30 julho 2009

VIVEMOS O EVANGELHO DO “SER” OU DO ”TER” ?



O bem estar da civilização ocidental, infelizmente, é medido pelo sucesso profissional, que por sua vez obedece aos padrões culturais baseados na felicidade a qualquer custo. Não resta dúvida de que necessitamos do TER para que possamos sobreviver condignamente, porém, o grande X do problema, é que nossa sociedade nos impõe o TER como um fim em si mesmo. É quando se diz: “Aquele ali sim, vale dez milhões de dólares”.


É logo cedo, como tenra criança, que aprendemos a colocar o TER no topo de nossos maiores anseios. Quem de nós quando criança não ouviu a célebre frase: “Se você se comportar bem vou lhe dar um grande presente!” É justamente nessa época que é plantada a semente do TER no psiquismo infantil ainda em formação.


Apesar dos grandes mestres do passado terem ensinado que não devemos nos guiar pelo instinto de posse, o anseio do Ter continua no centro de nossas idealizações.


Os Evangelhos estão repletos de inúmeros ensinamentos valorizando o SER e não o TER. É célebre a frase dita por Cristo: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo e perder a sua vida”. O próprio Marx num rasgo de humanismo falou: “O nosso ideal deve consistir em SER muito e não TER muito”. Buda certa vez disse: “Para chegarmos ao mais elevado estágio do desenvolvimento humano, não devemos ansiar pelas posses. Erich Fromm, escreveu a seguinte fórmula: “eu sou = o que tenho e o que consumo”. O Mestre Judeu Martin Buber, autor do antológico “Eu e Tu” disse também, à respeito do TER: “Aquele que só conhece o mundo como algo que se utiliza, vai conhecer a Deus do mesmo modo”.


Desde os pré-socráticos, passando por Heráclito e Hegel já se falava na idéia do SER, como algo que implicava transformação, em contraste com a monotonia das relações sociais e religiosas baseadas no “é dando que se recebe” ─ como um fim em si mesmo.


Infelizmente, o cristianismo gospel tem enveredado pelo caminho comercial do TER, onde a maior bênção divina é a prosperidade econômica. As seitas da prosperidade crescem em progressão geométrica, valendo-se de uma espécie de deturpação grosseira dos pressupostos judaicos do Velho Testamento. Para validar a teoria do TER, usam como carro-chefe, a grande promessa que Deus fez a Abraão, de que ele iria possuir a terra que manava leite e mel: “A tua descendência, dei esta terra, desde o rio Egito até o grande rio Eufrates” (Gêneses 15: 18).


O crente Gospel da prosperidade que se guia pelo TER, parece mais uma eterna criança de peito, berrando pela mamadeira. É aquela pessoa que não quer crescer para ficar sempre dependendo do leite, quando no dizer do apóstolo Paulo: “...pelo tempo de crente, já deveria ingerir alimentos sólidos”. (Hebreus 5: 12).


A teologia da prosperidade terrena não resiste a essa simples reflexão: O herói da prosperidade é aquele sujeito conquistador, sempre vitorioso, cheio de poder, de fama e de louros, aquele que tudo pode e nada sofre. Já o autêntico herói cristão é totalmente o avesso do primeiro: é aquele cuja maior satisfação é dar a vida a Deus e em prol do seu semelhante, sem pensar em recompensa, porque aquilo que se faz pensando em receber algo em troca, se constitui a própria negação do amor. Cristo foi um herói que não teve onde repousar a cabeça. Um herói que não empregou a força. Um herói que não queria governar nem possuir coisa alguma, tendo por isso, atraído os pobres e não os ricos. Um herói que ao observar profundamente o mundo fútil do TER, disse: “É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mateus 19: 24).


Se fizermos uma leitura da Bíblia fora do seu contexto e de um modo literal, sem levar em conta o simbolismo de suas inúmeras figuras de linguagem, corremos o risco de pensar que lá na eternidade seremos regidos pelo modo TER, que no fundo no fundo, não deixa de ser a nefasta teologia da prosperidade levada às últimas conseqüências. Em outras palavras, é o mesmo que dizer: “Aqui na terra eu não tenho uma luxuosíssima mansão como a de muitos ministros da prosperidade, mas lá no Céu, um dia, eu poderei dizer afinal: agora sim, “eu tenho”(*) uma muito mais rica do que a deles”. Pergunto eu: “Ter para mostrar a quem?”


Sinto tristeza ao ver “o utilitário religioso” transformando o nome de Deus, irremediavelmente, num “ISSO” ou “AQUILO”, como se Ele fosse um objeto nobre entre os demais objetos.

Qual a opção que a Instituição religiosa no modo TER oferece, senão esta: “Observar estritamente as suas regras ou se retirar. Não esquecendo uma terceira opção, que seria a de fingir que é um de seus membros, tentando servir a dois senhores.


(*) A forma “eu tenho” ─ no hebraico, significa desejo possessivo ou egoístico, podendo ser substituído por: é só para mim”.



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 30 de julho de 2009

27 julho 2009

A INUSITADA VISITA DE DOIS PREGADORES A SUA VELHA MESTRA


...........Eles tinham sido amigos de infância e de igreja, além de companheiros nos primeiros anos de estudo. Encontraram-se recentemente, por acaso, na feira de rua da pequena cidade de Brejo da Várzea no sertão Paraibano, onde nasceram e foram criados. Após terem terminado o curso ginasial, cada um tomou seu rumo, e só agora, por obra do acaso, é que estavam se vendo frente a frente

Após as saudações de praxe, os dois se alegraram muito, riram e se abraçaram pela grata coincidência: ambos eram agora pastores de duas igrejas evangélicas. Armando Pedreira estava com sessenta anos de idade, e Amadeus dos Santos já passava dos sessenta e dois.

Armando Pedreira tinha vindo à sua cidadezinha natal para um encontro especial com a velha Deolinda, professora dos dois pastores nos tempos do curso ginasial. Amadeus viera visitar sua única irmã, que se encontrava muito enferma, e resolveu atender o convite do seu companheiro de profissão para irem juntos à casa da antiga mestra de Moral e Cívica.

