26 setembro 2009

ELES QUASE ABANDONARAM CRISTO




O acontecimento daquela manhã deixara os discípulos indignados, atemorizados e extremamente alvoroçados. Eles aproveitaram a ausência do Mestre que resolvera dormir aquela noite em casa do seu pai, o carpinteiro José, para em comum acordo se reunirem naquele local a fim de conversar sobre algumas atitudes de Cristo ─ justamente, àquelas que eles achavam não apropriadas para uma pessoa que se dizia ser Filho de Deus. O fato daquela manhã se constituíra na gota d’água que fizera extravasar neles o veneno da raiva.

Eles ficaram ressabiados com o caso de uma prostituta, considerada por eles, uma das mais imundas daquelas redondezas. Foi depois do julgamento em que Cristo fez a defesa dessa adúltera, que eles passaram, secretamente, a discordar do Mestre, pois, esperavam que o mesmo, nesse caso, ficasse do lado dos Homens da Lei na aplicação da pena justa para um pecado gravíssimo como esse, confessado pela própria vítima. Esse fato, somado àquele em que outra vil prostituta quebrara um valioso vidro de perfume para derramá-lo em Seus pés, concorreu para que eles confabulassem entre si, sobre o perigo e o precedente que Jesus estava abrindo naquele momento. Simão Pedro, o homem do “pavio curto” resolvera externar a sua indignação frente aos demais, com uma emblemática pergunta:

─ Vocês não estão notando que isso aqui está ficando uma casa da mãe Joana?

─ Como? Se explique melhor homem de Deus ─ falou João coçando a careca.

─ Ora, você está cego para as evidências! ─ respondeu Pedro elevando a voz.


─ Você não está vendo uma multidão cada vez maior de prostitutas, ladrões, bêbados, publicanos corruptos nos seguindo, por tudo quanto é lado, e ainda por cima, comendo e bebendo junto conosco? Onde isso vai parar, me diga João?

─ Tenha mais calma Pedro ─ falou Tiago. ─ Como é que você pensa que vai ser a sua igreja, se Cristo partir antes de nós?

─ Ah meu filho, para começar, só vai participar de minha igreja quem cortar o “pinto”(circuncisão). Este é o primeiro requisito para que o homem possa servir a Deus em minha instituição.

Bartolomeu espremido num canto da sala deu uma sonora gargalhada, e perguntou de bate pronto:

E qual seria o primeiro requisito para que a mulher possa participar de sua igreja, meu caro Pedro?

─ Prostituta ou adúltera não pisará os pés na minha igreja. Quanto às mulheres convertidas, àquelas que estiverem menstruadas, ficarão por esse período de tempo sem frequentar o templo, pois, na Lei de Moisés está escrito que a mulher fica imunda quando se encontra nesse estado ─ respondeu o apóstolo dos paradoxos.

João, o apóstolo que desfrutava de maior intimidade com Cristo, quis falar com Pedro secretamente, mas os outros discípulos não permitiram, dizendo em uníssono: “Se você quer falar alguma coisa importante, Cristo não está aqui entre nós, então, é melhor você desembuchar tudo que está escondido aí no coração?”.

Havia, de certo modo, uma ponta de ciúme entre eles e o discípulo do amor.

Com olhar meio desconfiado, João decidiu revelar o que ocorrera na noite em que ele fora chamado à residência do Mestre para tirar um espinho que estava profundamente encravado no seu pé, o qual estava causando-lhe um grande incômodo.

