24 outubro 2008

SALVA PELO ECLIPSE




Era sempre naquele intervalo de tempo, entre o final do almoço e o início da sesta que, assim meio a esmo, surgia um tema para ele e sua velha e cansada mãe discutirem juntos, enquanto palitavam os dentes. Ultimamente, ele vinha sempre perguntando sobre fatos relevantes da história pregressa de seus pais, no intuito de estabelecer um paralelo entre a mentalidade das duas gerações. Porém, nesse dia foi ela quem lhe dirigiu os velhos e surrados conselhos que costumava desfiar em ocasiões de dificuldades no meio da família: “olhe meu filho, está na hora de você voltar para a igreja, e se entregar a Jesus. Esse mundo não tem nada mais a lhe oferecer. De uma hora para outra a gente vai embora dessa terra, e o que será de você, sem a certeza da salvação?”.

Nesse dia ele resolvera explorar o tema “salvação”, em conversa com a sua mãe. Após alguns segundos em silêncio, resolveu fazer a primeira pergunta, enquanto molhava a língua com a colherinha cheia do caldo grosso da salada de frutas grudada no fundo da taça. Respirou fundo e perguntou:

─ Como foi a sua salvação mãe, ou melhor, o que fez a senhora procurar a igreja?

─Ah, meu filho. Eu morava no sítio Várzea Grande, quando mais ou menos lá para as três e tanto da tarde, o mundo começou a escurecer. De repente, em pleno dia, as galinhas e os galos começaram a subir nos poleiros. Anoiteceu rapidamente, e eu ouvia os crentes todos alegres orando alto e dizendo que era o fim do mundo, era a vinda de Cristo, e quem não fosse salvo não iria para o céu. Meu filho, eu disse “perna pra que te quero”, e corri desabaladamente para o local onde os crentes estavam reunidos, gritando: “eu também quero ir com vocês, quero ser crente”. Fui me proteger debaixo do teto onde todos estavam unidos de mãos para cima em um só pensamento, aguardando só a hora de ser arrebatada. Depois de alguns minutos o dia foi se tornando claro de novo, e tudo ficou normal. Depois fiquei sabendo que tudo tinha sido obra do tal de “eclipse”.

O filho, no entanto, insiste diante da mãe, dizendo que ela não tinha ainda revelado o sentimento cristão que ocasionara a sua conversão, e ouve dela a frase óbvia:

─ Meu filho, não se faça de burro! É claro que foi o “medo”, que me fez tomar a decisão de ser crente. Eu nem precisei ouvir palavra nenhuma, para me tornar uma pessoa "salva". O medo do fim do mundo me fez correr para a igreja. Chegando lá eu disse: eu também quero ir para o céu junto com vocês. E estou aqui até hoje, graças a Deus.

O filho querendo suscitar na mãe uma maior reflexão acerca dos detalhes narrados em sua conversão, inquiriu-a dessa forma:

─ Quer dizer que o “eclipse” lhe salvou? E onde fica Jesus nessa história toda?

A mãe antevendo aonde o filho queria chegar, muda de assunto e fala em tom de repreensão:

─ Olhe meu filho, aí é onde está todo o seu 'atrapalho'. Você nesses seus estudos, tudo quer saber. - Sabe do que eu tenho medo?

─ Medo de que mãe?

─ De tanto tu estudar, ficar como o filho de Olegário, que leu demais e ficou doido.

A essa altura, ele sabia que não adiantava ir mais além. Afinal, sua mãe além dos 82 anos de idade, era hipertensa e cardíaca e, ele não devia puxar muito pelo seu juízo. Terminou a entrevista para evitar uma dor de cabeça na velha, e saíu para a “sesta” na velha rede do quarto de visita. Lá ele continuou com os seus botões a refletir sobre o tema “salvação”. Deu asas a imaginação, chegando à conclusão de que cada pessoa tem a sua maneira peculiar de relacionamento com Deus. As “boas novas” de salvação da sua mãe, a seu ver, tinha sido o aterrorizante “eclipse”, que a fez decidir-se através do medo. Ainda tão moça, passou a viver em função do seu maior anseio: a vida após a morte, o “céu” de delícias, sem dores, sem eclipses e sem medo.