Diante da varanda da casa de Deolinda, ficaram por algum tempo estáticos e desorientados como duas crianças assustadas, pois não se viam desde o término do curso ginasial. Uma torrente de pensamentos e fatos vividos atordoava as suas mentes. A professora amavelmente convidou-os a entrar, mas eles acharam por bem ficar na varanda ao sabor do vento úmido daquela tarde de outono. Um odor de eucalipto e capim santo exalava por aquele ambiente, é que D. Deolinda tinha ao redor de casa uma horta medicinal, para feitura de seus prediletos chás, que afirmava ser um santo remédio para suas cólicas e enxaquecas freqüentes. Naquele momento, bem acomodada em sua cadeira de balanço, Deolinda imaginou por alguns segundos: “Será que seus ex-alunos continuavam como antes, após todos esses anos decorridos?” Já tinha ouvido por terceiros que eles eram dois ministros protestantes. Continuava a pensar: “Armando Pedreira pregaria um Deus conservador, tradicional?. Amadeus pregaria um Deus mais tolerante, como era a sua maneira de ser, quando estudante?”.

A velhinha estava ansiosa por aquela oportunidade, em que poderia conferir se as suas tão saudosas e barulhentas aulas tinham deixado algo no espírito daqueles dois homens já bem maduros. “O que teria ficado de indelével em suas personalidades, em razão dos velhos ensinamentos e diálogos do tempo de ginásio?” ─ perguntava para si mesmo.

Passado o nervosismo dos primeiros instantes, os dois pregadores conversaram bastante sobre fatos engraçados da época de estudante. Recordaram alguns embates no grêmio literário da escola. Entretanto, na cabeça de Armando Pedreira reverberava algo que o deixava impaciente. Ele pensava: “nesta disputa eu não poderei perder de jeito nenhum”. “Mostrarei a força da minha instituição”. Algo falava em seu ser: “Tente rápido ganhar essa alma para o seu rebanho! Caso contrário a perderá para a igreja de Amadeus”.

Pedreira atribuía essa voz que saia de dentro dele, a alguma coisa vindo da parte de Deus, sem, no entanto, refletir que tudo aquilo que sentia era fruto de um forte e insano desejo de ganhar uma disputa contra seu arqui-rival de estudos escolares, Amadeus. Achara então, que tinha chegado à oportunidade de encerrar aquele entrevero um tanto fútil, e, percebendo o adiantado da hora, dirigiu-se a velha professora, já aparentando impaciência:

─ A senhora permite, neste momento, entregar-lhe algo que Deus está ordenando que eu fale?

─ A palavra é toda sua, caro Pedreira. Sou toda ouvidos responde Deolinda.

Pedreira faz então uma rápida oração. Em seguida abre gulosamente a sua Bíblia e lê o que está escrito em Salmos (9.17): “...Os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus”.

Amadeus reflete: “Meu Deus, o Pedreira continua duro como nos tempos de estudante?. Mal começou a conversa e já entra falando de uma maneira constrangedora!”.

Cabisbaixo, Amadeus ouve todo aquele discurso de “ganhadores de almas”, que culmina com o pedido para a professora aceitar Jesus como seu Salvador. O próprio Amadeus foi constrangido por Pedreira, a cantar bem baixinho o hino quinze da Harpa Cristã, enquanto ele reforçava o apelo, tudo feito de uma maneira pré-estabelecida, um verdadeiro “clichê”.

A professora, bem educadamente, olhando nos olhos de Armando Pedreira, fala:

─ Bem senhor Pedreira, eu não ia incluir em nossa conversa o lado religioso, mas vamos debater como fazíamos na sala de aula. Vamos argumentar:

─ Por que o senhor me considera uma ímpia e me convida de modo tão extremado para aceitar Jesus a fim de poder escapar do fogo do inferno?

─ Dona Deolinda! ─ responde Pedreira, alvoroçado: Eu lhe conheço bem desde aquele tempo. A senhora sempre teve uma queda para o ateísmo. Lembro-me bem dos seus monólogos, e das suas inserções um tanto perigosas sobre a mensagem cristã.

Dona Deolinda pede licença ao Pedreirinha ─ como era chamado pelos seus colegas de classe ─ abre a sua velha bíblia encardida pelo tempo, mas cheia de grifos e lê em João (Cap 8:15): “...vós julgais segundo os padrões humanos, eu a ninguém julgo ( palavras de Jesus)”.

Senhor Pedreira! ─ fala a professora, como se estivesse na sua antiga sala de aula ─ Refresque bem a sua memória e procure lembrar-se daquela palestra que discorríamos sobre o “julgar”, quando eu afirmava que o mesmo é sempre produto de premissas falsas. Esse julgamento não corresponde à verdade, pois é resultado de uma avaliação que se faz pelo que se vê, pelo exterior! Você não está a ver o que há no meu coração. Você parece que esqueceu o que eu dizia em minhas preleções no ginásio:tenham cuidado ao abordarem uma pessoa, e nunca pensem, de início, que ela é o pior elemento. É preciso muito ouvir, para depois falar”.

─ Mas professora, não sou eu quem diz, é a “palavra”. Não tenho culpa ─ retruca Pedreira, já com a camisa empapada de suor.

Vamos ler juntos, Marcos 7:13: ...invalidais, assim a palavra de Deus pela vossa tradição que vós mesmos transmitistes”. Essa fórmula vazia, esse clichê ou slogan que já é uma tradição no seu meio, anula o Evangelho de Cristo ─ conclui a velha professora.

A esta altura, o Sr. Amadeus dos Santos, agradecia a Deus pelo que estava presenciando. Com os dedos das mãos contraídos, dizia para si mesmo: só falarei na ocasião propícia. Ali mesmo, passavam em sua mente, como um filme, as competições do grêmio literário de quarenta e cinco anos atrás.