- Bem, Cristo não pediu reserva quanto a esse assunto, então eu vou contar tudo ─ falou João com aquela sua voz meiga e miudinha:

─ Deu um trabalho danado, retirar o espinho do pé de Jesus Cristo. Então depois de ter aliviado as dores do meu Mestre, ficamos ali até quase de madrugada a conversar, como dois irmãos ou amigos. Eu falava sobre a dureza da lei em alguns casos, como essa de não permitir a mulher entrar no templo menstruada, e que eu mesmo não entendia o “por quê” dessa proibição Foi nessa ocasião que Ele escorando-se em meu ombro disse:

─ João, meu discípulo amado, vou te dizer uma coisa ─ Eu vim para revelar tudo. Vim para desvendar o que há por trás de cada mistério. Eu vim santificar o que na Lei era considerado imundo. Quero que compreendas meu amado João, que mudando nossas próprias atitudes e transformando as situações pessoais nós também transformamos o mundo. Se tu já te viste tratando a menstruação como algo impuro, pare, pense e reconsidere que eu vim também resgatar a dignidade da mulher. Por isso, as adúlteras e prostitutas me seguem, e as trato como se fosse o seu próprio pai. Eu as amo como o meu pai me ama. Eu vim para que os corpos das mulheres fossem consagrados com todos os fluxos e humores neles contidos.

Todos os discípulos, agora numa balbúrdia danada, queriam falar de uma só vez. Mas Pedro, o discípulo mais afoito saiu-se a frente com essa pergunta:

─ Já que estavas falando com o nosso Mestre sobre a dignidade da mulher, não vais tu me dizer que devemos perdoar a adúltera mais que uma vez! Se explique sem demora, meu caro João?

─ Fiz exatamente essa pergunta a Cristo e veja bem o que ele me respondeu: "pecar é cair num abismo meu amado discípulo, e ninguém faz isso por querer, a não ser que esteja louco. E Eu acho que até nesse ponto o louco não erraria. O que disse está dito: 'Setenta vezes sete!' "

Exclamações indignadas partiram de todos os lados. Diziam: "Se o mestre continuar pregando dessa maneira, estaremos correndo um enorme risco ao acompanhá-Lo!. Do jeito que ele está tratando a mulher, logo logo ela vai querer tomar todas as nossa forças! Se cedermos, a audácia delas não terá limites!"

Um dos discípulos elevou a sua voz, dizendo: "De minha parte eu farei greve! Tudo que a natureza me destinou em idade e força eu renunciarei, para não gozar os prazeres do amor junto a uma mulher!"

Naquela noite não conseguiram dormir. Com exceção de João e Judas, todos pensaram em abandonar Cristo, pois, consideravam que Ele estava passando dos limites, em sua série de escândalos.

Passado muitos dias, os discípulos encontravam-se reunidos no mesmo local, falando alegremente sobre um mistério que Cristo conseguira desvendar para eles. O mistério que tanto alvoroço causara tempos atrás, a ponto de fazê-los desistir da caminhada com o seu Mestre, agora, tinha um nome: “Escândalo da Graça” - que é loucura para quem nunca o experimentou.



Ensaio parabólico por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de setembro de 2009

21 setembro 2009

LIVRAI - NOS DA “CAIOFOBIA”, SENHOR!!!


(Charge de um inquisidor eclesiástico)



Estava tão acostumado a ver o Caio Fábio com o seu jeitão de pregador revolucionário, vestido elegantemente de terno e gravata, com o ar altivo de quem irradia confiança e carisma, que a minha resistência psicológica ao que não é padrão, às vezes, não quer aceitar o seu novo jeito simples e humilde de pregar como quem está conversando na mesa de um botequim.


Tenho bem guardado na memória os gigantescos congressos, nos quais, ele sempre era o orador oficial escolhido por unanimidade. Lembro-me ainda do grande número de pastores que nos palanques e púlpitos disputavam um lugar ao seu lado, todos boquiabertos com a maneira enfática e convincente, que só ele possuía, ao manejar a Palavra. E eu maravilhado, o via como um comandante vitorioso em seu panteão de glória, com a espada brandindo no ar, repelindo as hostes inimigas com brados de guerra, que em minha imaginação se transformavam em dardos flamejantes espargidos no ar, ao som de aclamações que me envolviam num clima comovente e quase ficcional.


