A panacéia de comicidades que acontece entre os poderes da República do nosso país, nos faz lembrar de fatos ocorridos há duzentos anos, por ocasião da chegada de Dom João VI e sua “troupe” ao Rio de Janeiro. Naquela época deu-se o início da interminável comédia que dura até hoje, no grande teatro chamado Brasil. Aliás, é no presente momento, que com outros coadjuvantes, ela atinge o seu auge de “ópera bufa”. Somos os súditos remanescentes daquele tempo de colônia, cuja maioria dos nativos assistia a tudo sem entender nada. Há dois séculos, os habitantes das terras de Santa Cruz foram obrigados a ver passivamente a degradação dos costumes trazida por uma rainha louca, um rei medroso e uma corte corrupta.
O livro 1808 (lançado em 2007), de Laurentino Gomes, traz um retrato fiel do que foi aquela época, em que os nossos primeiros atores vindos do além-mar deram início a essa trágica-comédia, que hoje, com ingredientes mais picantes, tempera o caldo de nossa triste herança cultural. Dois versos popularmente conhecidos, da era imperial, que faz parte desse denso e significante livro, traduzem mui apropriadamente o sentimento daquele tempo, que não é diferente do de hoje. Vejamos:
Quem furta pouco é ladrão
Quem furta muito é Barão
Quem mais furta e esconde
Passa de Barão a Visconde.
Furta Azevedo no Paço
Targini rouba no erário
E o povo aflito carrega
Pesada cruz ao calvário.
Um capítulo recente dessa comédia foi comentado exaustivamente através dos meios globalizados de comunicação (Rádio, TV, Jornais, e Internet), sendo também motivo de piadas, risos, medos e indignação. Entre outros, este episódio recente, sem sombra de dúvida, ficará registrado na história rizível desse gigante e eternamente adormecido país. Não sei, mas o negócio é tão absurdo, que fica até difícil descrever a hilariante barafunda em que se atolaram os nossos principais atores dos poderes veneráveis da República, quando da prisão cinematográfica do megainvestidor Dantas pela Polícia Federal.
Do que foi veiculado pela imprensa, naquilo que bem poderia ser chamado de a versão brasileira da “Comédia dos erros” de Shakespeare, extraí esta emblemática e chamativa manchete: “O Presidente anunciou que a Polícia Federal vai investigar a ABIN (agência brasileira de inteligência), que colaborou nos grampos telefônicos a pedido da polícia Federal, que agora vai tentar prender os arapongas da ABIN, que fizeram um grampo contra o ministro do STF, que mandou soltar o grampeado Dantas, que a Polícia Federal mandou prender.” De todo esse desvario de incongruências, na gíria popular, dir-se-ia que a cobra mordeu o próprio rabo.
Escrevendo sobre a Polícia de Dom João VI no seu livro "1808", Laurentino Gomes fala do advogado Viana, o mais influente auxiliar do príncipe regente, o qual recebeu a incumbência de por ordem no caos colonial reinante. Foi justamente em 1816 que Viana criou com a aquiescência do manda-chuva da nação, aquilo que seria o embrião da nossa ABIN. A partir daquele ano, um serviço de espionagem estava montado para bisbilhotar a vida dos habitantes dos bairros do Rio de Janeiro. No dizer do autor, “os agentes de Viana eram implacáveis e truculentos”.
O recente imbróglio dos “grampos” que provocou alvoroço entre o Presidente, o STF, a Polícia Federal, a ABIN e o Senado, se tornou o melhor presente que se poderia oferecer ao povão na comemoração dos duzentos anos do Império e sua Polícia. Dessa maneira, as altas personalidades dos três poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo) protagonizaram na pós-modernidade, a melhor e mais hilariante cena da longa comédia iniciada nos tempos de Dom João VI.
Razão teve William Shakespeare quando falou: “Só se conhece um homem de verdade no exercício do Poder”. Parece que os homens que ambicionam os mais altos degraus das altas instituições de uma nação, não resistem ao fascínio de lutar bravamente pelos papeis principais dessa grande “telenovela” que é a comédia da vida política de uma nação, a ponto de cegar para o ridículo dos atos que representam no seu dia-a-dia.
Os súditos de hoje, de tão acostumados já não se indignam mais. Pelo contrário, riem e aplaudem calorosamente os seus inescrupulosos e carismáticos personagens.
Salve o atual Príncipe e sua “troupe”!!!
Até o próximo ATO dessa comédia interminável chamada Brasil.
Ensaio por: Levi B. Santos
Guarabira, 13 de Setembro de 2008
Um comentário:
Realmente hilário para não dizer trágico. Justiça , investigações e algemas não são para os muito ricos e criminosos de colarinho branco ,mas sim para o povão pobre(que não tem a tal de presumida inocência).Já é colocam algemas ,fotos nos jornais mundo-cão e prisões terríveis.
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