─ E o senhor, o que faz atualmente? ─ pergunta a professora, dirigindo-se agora para Amadeus.

─ Dou apoio espiritual a um pequeno número de pessoas em minha igreja, mostrando para elas a graça e a misericórdia infinita de Deus para com todos, sem acepção, ensinando os princípios éticos cristãos, a moderação e tolerância, em suma o amor dirigido também aos que não são do nosso grupo.

Armando Pedreira não se contendo, levanta-se furioso e fala:

─ Está vendo Dona Deolinda! ─ Começamos a pastorear nossos rebanhos na mesma época. A minha igreja conta com seiscentos membros, e a do Sr. Amadeus, segundo me contaram, tem quarenta membros. Se a igreja dele não cresce, algo vai mal. Para Deus não existe coração duro, existe pregador frouxo. Na certa ele não está usando o método correto.

Qual o método que você usa bem, para fazer adeptos? ─ pergunta a professora, voltando-se para Amadeus.

Com aquela voz miudinha e de tonalidade baixa, corpo já envergado pelo peso da idade, e sofrido pela angústia ao ver tantas injustiças e incompreensões por parte daqueles que em nome de Cristo deveriam trazer alívio para as pessoas, mas ao contrário colocavam mais fardos pesados nos ombros delas, Amadeus começa lentamente a falar:

─ Meu rebanho é pequeno, não resta dúvida, porém, acredito que o pouco com Deus é muito. Estamos sempre mostrando por onde passamos, que Deus é perdão e misericórdia; procurando levar a verdadeira paz aos que estão em desarmonia. Sabe Dona Deolinda, eu considero a pregação do evangelho como uma prestação de socorro a uma vítima de afogamento, como exemplo. Não procuro saber quem é a pessoa que está em perigo de morte, e jamais eu posso numa situação como esta, pregar o medo, pois eu irei fazê-la afogar-se mais rápido ainda.

Pedreira não se contendo, pede licença a professora e intervém intempestivamente:

─ Está vendo porque sua igreja não cresce? ─ dispara arrogantemente. ─ Este povo é de dura cerviz. Olha, se não for com a ameaça de castigo, de destruição não se converte ninguém. Fale do fogo do inferno que arde mil vezes mais do que o nosso fogo de lenha, e isto eternamente. Eu quero ver quem resiste! Deus há alguns anos, me confiou uma grande missão: pregar nas cerimônias fúnebres. Deixo de comparecer, por este motivo até as festas de casamento e de aniversário. É lá nos cemitérios, que Deus me usa poderosamente. Ali, as pobres almas estão fragilizadas, e, mesmo que elas não estejam entendendo o que estou pregando, não deixo nunca de bradar no final de minha preleção: “Quem sabe, se não pedirão a tua alma hoje? Se não aceitares Jesus, irás direto para o inferno onde há choro e ranger de dentes!. É quando muitos, com medo da condenação eterna se rendem chorando ajoelhados”.

Dona Deolinda não se agüentando mais, pede a palavra, iniciando assim os seus argumentos:

─ Como você diz que é o medo que traz as suas pobres almas ao rebanho, eu quero ler aqui em I João (4:18): “... no amor não há medo. Antes o perfeito amor lança fora o medo, porque o medo produz tormento. Aquele que teme não é aperfeiçoado no amor”.

A velha professora sabia de suas leituras de pedagogia infantil, que a criança herda da paternidade a submissão rigorosa e a arrogância. Ela entendia perfeitamente que o modo de agir dos pais, como eles se comportam, o que eles dizem, o que eles valorizam, estruturam a personalidade da criança.

Deolinda permaneceu silenciosa por alguns segundos, pensando com os seus botões, o tempo bastante para chegar à conclusão, de que a maneira de agir do seu ex-aluno e agora pregador Armando Pedreira, tinha muito a ver com a educação recebida do seu pai. Ela fez uma rápida retrospectiva dos tempos de criança daqueles seus dois ex-pupilos e, chegou à seguinte racionalização: “a rigidez doutrinária e a insistência paterna em forma de cobranças repetitivas, tinham marcado fortemente a personalidade, do agora adulto, Pedreira. Não é assim que acontece com o bebê, que em seu desenvolvimento absorve e apreende tudo que é insistentemente repetido, quer em gestos, quer em palavras”?

Deolinda pode enfim perceber que a pressão psicológica que Pedreira sofrera de seu pai, influíra decididamente no seu modo de ser e de ver as coisas. Foi nessa hora que veio à sua lembrança, as palavras de Natã a Davi: “...agora portanto a espada jamais se afastará de tua casa”. Esse versículo despertou Deolinda para compreender com mais nitidez o que possivelmente acontecera com o seu ex-aluno: A espada do pai passara para o filho. Era com ela, que ele de maneira doentia, manejava para ganhar almas. Ele estava em nome do pai, carregando um fardo pesado, e o passando a outras pessoas, inconscientemente. Não soube se desligar do pai idealizado, justamente com medo do castigo. Aprendera quando criança, a obedecer através da ameaça de castigo, que num círculo vicioso produzia cada vez mais tensão e medo. Mas a professora entendia que Pedreira jamais poderia incriminar os pais por ele ter herdado àquela maneira de ser, pois com o advento de Cristo, cada um torna-se responsável por si mesmo. Deolinda compreendia que foi para aliviar esse jugo, que Cristo viera ao mundo fazer-se maldição por nós, e, achava que toda aquela resistência e arrogância do Pedrerinha ─ agora pregador do evangelho ─, era fruto da sua surdez espiritual. Ele não tinha ainda ouvido a voz branda de Cristo dizendo: “vinde a mim Pedreira, e eu tornarei suave o teu jugo, e farei bem leve esse fardo pesado, que te foi imposto pelos teus em teu ambiente”.

Deolinda, tomada de um impulso raro, põe a sua mão direita no ombro de Pedreira e fala sem meias palavras.