Agora, me comungo com um Caio simples e sem arroubos, desprovido de sua indumentária costumeira, trocada por uma roupa simples de homem do povo. Vejo-o mais perto de mim, como quem está conversando no terraço de minha casa, tendo nos pés apenas um par de chinelos. A grande plateia transformou-se de repente em uns poucos, mas sinceros e silenciosos jovens numa pequena sala. Sinto-me gratificado ao ouvir o Caio de hoje, mais contundente e mais incisivo nas suas críticas ao simulacro de cristianismo que por aí se prega, Vejo-me junto da “galera” ─ todos sentados em bancos duros, ouvindo ele exercitar os dons que Deus lhe concedeu.


Esqueci esse negócio de vestimenta especial dos que sentam em cadeiras altas, fofas e confortáveis dos “púlpitos cristãos”, fechei os olhos para a exterioridade e para essa casca bela e cara com que recobrimos o nosso corpo. Soltei as amarras da falsa e tradicional santidade empoeirada, e deixei-me surpreender pela fala do agora mais maduro Caio. Deixei-me flutuar ante os seus firmes, significantes e bem elaborados estudos bíblicos. As palavras que agora saem de sua boca, talvez, não tenham aquele calor que incendiava os ambientes e levava muitos ao êxtase. Hoje, eu sinto nelas, um sabor diferente, que só com o auxílio do silêncio poderão ser perfeitamente degustadas. Ouço as suas preleções como quem ouve um concerto de uma orquestra sinfônica, o qual, para ser sentido com a alma requer o máximo de silêncio.


O seu jeito mais humilde, os seus trajes idênticos aos do povão, a sua mensagem fluindo como a placidez das águas de um rio, foram fatores preponderantes para desvanecer a “Caiofobia” que me invadira há algum tempo. Então, eu pude despertar para entender que aquele mal-estar inicial que se apoderara de mim, era simplesmente o ranço do preconceito, por me ver privado agora da exterioridade do reverendo dos tempos de minha “Caiomania”. Tinha sido eu mesmo que criara um pedestal para que o antigo Caio se solidificasse em minha mente como uma imagem de escultura. Ao mudar a sua postura, o velho Caio levou consigo a imagem petrificada, que eu fizera dele ─, análogo a composição musical “A Rita”, de Chico Buarque, que aqui cito um trecho: “...ele me causou perdas e danos. Levou os meus planos, meus pobres enganos[...]”


Apesar de relegado ao ostracismo pelos fariseus de ocasião, virando “saco de pancada” dos que antes o aplaudiam, o Caio não se atemorizou nem se acovardou. Renovou suas forças, e teve a humildade e a coragem de continuar sua missão, agora mais solitário, sem os amigos de Jó por perto, sem as pompas e adulações que antes mais atrapalhava do que ajudava o seu caminhar.


No tempo de Moisés, os filhos de Israel destinavam um bode, para receber por transferência, todos os pecados por eles cometidos. Será que os “Caiofóbicos” empedernidos da atualidade não estão querendo que o Reverendo tome o lugar do “bode expiatório” de que relata a Bíblia, para então assim, se verem livres de suas próprias mazelas e sujeiras escondidas a sete chaves?




O texto acima, foi um comentário de Levi B. Santos, postado no blog "Pulpito Cristão" - sobre o texto de Leonardo Gonçalves "CAIO FÁBIO: Uma Ovelha em Pele de Lobo"

Guarabira 21 de setembro de 2009


11 setembro 2009

SERVIR A DEUS É ISSO?




SERVIR A DEUS é sacrificar o seu lazer semanal do domingo para durante uma ou duas horas discutir o sexo dos anjos e outros assuntos afins?

SERVIR A DEUS é imbuir-se de um inflamável espírito de triunfalismo que não admite derrotas e desilusões, como se o viver fosse a própria negação do sofrimento?

SERVIR A DEUS é não questionar nada que vá de encontro às “verdades espirituais” preconizadas pela sua instituição religiosa?

SERVIR A DEUS é estar diuturnamente preocupado em ganhar o mundo para Cristo, esquecendo os cuidados básicos com os seus, em seu próprio lar?

SERVIR A DEUS é construir templos suntuosos e colocar líderes impecavelmente vestidos em seus ornamentados púlpitos “cristãos”, para serem vistos como intocáveis e irrepreensíveis oráculos do reino dos céus?