Enquanto esperava o sono, balançando-se em sua rede na penumbra do quarto, o filho lembrara-se de um trecho do que dissera Cristo na sua filosófica e sábia oração, descrita assim no livro do evangelista S. João: “Ora, a vida eterna é esta: que conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. Ele entendia que nessa emblemática parte da prece dos Mestres dos Mestres, estava todo o esteio das “Boas Novas” do evangelho. Dessa forma, o gozo da “salvação” ─ a “vida eterna” ─ já seria experimentada “aqui e agora”, não se restringindo apenas a uma vida sem fim, após a morte.

Enquanto a sua mãe cantarolava na cozinha lavando os pratos e talheres, ele chegara à conclusão de que o mais enriquecedor seria, em vida, conhecer a mensagem salvadora, cuja essência não está atrelada a cataclismos como eclipses, terremotos e outros vendavais. A condenação eterna, essa sim, seria ter que continuar nas trevas da ignorância, ou seja, continuar cego para o conhecimento da Luz que está em Cristo.

Entre um cochilo e outro, forçando um pouco o ouvido, dava para ele ouvir o estribilho do hino que a sua mãe continuava a cantar, navegando num mar de louças e caçarolas em sua cozinha. Ele ouvia a sua vozinha fraca e um pouco desafinada dizendo assim bem no final da estrofe: "Aqui na terra nada mais almejo. A vida eterna eu terei lá no céu".

Ao escutar o estribilho do saudoso hino repetidas vezes, chegara a pensar que sua mãe ainda continuava a viver na escuridão do eclipse solar de sua mocidade, mas depois entendeu que "Salvação", "Vida Eterna" e "Condenação Eterna" tinham conceituações que realmente não encaixavam no entendimento dela.

Pressentindo que a linguagem de sua mãe era outra, ele decidiu sensatamente não tocar mais no assunto.
Sabia de antemão que ela tinha outros valores diferentes dos seus; certamente, em sua relação simbólica com o Divino, o medo do fim do mundo transmutado no fatídico "eclipse" fora a causa de sua "redenção". Onde entraria aí a "salvação pela graça" , ele não tinha a menor idéia. Refletindo melhor, entendeu que não adiantava questioná-la, ainda mais sabendo-se que a multiface de Deus é infinita, e cada um tem o céu que imagina, em conformidade com o velho ditado: "em cada cabeça um mundo".



Ensaio por: Levi B. Santos
Guarabira, 24 de Outubro de 2008

4 comentários:

aa7 disse...