─ Sabe de uma coisa meu caro pregador Armando Pedreira? ─ Não me leve a mal, o senhor precisa ser liberto ─ diz Deolinda, querendo encurtar o enredo. O senhor precisa ser liberto da sombra paterna do preconceito, da vingança e do medo com que foi alimentado durante toda a sua infância.

Ela lembrava perfeitamente de uma de suas aulas, como se fosse hoje. Parecia está vendo Pedreira com seu semblante ríspido, no exato momento em que Amadeus afirmava diante de todos os seus colegas, que dialogava com seus pais à mesa, após o jantar, às vezes, discordando deles, em assuntos de religião e política. Lembrou-se de como Pedreira não suportando o relato de Amadeus, retirou-se bruscamente da sala de aula, visivelmente contrariado. Deolinda entendera que aquela reação demonstrada por Pedreira, na verdade, tinha sido fruto de uma vingança executada inconscientemente, em defesa do que ele aprendera do seu pai, o qual, não tolerava o confronto de idéias. Ela não tinha dúvidas de que tinha sido isso mesmo, que fizera com que ele se retirasse da classe. Aquela inesperada fuga da sala de aula tinha sido um ardil, em defesa dos conceitos adquiridos do pai.

─ O que você tanto balbucia aí com os seus botões? ─ pergunta Deolinda, para um Amadeus encolhido e cabisbaixo.

─ É, Dona Deolinda, as coisas de Deus parecem um paradoxo. Há pouco tempo o colega Pedreira pedia para senhora aceitar Jesus. Mas, pelo que estou presenciando atentamente, quem necessita de libertação não é a senhora não, é ele...

Deolinda aproveitando o momento que Pedreira, um tanto nervoso, se dirigira ao banheiro, resolveu sussurrar ao pé do ouvido de Amadeus:

─ É meu caro Amadeus, você é um privilegiado, pois, ao que parece, sobre os seus ombros não foi imposto o “fardo pesado” da subserviência. Contudo, sejamos sóbrios, não vamos tripudiar sobre o seu amigo de púlpito. Antes, devemos aturá-lo com calma, até que ele possa, quem sabe, um dia, chegar ao pleno conhecimento da VERDADE.

Já era tarde da noite quando Deolinda, sem sono, deu asas à imaginação. Pensava de si para si: “Como a promessa de um paraíso após a morte e o medo do castigo eterno atraem as pessoas. Era esse o motivo pelo qual a igreja de Armando Pedreira estava abarrotada de almas penitenciando-se diariamente para escapar do inferno.

É isso mesmo! ─ diz a mestra, terminando o seu pensar: “Os Evangelhos falam de uma salvação que é de graça, mas ninguém acredita. Só se crê naquilo que se consegue através da troca, do toma-lá-dá-cá”.

A velha e cansada professora agora entendia o “porquê” da Igreja de Amadeus ter tão poucos fiéis.


Conto por Levi B. Santos

Guarabira, 27 de Julho de 2009

20 julho 2009

ABUSOS EM NOME DE DEUS


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...........Tenho me dedicado desde agosto de 2006, a postar aqui no “Ensaios & Prosas”, textos só de minha autoria. A maioria dos artigos é de cunho bíblico-reflexivo. Muito dos ensaios que eu tenho escrito falam de minhas experiências religiosas, que na época de minha meninice era de uma rigidez insuperável.

Abro com prazer uma honrosa exceção, para publicar algo que não veio de mim, mas tem muito de mim. Trata-se de uma entrevista emblemática da evangélica Marília de Camargo César à Kátia de Melo da Revista Época, que tocou fundo no meu coração. Resolvi publicá-la, simplesmente, pelo fato dela ter evocado muito de minha história, nos tempos em que obedecia com tremor e temor às ordens paternas, sem reclamações, muito embora as dúvidas e questionamentos me corroessem por dentro.

Senti-me como um personagem participante do clima dessa lúcida entrevista, que creio, cada cristão irá ler e refletir com profundidade. Vi nas palavras de Marília, um libelo, e um alerta para esses tempos difíceis em que vivemos no meio de um cristianismo doentio, que grassa como uma epidemia, contaminando e matando muitos indefesos espirituais.

Tomei a ousadia de colocar o título da reportagem no topo da postagem.

Caro leitor, procure um momento de silêncio em meio ao corre-corre da vida, para conferir a nossa realidade nua e crua, através da antológica entrevista que aí segue:

....."Abusos em Nome de Deus"



(Jornalista relata os danos do assédio espiritual cometido por líderes evangélicos)

A igreja evangélica está doente e precisa de uma reforma. Os pastores se tornaram intermediários entre Deus e os homens e cometem abusos emocionais apoiados em textos bíblicos. Essas são algumas das afirmações polêmicas da jornalista Marília de Camargo César em seu livro de estreia, Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão), que será lançado no dia 30. Marília é evangélica e resolveu escrever depois de testemunhar algumas experiências religiosas com amigos de sua antiga congregação.


ENTREVISTA - MARÍLIA DE CAMARGO CÉSAR À REVISTA ÉPOCA (DE 29/06/2009)




ÉPOCA – Por que você resolveu abordar esse tema?


Marília de Camargo César –
Eu parti de uma experiência pessoal, de uma igreja que frequentei durante dez anos. Eu não fui ferida por nenhum pastor, e esse livro não é nenhuma tentativa de um ato heroico, de denúncia. É um alerta, porque eu vi o estado em que ficaram meus amigos que conviviam com certa liderança. Isso me incomodou muito e eu queria entender o que tinha dado errado. Não quero que haja generalizações, porque há bons pastores e boas igrejas. Mas as pessoas que se envolvem em experiências de abusos religiosos ficam marcadas profundamente.

ÉPOCA – O que você considera abuso religioso?


