Eles ficaram ressabiados com o caso de uma prostituta, considerada por eles, uma das mais imundas daquelas redondezas. Foi depois do julgamento em que Cristo fez a defesa dessa adúltera, que eles passaram, secretamente, a discordar do Mestre, pois, esperavam que o mesmo, nesse caso, ficasse do lado dos Homens da Lei na aplicação da pena justa para um pecado gravíssimo como esse, confessado pela própria vítima. Esse fato, somado àquele em que outra vil prostituta quebrara um valioso vidro de perfume para derramá-lo em Seus pés, concorreu para que eles confabulassem entre si, sobre o perigo e o precedente que Jesus estava abrindo naquele momento. Simão Pedro, o homem do “pavio curto” resolvera externar a sua indignação frente aos demais, com uma emblemática pergunta:
─ Vocês não estão notando que isso aqui está ficando uma casa da mãe Joana?
─ Como? Se explique melhor homem de Deus ─ falou João coçando a careca.
─ Ora, você está cego para as evidências! ─ respondeu Pedro elevando a voz.
─ Você não está vendo uma multidão cada vez maior de prostitutas, ladrões, bêbados, publicanos corruptos nos seguindo, por tudo quanto é lado, e ainda por cima, comendo e bebendo junto conosco? Onde isso vai parar, me diga João?
─ Tenha mais calma Pedro ─ falou Tiago. ─ Como é que você pensa que vai ser a sua igreja, se Cristo partir antes de nós?
─ Ah meu filho, para começar, só vai participar de minha igreja quem cortar o “pinto”(circuncisão). Este é o primeiro requisito para que o homem possa servir a Deus em minha instituição.
Bartolomeu espremido num canto da sala deu uma sonora gargalhada, e perguntou de bate pronto:
E qual seria o primeiro requisito para que a mulher possa participar de sua igreja, meu caro Pedro?
─ Prostituta ou adúltera não pisará os pés na minha igreja. Quanto às mulheres convertidas, àquelas que estiverem menstruadas, ficarão por esse período de tempo sem frequentar o templo, pois, na Lei de Moisés está escrito que a mulher fica imunda quando se encontra nesse estado ─ respondeu o apóstolo dos paradoxos.
João, o apóstolo que desfrutava de maior intimidade com Cristo, quis falar com Pedro secretamente, mas os outros discípulos não permitiram, dizendo em uníssono: “Se você quer falar alguma coisa importante, Cristo não está aqui entre nós, então, é melhor você desembuchar tudo que está escondido aí no coração?”.
Havia, de certo modo, uma ponta de ciúme entre eles e o discípulo do amor.
Com olhar meio desconfiado, João decidiu revelar o que ocorrera na noite em que ele fora chamado à residência do Mestre para tirar um espinho que estava profundamente encravado no seu pé, o qual estava causando-lhe um grande incômodo.
- Bem, Cristo não pediu reserva quanto a esse assunto, então eu vou contar tudo ─ falou João com aquela sua voz meiga e miudinha:
─ Deu um trabalho danado, retirar o espinho do pé de Jesus Cristo. Então depois de ter aliviado as dores do meu Mestre, ficamos ali até quase de madrugada a conversar, como dois irmãos ou amigos. Eu falava sobre a dureza da lei em alguns casos, como essa de não permitir a mulher entrar no templo menstruada, e que eu mesmo não entendia o “por quê” dessa proibição Foi nessa ocasião que Ele escorando-se em meu ombro disse:
─ João, meu discípulo amado, vou te dizer uma coisa ─ Eu vim para revelar tudo. Vim para desvendar o que há por trás de cada mistério. Eu vim santificar o que na Lei era considerado imundo. Quero que compreendas meu amado João, que mudando nossas próprias atitudes e transformando as situações pessoais nós também transformamos o mundo. Se tu já te viste tratando a menstruação como algo impuro, pare, pense e reconsidere que eu vim também resgatar a dignidade da mulher. Por isso, as adúlteras e prostitutas me seguem, e as trato como se fosse o seu próprio pai. Eu as amo como o meu pai me ama. Eu vim para que os corpos das mulheres fossem consagrados com todos os fluxos e humores neles contidos.
Todos os discípulos, agora numa balbúrdia danada, queriam falar de uma só vez. Mas Pedro, o discípulo mais afoito saiu-se a frente com essa pergunta:
─ Já que estavas falando com o nosso Mestre sobre a dignidade da mulher, não vais tu me dizer que devemos perdoar a adúltera mais que uma vez! Se explique sem demora, meu caro João?
─ Fiz exatamente essa pergunta a Cristo e veja bem o que ele me respondeu: "pecar é cair num abismo meu amado discípulo, e ninguém faz isso por querer, a não ser que esteja louco. E Eu acho que até nesse ponto o louco não erraria. O que disse está dito: 'Setenta vezes sete!' "
Exclamações indignadas partiram de todos os lados. Diziam: "Se o mestre continuar pregando dessa maneira, estaremos correndo um enorme risco ao acompanhá-Lo!. Do jeito que ele está tratando a mulher, logo logo ela vai querer tomar todas as nossa forças! Se cedermos, a audácia delas não terá limites!"
Um dos discípulos elevou a sua voz, dizendo: "De minha parte eu farei greve! Tudo que a natureza me destinou em idade e força eu renunciarei, para não gozar os prazeres do amor junto a uma mulher!"
Naquela noite não conseguiram dormir. Com exceção de João e Judas, todos pensaram em abandonar Cristo, pois, consideravam que Ele estava passando dos limites, em sua série de escândalos.
Passado muitos dias, os discípulos encontravam-se reunidos no mesmo local, falando alegremente sobre um mistério que Cristo conseguira desvendar para eles. O mistério que tanto alvoroço causara tempos atrás, a ponto de fazê-los desistir da caminhada com o seu Mestre, agora, tinha um nome: “Escândalo da Graça” - que é loucura para quem nunca o experimentou.
Ensaio parabólico por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de setembro de 2009