Nobre Levi, atendendo seu pedido venho comentar seu ensaio. Ninguém pode enxergar além do raio de visão do ponto onde se encontra. O ponto onde me encontro é Cristo, exclusivamente conforme descrito no texto bíblico. Aqui armei minha tenda e ficarei até deitar à sepultura. Desse campo visual é que interpreto tudo. Lendo seu ensaio nota-se que o personagem principal é um “livre” pensador e isso “faz” a cabeça dele.” Porque digo isso? É característica do livre pensador quando vai analisar idéias, fazer uma seleção do que gosta, o restante ele releva como se não existisse. Embora isso lhe traga problemas com outros iguais a si, é contornável. Problemas mesmo ele encontra quando quer exercitar essa sua expressão de “liberdade” com um ser que se auto intitula Deus. Como se diz no hinduísmo, “nós somos Deuses.” Mas a verdade é que essa realidade só existe dentro da cabeça, do lado de fora os fatos são outros. O personagem vozinha diz: “olhe meu filho, está na hora de você voltar para a igreja”; Ao que ele interpreta como divagação. O personagem possui características do que nós poderíamos chamar de um sujeito “pós igreja.” Isso é credo de pensador.” Mas a bíblia diz:” Busca satisfazer seu próprio desejo aquele que se isola; ele se insurge contra toda sabedoria.” Pro 18:1 E “Não deixando a congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia.” Heb 10:25. O contexto aqui é igreja e só. Na seqüência o personagem faz uma abordagem do medo de Deus, ridicularizando-o: “O medo do fim do mundo me fez correr para a igreja”, diz a vozinha. O que a bíblia diz sobre o medo? “O meu corpo se ARREPIOU com temor de ti, e temi os teus juízos.” Sal 119:120, “O temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a sabedoria e a instrução.” Prov 1:7, “Pela misericórdia e verdade a iniqüidade é perdoada, e pelo temor do Senhor os homens se desviam do pecado.” Pro 16:6, “Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai; e seja ele o vosso temor e seja ele o vosso ASSOMBRO.” Isa 8:13 e por último:” E disse Jesus: E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; TEMEI ANTES AQUELE QUE PODE FAZER PERECER NO INFERNO A ALMA E O CORPO.” Mat 10:28. No planeta terra, para essa taba de pequenos “Deuses”, esses textos criam um choque de “divindades” entre o todo poderoso os Deuses tupiniquins, afinal um Deus sentir medo insulta a inteligência dos tais. Daí porque os seus “pajés” torcem o texto, desconfiguram a palavra para poderem manter seus egos “divinos” intactos. È assim que a palavra temor perde um de seus sentidos: o medo; e passa forçosamente a significar apenas respeito, que também é um das partes que compõem o sentido da palavra temor. O personagem vai mais longe e ironiza um conceito que os profetas e apóstolos sempre procuraram difundir...O personagem falando sobre a vozinha diz:” Ainda tão moça, passou a viver em função do seu maior anseio: a vida após a morte, o “céu” de delícias, sem dores.” E comentando um hino catarolado por ela: “Aqui na terra nada mais almejo. A vida eterna eu terei lá no céu".” Mais uma característica do livre pensador, diferentemente dos ícones da bíblia, ele olha com absurdo espanto o viver em função do céu, ele não consegue entender porque para ele o céu é aqui. Aqui ele se sente perfeitamente ambientado pois é um “cidadão do mundo.” Parafraseando a Ana Maria: Aqui ele está de “bem com a vida”... Agora a disparidade com a bíblia...” Quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há o que eu deseje além de ti.” Sal 73:25. O que Jesus pensava desse mundo? “Disse Jesus: O mundo me odeia, porque dele testifico que as suas obras são más.” Joa 7:7, “vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo.” Joa 8:23. Jesus não quis ser identificado com esse mundo tão “agradável.” “disse-lhe Jesus: Eu vim a este mundo para juízo.” Joa 9:39 Jesus continua...” Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna.” Joa 12:25 “O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece.” Joa 14:17... o céu começa aqui...?” porque se aproxima o príncipe deste mundo.” Joa 14:30 Quem é o príncipe? Olha quem é o soberano do mundo...” Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia.” Joa 15:19... O céu começa aqui!? “Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo.” Joa 17:14 “Não são do mundo, como eu do mundo não sou.” Joa 17:16 “Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor(livre pensador) deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” 1Co 1:20 “Ninguém se engane a si mesmo. Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia.” 1Co 3:18,19 “ O mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.” Gal 6:14 ...céu aqui? “Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” Tia 4:4... o que significa isso? “Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo.” 1Jo 2:16... Opa ta clareando... “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé.”... Existe uma guerra entre eu e o mundo?... mas o céu não é um lugar de descanso? “Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno.” 1Jo 5:19... O céu começa com o maligno nele? Finalizando, o personagem termina com uma declaração típica de um livre-pensador que sempre se coloca contra a fé no sentido bíblico:” e cada um tem o céu que imagina.” A fé-fábula que esses criativos senhores de si mesmos conhecem é a fé em si. São totalmente monoteístas, seguem somente um Deus: o próprio ego. Prestam intermináveis cultos de auto-adoração e até morrer jamais se prostituem espiritualmente com outros Deuses, morrem fieis à sua fé. Eu diria que o personagem foi vítima do cristianismo instantâneo, adulterado que estão servindo por ai, feito para conseguir adeptos aos montes porque prega a satisfação do ego. Também chamado de egolatria. O personagem claramente escolhe fatos bíblicos dos quais se agrada e dispensa outros ao seu bel prazer como se tivesse o mesmo poder que tem o autor de julgar o que é mais e menos inportante ou até dispensável. Não ficou muito claro o tipo de fé da vozinha, mas apressadamente eu diria que ele teria e muito a aprender com ela. O personagem se julga muito sábio frente à vozinha, e sabedoria colhida no mundo em vez de ajudar só atrapalha, combinado a um conhecimento sofrível das escrituras que ele demonstra fica difícil... Se fosse para arriscar um palpite de quem teria mais chances de ter um final feliz, eu apostaria todas as minhas fichas na vozinha. Um abraço
Roberto Aguiar

Levi B. Santos disse...