Marília –
Meu livro é sobre abusos emocionais que acontecem na esteira do crescimento acelerado da população de evangélicos no Brasil. É a intromissão radical do pastor na vida das pessoas. Um exemplo: uma missionária que apanha do marido sistematicamente e vai parar no hospital. Quando ela procura um pastor para se aconselhar, ele diz: “Minha filha, você deve estar fazendo alguma coisa errada, é por isso que o teu marido está se sentindo diminuído e por isso ele está te batendo. Você tem de se submeter a ele, porque biblicamente a mulher tem de se submeter ao cabeça da casa”. Então, essa mulher pede um conselho e o pastor acaba pisando mais nela ainda. E usa a Bíblia para isso. Esse é um tipo de abuso que não está apenas na igreja pentecostal ou neopentecostal, como dizem. É um caso da Igreja Batista, que tem melhor reputação.

ÉPOCA – Seu livro questiona a autoridade pastoral. Por quê?


Marília –
As igrejas que estão surgindo, as neopentecostais (não as históricas, como a presbiteriana, a batista, a metodista), que pregam a teologia da prosperidade, estão retomando a figura do “ungido de Deus”. É a figura do profeta, do sacerdote, que existia no Antigo Testamento. No Novo Testamento, Jesus Cristo é o único mediador. Mas o pastor dessas igrejas mais novas está se tornando o mediador. Para todos os detalhes de sua vida, você precisa dele. Se você recebe uma oferta de emprego, o pastor pode dizer se deve ou não aceitá-la. Se estiver paquerando alguém, vai dizer se deve ou não namorar com aquela pessoa. O pastor, em vez de ensinar a desenvolver a espiritualidade, determina se aquele homem ou aquela mulher é a pessoa de sua vida. E ele está gostando de mandar na vida dos outros, uma atitude que abre um terreno amplo para o abuso.

ÉPOCA – Você afirma que não é só culpa do pastor.


Marília –
Assim como existe a onipotência pastoral, existe a infantilidade emocional do rebanho. A grande crítica de Freud em relação à religião era essa. Ele dizia que a religião infantiliza as pessoas, porque você está sempre transferindo suas decisões de adulto, que são difíceis, para a figura do pai ou da mãe, substituí­dos pelo pastor e pela pastora. O pastor virou um oráculo. Assim é mais fácil ter alguém, um bode expiatório, para culpar pelas decisões erradas.

ÉPOCA Quais são os grandes males espirituais que você testemunhou?
Marília –

Eu vi casamentos se desfazer, porque se mantinham em bases ilusórias. Vi também pessoas dizendo que fazer terapia é coisa do diabo. Há pastores que afirmam que a terapia fortalece a alma e a alma tem de ser fraca; o espírito é que tem de ser forte. E dizem isso apoiados em textos bíblicos. Afirmam que as emoções têm de ser abafadas e apenas o espírito ser fortalecido. E o que acontece com uma teologia dessas? Psicoses potenciais na vida das pessoas que ficam abafando as emoções. As pessoas que aprenderam essa teologia e não tiveram senso crítico para combatê-la ficaram muito mal. Conheci um rapaz com muitos problemas de depressão e de autoestima que encontrou na igreja um ambiente acolhedor. Ele dizia ter ressuscitado emocionalmente. Só que, com o passar dos anos, o pastor se apoderou dele.

ÉPOCA – Qual foi a história que mais a impressionou?


Marília –
Uma das histórias que mais me tocaram foi a de uma jovem que tem uma doença degenerativa grave. Em uma igreja, ela ouviu que estava curada e que, caso se sentisse doente, era porque não tinha fé suficiente em Deus. Essa moça largou os remédios que eram importantíssimos no tratamento para retardar os efeitos da miastenia grave (doença autoimune que acarreta fraqueza muscular). O médico dela ficou muito bravo, mas ela peitou o médico e chegou a perder os movimentos das pernas. Ela só melhorou depois de fazer terapia. Entendeu que não precisava se livrar da doença para ser uma boa pessoa.

“O pastor está gostando de mandar na vida dos outros
e receber presentes. Isso abre espaço para os abusos”

ÉPOCA – Por que demora tanto tempo para a pessoa perceber que está sendo vítima?


Marília –
Os abusos não acontecem da noite para o dia. No primeiro momento, o fiel idealiza a figura do líder como alguém maduro, bem preparado. É aquilo que fazemos quando estamos apaixonados: não vemos os defeitos. O pastor vai ganhando a confiança dele num crescendo. Esse líder, que acredita que Deus o usa para mandar recados para sua congregação, passa a ser uma referência na vida da pessoa. O fiel, por sua vez, sente uma grande gratidão por aquele que o ajudou a mudar sua vida para melhor. Ele quer abençoar o líder porque largou as drogas, ou parou de beber, ou parou de bater na mulher ou porque arrumou um emprego. E começa a dar presentes de acordo com suas posses. Se for um grande empresário, ele dá um carro importado para o pastor. Isso eu vi acontecer várias vezes. O pastor gosta de receber esses presentes. É quando a relação se contamina, se torna promíscua. E o pastor usa a Bíblia para legitimar essas práticas.

ÉPOCA – Você afirma que muitos dos pastores não agem por má-fé, mas por uma visão messiânica...


Marília –
É uma visão messiânica para com seu rebanho. Lutero (teólogo alemão responsável pela reforma protestante no século XVI) deve estar dando voltas na tumba. O pastor evangélico virou um papa, a figura mais criticada pelos protestantes, porque não erra. Não existe essa figura, porque somos todos errantes, seres faltantes, como já dizia Freud. Pastor é gente. Mas é esse pastor messiânico que está crescendo no evangelismo. A reforma de Lutero veio para acabar com a figura intermediária e a partir dela veio a doutrina do sacerdócio universal. Todos têm acesso a Deus. Uma das fontes do livro disse que precisamos de uma nova reforma, e eu concordo com ela.

ÉPOCA – Se a igreja for questionada em seus dogmas, ela não deixará de ser igreja?


Marília –
Eu não acho. A igreja tem mesmo de ser questionada, inclusive há pensadores cristãos contemporâneos que questionam o modelo de igreja que estamos vivendo e as teologias distorcidas, como a teologia da prosperidade, que são predominantemente neopentecostais e ensinam essa grande barganha. Se você não der o dízimo, Deus vai mandar o gafanhoto. Simbolicamente falando, Ele vai te amaldiçoar. Hoje o fiel se relaciona com o Divino para as coisas darem certo. Ele não se relaciona pelo amor. Essa é uma das grandes distorções.

