Santos ( Guarabira, 03 de Janeiro de 2008)