Prezado Roberto Aguiar

Antes de tudo quero agradecer o seu comentário a respeito do ensaio "Salva pelo Eclipse". Através do seu ponto de vista pude aquilatar o extremo valor da dialética: os significantes de quem escreve o texto não são os mesmos de quem o ler. Paul Valèry(pensador Francês) já dizia que "a palavra é metade de quem a escreve e metade de quem a ouve ou a ler".
Por outro lado, entendo que Cristo veio exatamente transformar os escravos em "livres pensadores" ( "Não vos dei o espírito de medo"). Entendo também que o que impede o livre pensar é justamente o medo (doentio).
Agora mesmo me vem a lembrança da primeira escola bíblica em Alexandria (inicio da igreja primitiva), cuja imensa biblioteca (a maior da época), foi incendiada pelos (tomados de terror e medo de não perderem a fé) não adeptos da análise, do exame, do livre pensar sobre as coisas escritas no livro sagrado.
Ainda hoje, somos resistentes a qualquer cântico novo ("cantai um cântico novo"). Na raiz dessa resitência está indubitavelmente o "medo". Acredito muito nesse tipo de transformação: "Transformai-vos pela renovação do vosso entendimento..." Só não tendo receio de perder o que foi erigido e alicerçado na areia movediça do medo, é que vamos nos abrir para o novo ("as coisas velhas já passaram").
Com Cristo foi inaugurado o amor fraterno (somos todos irmãos: eu, você e Cristo). Entre irmãos não há mais o temor que existia entre o filho e um pai severo. Esse irmão (Cristo) deu a sua vida para nos libertar da escravidão do medo, e ainda disse que faríamos obras muito maiores do que as que Ele fez.
O perigo de ficar preso ao passado é este: não visualizar (aqui mesmo nesse nosso mundo) estas grandes obras que Cristo vaticinou.

Cordialmente,
Levi B. Santos

OBS: Continue prestigiando o meu blog (www.levibronze.blogspot.com ). Navegando, encontrará outras postagens de cunho bíblico reflexivo. Confira

Prof. Francivaldo Jacinto disse...

Prezado Levi

Infelizmente muitas pessoas estão querendo se achegar a Cristo por causa do medo.
Medo de ficar pobre, medo de morrer de um câncer, medo de não ser bem sucedido no trabalho, medo de não fazer sucesso, medo de perder o companheiro (a), etc.

Mas afinal onde fica o medo de não ser salvo?
Muitos são chamados por causa desse medo, mas poucos permanecem.
Podemos até nos achegar a Cristo por causa de algum medo existente em nossa vida, mas não podemos continuar na presença de Deus com medo. Vivemos pela fé!

Um abraço.

Francivaldo Jacinto.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa tarde, Levi.

Muito bom o artigo que tardiamente li hoje e, após refletir acompanhando também os comentários, recordo da passagem bíblica que diz sobre o amor perfeito lançar fora o medo.

Não creio que possa haver uma verdadeira conversão (leia-se aqui mudança de rumo) através do apelo ao medo. Do contrário, o que se tem é um oportunismo do religioso que, ao adquirir um pacote de crenças, passa a ter seu passaporte pro céu assegurado, caso confirme-se a autenticidade de sua conversão quando partir desta para p lado de lá.

Nessas escolhas, vejo aí traços da personalidade do crente e também as condicionantes de seu contexto de vida. E considero que pessoas inseguras e carentes, seja material ou emocionalmente, torna-se mais vulneráveis a esse apelo sujo SP proselitismo mas que muitos pregadores também reproduzem crendo que estão a fazer o bem.

No conto que escreveu, posso considerar que a personagem estivesse antes do eclipse desejosa de virar crente. Talvez lhe faltasse coragem para se decidir e, deste modo, romper com o seu convívio social até então mantido. Mas, naquele momento em que o mundo parecia estar acabando e ela imaginava estar perto da morte, nenhuma convenção social ou o contentamento de permanecer com as pessoas de seu grupo a segurariam.

Há muito mais detalhes a serem refletidos nas entrelinhas de seu texto e tbem nas conversões de cada um, sendo que o medo pode também conviver com outros sentimentos motivadores da decisão.

Um abraço.