ÉPOCA – No livro você dá alguns alertas para não cair no abuso religioso.


Marília –
Desconfie de quem leva a glória para si. Uma boa dica é prestar atenção nas visões megalomaníacas. Uma das características de quem abusa é querer que a igreja se encaixe em suas visões, como querer ganhar o Brasil para Cristo e colocar metas para isso. E aquele que não se encaixar é um rebelde, um feiticeiro. Tome cuidado com esse homem. Outra estratégia é perguntar a si mesmo se tem medo do pastor ou se pode discordar dele. A pessoa que tem potencial para abusar não aceita que se discorde dela, porque é autoritária. Outra situação é observar se o pastor gosta de dinheiro e ver os sinais de enriquecimento ilícito. São esses geralmente os que adoram ser abençoados e ganhar presentes. Cuidado.


Guarabira, 20 de julho de 2009


17 julho 2009

CAPACETES PODEM TRANSMITIR PENSAMENTOS

BCI - O microblog Twitter ganhou um capacete que transforma impulso cerebral em letras para postagens




A Ciência tem demonstrado nos últimos anos que a capacidade dada por Deus ao homem, para desvendar mistérios, vem ultrapassando limites nunca antes imaginados.

Hoje em dia, qualquer criança aprende na escola que o desenvolvimento e o funcionamento de organismo estão cuidadosamente codificados dentro de uma minúscula célula. Já não é mais novidade que os gens determinam nosso metabolismo, nossa aparência, nosso modo de ser, e nossos conjuntos de comportamentos.

Recentemente foi descoberto que os gens podem ser modificados pela experiência do dia a dia, fato esse aparentemente absurdo de ser pensado, alguns anos atrás.

A Ciência se alimenta daquilo que antes era considerado mistério. O desvendar daquilo que não conhecíamos, põe fim ao enigmático. A mulher engravidar sem o contato sexual masculino era algo impensável nos primórdios de nossa Era. No entanto, hoje se sabe que além da inseminação artificial, existe a fertilização do embrião em vitro, e, através de uma das células–tronco embrionárias já se conseguiu desenvolver o espermatozóide.

Cerca de 50% do que somos, é determinado pela nossa herança genética. Já foram descobertas áreas do cérebro responsáveis pela sensação de medo, e do prazer. Já se sabe, em detalhes, como funcionam os transmissores químicos que percorrem os neurônios e suas sinapses e interligações. A manipulação genética do embrião é uma realidade, de modo que doenças hereditárias são hoje perfeitamente evitadas. Alguns tipos de depressão conseqüente a distúrbios da produção de serotonina, são combatidos quimicamente.

Já foram detectadas bactérias inteligentes que se escondem nas próprias células humanas para escapar de serem destruídas por medicamentos bactericidas.

No momento, a medicina parece estar perdendo a guerra para os vírus, os quais se modificam, constantemente, para escapar das drogas potentes e vacinas que os combatem.

Para se ter idéia de até aonde chegou o desenvolvimento científico, pesquisadores (de engenharia biomédica) acabam de fabricar, recentemente, o que eles consideram um “Capacete de Pensar”. Três empresas estão produzindo essa parafernália tecnológica que registram os circuitos do cérebro. São o BCI, o EPOC e o NeuroSkY, que deixam as mãos dos internautas livres. O usuário se concentra em letras que são captadas por eletrodos, enviando dados por meio de conexão sem fio para um computador. Já se pode formar até frases inteiras por essa via de transmissão. Por enquanto esse aparelho está disponível para jogos de videogames (vide foto no topo da postagem).

Já pensou, o internauta sem o uso das mãos, escrevendo no seu blog por impulsos vindo diretamente do seu cérebro, para a tela do computador?

É, mais ninguém imaginaria, 40 anos atrás, a interação instantânea e simultânea que estamos desfrutando hoje, através da internet. Absorvemos tão rápido os avanços da ciência, que mais tarde, o que estamos ventilando aqui como algo extraordinário, não terá nenhuma graça.

Meio temeroso, faço aqui uma pergunta: Será que um dia essa parafernália eletrônica terá a capacidade de ler os nossos pensamentos?

Para que os nossos corações não fiquem conturbados, a Bíblia nos deixou um grande alento, como consolação: “Pois os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos ─ diz O Senhor" (Isaias 55:8)



Por Levi B. Santos
Guarabira 17 de julho de 2009


13 julho 2009

PAPA APROXIMA-SE DAS SEITAS DA PROSPERIDADE


ATESTADO PROGRESSISTA (Título da matéria de VEJA)

Em sua nova encíclica, o papa Bento XVI surpreende ao reconhecer o papel do lucro na produção da riqueza e os méritos do capitalismo globalizado (Sub-título da reportagem de Leandro Beguoci à revista VEJA)




A maioria do mundo cristão sabe muito bem que as seitas da Teologia da Prosperidade consideram a pobreza e a dificuldade financeira como pecados ou demônios que precisam ser exorcizados, para que se tenha sucesso na vida. Preconizam a doutrina de que a riqueza material é um sinal evidente da bênção de Deus. O padrão dessa nefasta doutrina se mede pelo TER. Dessa forma, quanto mais abençoado for o indivíduo, mais prosperidade econômica terá.


Os arautos da teologia da prosperidade encontraram, agora, um grande companheiro de jornada. O Papa, através de sua última encíclica, “Caritas in Veritate”, surpreendentemente, atesta o lucro e a riqueza como méritos indiscutíveis que todo o cristão deve desfrutar.


Uma recente reportagem sobre esse assunto encontra-se na revista “Veja” que saiu nas Bancas de Jornais no último domingo (12 de julho), com o título: “Atestado Progressista”. Esse fato constitui-se numa grande surpresa, pois, os Papas anteriores a Bento XVI, sempre demonizaram o sistema capitalista.


Na encíclica, Bento XVI, além de discorrer sobre amor carnal e amor espiritual, afirma que “a religião precisa sempre ser purificada pela razão”. Diz ainda que “as conseqüências da falta de Deus no dia a dia são as condições precárias de trabalho de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo” ─, desconhecendo que o próprio Cristo não teve onde repousar a cabeça. O Papa dá a entender que as suas propostas, se aceitas, irão trazer influências positivas para o enriquecimento das nações.


É de se supor que, a mola propulsionadora desse discurso papal tenha sido a crise econômica mundial que começou lá nos EUA, e atingiu toda a Europa. Quem sabe, se essa crise não foi o motivo maior para que o papa desse essa guinada fenomenal. Com certeza os custos crescentes e os lucros descendentes dos investimentos imobiliários evaporaram os dólares do Banco do Vaticano. Como os cardeais financistas da Casa de São Pedro não podem imprimir moedas, a única solução que encontraram, momentaneamente, foi a de pedir socorro ao deus da prosperidade financeira.


Diante de tudo isso não vejo outra alternativa para recuperação das finanças do Vaticano, que não seja a de contratar PhDs telepastores da prosperidade que infestam o nosso país, para dar aulas ao Sumo-Pontífice e seus cardeais, sobre como arrecadar rios de dinheiro em nome de “Deus”. O Brasil nesse ponto tem sido pródigo.




Guarabira, 13 de julho de 2009

Por Levi B. Santos



08 julho 2009

SOB LIBERDADE VIGIADA


Panóptico: um presídio moderno



Tinha saído da prisão há três meses, e graças ao seu comportamento exemplar conseguira o presente da liberdade vigiada.

Agora, se via no dever de andar como um homem de bem ─ atribuição esta muito arriscada ─, pois em caso de algum deslize, voltaria para a cadeia, desta feita, recebendo uma pena mais rígida, como alertara enfaticamente o diretor do presídio.

Iria agora experimentar o que era viver em um regime semi aberto. Mas o que seria viver em tal regime? ─ perguntava para si mesmo, com um leve pressentimento de que essa sua nova situação tivesse algo em comum com o “Panóptico de Jeremy Bentham” ─,  ensaio esse lido com curiosidade rara nos seus primeiros meses de prisão. O Panóptico tratava-se de um edifício em forma de anel, em cuja circunferência externa se encontravam as celas dos presos, todas com janelas dirigidas para uma torre que ficava no centro do círculo. Era nessa torre, com vistas para todas as celas, que um vigilante, em oculto, observava diuturnamente o comportamento dos detentos. Dentro dessa estrutura carcerária, nenhum detento escapava de ser vigiado em seus mínimos detalhes.

Nos primeiros
dias da semi-liberdade procurou redescobrir os encantos da cidade, refazendo amizades com os entes que tinha deixado para trás. No entanto, não conseguia viver sem estar sobressaltado e temeroso. Às vezes, em sua imaginação, sentia como se estivesse sendo observado ou perseguido por olhos estranhos. As pessoas que o olhavam pareciam lhe dizer: "Cuidado! Qualquer falta ou desvio de conduta, você será denunciado e preso novamente!”. A obsessão de estar sendo vigiado era tão intensa que com pouco tempo tinha resolvido não sair mais para caminhar, transformando sua casa numa prisão ou espécie de fortaleza psicológica.

Certa noite,
renovado de coragem, saiu perambulando pelas ruas de seu bairro, indo parar em frente a uma igreja, onde estava sendo realizado um culto. Ali, escorado em uma janela, ficou ouvindo o emocionado pregador que discorria sobre a graça libertadora de Deus destinada ao homem, através da pessoa do seu Filho Jesus, o qual foi morto, crucificado e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos [...]. Ele tinha gravado bem o tema da pregação: “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8: 36). Pensou, pensou, e resolveu atender o convite para se congregar ali, e viver uma nova vida, sem medo de errar, pois segundo o que o Pastor dissera, em Cristo, o crente tem um advogado que nunca perde uma causa, e sempre consegue o perdão de Deus, em qualquer situação. Alegrou-se, quando o pastor dissera que a misericórdia de Deus para perdoar, era infinita.

Seis meses se
passaram, e foi o bastante para ele se ver tomado de novo pelo desânimo. Sentia o ciclo conclusivo da morte lhe apertando o peito. A esperança que tinha nascido dentro de si, fôra como que enxotada para bem longe. Sentia-se como um guerreiro que perdeu a última batalha. As obrigações, os sacrifícios vazios, a liturgia do culto tinham tomado o lugar da graça tão insistentemente anunciada. Via que os mensageiros de Deus ensinavam muita teoria, tudo aparentemente bonito de se ver, mas que pena: fora do templo exibiam uma vida vaga, difusa e angustiante, como se estivessem sendo corroídos por dentro. Os acasos da vida, as doenças nervosas e físicas ─ eles atribuíam ao demônio ─, e viviam indefinidamente numa eterna punição. Todas as agruras da vida eram atribuídas a pecados que os afastavam cada vez mais de Deus. Não estava mais suportando ver os ministros cristãos converterem-se em administradores ou burocratas de uma máquina insensível, sob o nome de Deus. Pode constatar, também, que a preocupação com as almas caídas não passava de uma abjeta manipulação. Aos poucos, foi entendendo que a santidade ali apregoada era determinada por padrões publicitários de consumo, agradáveis ao paladar, olhos e ouvidos, mas venenosos para o coração. As pessoas de boa fé que alí procuravam refúgio para se verem livres da escravidão do pecado, em pouco tempo, se encontravam em liberdade vigiada, assumindo paulatinamente fardos cada vez mais pesados, como pagamento pelos erros comentidos involuntariamente.

Ele já não aguentava mais aquela situação, pois, quando frequentava os cultos de exortação, se sentia como se estivesse preso num assustador "templo-presídio", idêntico ao Panóptico que conhecera um dia, através de um livro lido na prisão.

Certo dia,
envolto pelas trevas da noite ─ enquanto pela sua mente passavam doces hinos que aprendera a cantar ─, tímido e fraco, dormiu. Sonhou com um templo parecido em tudo com o Panóptico de suas leituras.

No sonho,
ele e os demais crentes estavam presos em celas no grande anel externo do círculo. Na torre central estava o dirigente da congregação de arma em punho apontando para cada um dos presos. Acima do pregador pairava um grande olho estagnado. O olhar não era de aprovação e sim de censura e desdém.

Pela janela
do seu quarto, ele deu uma breve olhada para última porção de estrelas que desaparecia no céu, com o clarear do dia e, em seguida, foi analisar as duas opções que assomaram a sua mente, após o emblemático sonho.

Viveria como
um zangão solitário, a vagar como um estrangeiro sem pátria, pela aridez espiritual dos desertos?

Ou se massificaria
para poder ─ mesmo representando um papel ─ conviver na igreja-presídio que o sonho queria mostrar?

No fundo, ele sabia
muito bem que, ao se decidir pela segunda opção, iria vegetar pelo resto de sua vida. E se era para viver em semi-escravidão (liberdade vigiada), não fazia diferença nenhuma se estivesse no presídio, na cidade, em casa ou na igreja.



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 08 de julho de 2009

03 julho 2009

EXPLORAÇÃO DA FÉ ─ ATÉ QUE PONTO?



No tempo de minha meninice, era um leitor cativo do “Mensageiro da Paz” – jornal editado pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Dentre os tópicos deste periódico, um me chamava mais atenção: era o da página de testemunhos de curas e milagres, que ainda hoje é ventilada, nesse mesmo jornal, de uma forma não extravagante.


Talvez aquele antigo desejo de ver maravilhas ainda esteja latente em meu inconsciente, pois hoje, ao assistir o Jornal Nacional ─ edição das 20 horas, sempre que posso, dou minhas passadas pelo canal da Band, que no seu horário nobre exibe o programa “show da fé”. A parte do programa que divulga curas e milagres por este canal de TV tem causado constrangimentos em toda blogosfera, e nem de longe se parece com os testemunhos simples e eletrizantes, que eu lia no jornal evangélico que circulava e ainda circula por todos os recantos do país, a cada quinzena.


Há pouco mais de três semanas, uma chamada desse programa na Band, me fez ficar de cabelo em pé. Poderia ter gravado o inusitado caso, mas na hora, a estupefação fez com que eu esquecesse esse importante detalhe.


Em suma, foi mais ou menos assim o grotesco acontecimento:


─ Meus amigos telespectadores! Daqui a pouco vocês vão ouvir um relato de um grandioso milagre. Deus recuperou instantaneamente a virgindade de uma nossa irmã. Ela está aqui presente, e vai contar tudo ─ diz o eufórico Pastor, esfregando uma mão na outra.


Pulei da “cadeira do papai” em que estava bem acomodado, e fiquei com os olhos arregalados, sem querer acreditar no que estava ouvindo.


O show da fé, nessa noite, foi muito longe no seu somatório de aberrações. Como médico, sei perfeitamente que a virgindade não é só representada pela higidez dessa frágil membrana do órgão sexual feminino. A perda da virgindade é muito mais do que a ruptura dessa simples estrutura anatômica. Se houve o ato sexual, ele se passou numa esfera psico-afetiva mais profunda, envolvendo, é claro, a consciência e a química cerebral do casal. É impossível negar, desfazer ou esquecer aquilo que foi realmente sentido ou vivenciado sexualmente. Recuperar a estrutura himenal não significa, de modo algum, dizer que a virgindade foi restabelecida.
Uma analogia, para melhor entender o que me parece óbvio : o fato de se zerar o indicador da quilometragem do carro usado, não significa que o mesmo se tornou zero km.


Esperei curioso o emblemático caso da recuperação da virgindade, tão bisonhamente alardeado. Tive asco quando ouvi o maior personagem do show falar:


─ Irmã, conte-me como foi essa tremenda cura, que lhe fez ficar virgem de novo! ─ disse ele dando os seus pulinhos e risadinhas características.


Quando vi a mulher, aparentando seus trinta anos, mais encabulada que alegre, com um jeito de quem estava ali sendo explorada de forma hedionda, a adrenalina me subiu, e fiquei altamente indignado.


A pobre irmã tinha se envolvido sexualmente antes de ser crente, mas agora estava a li a apregoar, diante de aplausos, que agora Deus tinha restabelecido a sua virgindade.


A que ponto a exploração da fé chegou. No tempo das minhas leituras dos milagres e curas do jornal Mensageiro da Paz, pelo menos, os grandes feitos da fé eram comprovados com fotos de atestados e radiografias fornecidos por entidades médicas. Tudo bem documentado.


Agora não, tudo se tornou tão banal, que de uma cura ou milagre não se exige mais comprovação científica. Os “predadores” do evangelho não se importam com isso, desde que as falsas curas encham os seus baús com o tesouro que a traça e a ferrugem comem. O Deus deles se mede pelo número de concentrações realizadas. Dizem: “hoje tem espetáculo às 9.00, 11.00, 15.00 e 20 horas”. Com promessas falsas e jargões de caráter apelativo, ludibriam muitas pessoas, as quais são levadas aos locais dos eventos (praças e avenidas), como bois que são conduzidos ao matadouro. Multidões, cada vez maiores, à procura de consolo, se deixam levar pelo ABSURDO das mensagens estapafúrdias e curas de mentira, sempre acompanhadas das costumeiras salvas de palmas para Jesus (digo, Zé Jus)


Acredito que esses vendedores de supostos milagres, caso não se arrependam, um dia, ouvirão Cristo dizer categoricamente:


“[...] Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim vós que praticais a iniqüidade”. (Mateus 7 : 23)




Por: Levi B. Santos

Guarabira, 03 de julho de 2009