SERVIR A DEUS é mostrar cada vez mais ostentação e riqueza à medida que a igreja cresce numericamente?

SERVIR A DEUS é ter muita cautela para não estabelecer com o seu Pastor uma relação espontânea de amizade e afeto, para que ele não o reprove nem o censure?

SERVIR A DEUS é se martirizar dia a dia, mascarando a sua própria individualidade, numa tentativa inócua de exteriormente, identificar-se com o seu líder?

SERVIR A DEUS é infundir medo nos corações das pessoas, para que elas se rendam e fiquem passivamente aprisionadas entre as quatro paredes “sagradas” do templo?

SERVIR A DEUS é vender planos pessoais de salvação em prestações suaves e módicas com juros supostamente menores que os de mercado?

SERVIR A DEUS é dizer para a criança que se ela não se comportar decentemente na igreja, Jesus fica triste e o Diabo alegre?

SERVIR A DEUS é trocar a estrutura familiar opressiva por um sistema religioso que desumaniza em vez de humanizar?

SERVIR A DEUS é torcer pela igreja como quem torce por um time de futebol, onde o que mais interessa é a vitória, mesmo com gol roubado pelo juiz da partida?

SERVIR A DEUS é abdicar da liberdade de discordar, a fim de manter uma relação de amizade aparente com o seu líder?

SERVIR A DEUS é nunca tentar fugir dos padrões convencionais do culto evangélico pasteurizado?

SERVIR A DEUS é ter todo o seu tempo dedicado ao cumprimento das obrigações eclesiásticas?

SERVIR A DEUS é se imiscuir no meio de multidões ruidosas em passeatas para Cristo, sem atentar que o que elas mais almejam é demonstrar o “poder político” de suas instituições eclesiásticas?

SERVIR A DEUS é buscar apaixonadamente a hegemonia de sua igreja, mesmo que para atingir este objetivo, tenha que falar mal das outras denominações?

SERVIR A DEUS é um investimento que fazemos com muito suor e sacrifício, no intuito de lá na frente, recebermos uma grandiosa recompensa?

SERVIR A DEUS é fazer amigos com as riquezas adquiridas de maneira suja, para depois de lavá-las, serem trazidas ao altar, com o rótulo falso de “dinheiro purificado?

SERVIR A DEUS é fazer parte de uma engrenagem que para manter a coesão do grupo se faz necessário adiar por tempo indeterminado o amadurecimento pessoal?

SERVIR A DEUS é deixar de desfrutar as delícias que Ele nos deixou aqui na terra, em troca de uma castradora e violenta religiosidade?

SERVIR A DEUS é combater compulsivamente os erros dos outros, e fechar os olhos para os demônios que habitam dentro de nós?

Ao responder com um SIM as perguntas acima, o leitor estará simplesmente concordando que, SERVIR A DEUS é prendê-Lo nos limites estreitos de uma instituição, instituição essa, que à maneira de um asilo, oferece guarida a nossa loucura de pensar que podemos definir o indefinível, de pensar que podemos reduzir ou conceituar o indecifrável, de pensar que podemos mensurar ou fixar conceitos e regras sobre um Deus que é indizível e que está em pleno e puro movimento.

E assim, como doentes mentais que perderam a maravilhosa capacidade de pensar, vamos perecendo pela vida afora. Vamos perecendo, ao permitir que outros pensem por nós, guiando-nos aleatoriamente nas densas trevas da ignorância.

Há um ditado popular que expressa uma cruel realidade, ao afirmar que a Bíblia do protestante cheira a “sovaco” por estar sempre debaixo da axila direita; ao passo que a do católico cheira a “mofo”, por estar sempre posta num oratório, eternamente aberta em um dos capítulos do livro de Salmos.

Uma interessante passagem do livro de Isaias (730 AC) reflete com todas as letras o estágio em que nos encontramos hoje, senão vejamos:

“...Dá-se o livro ao que não sabe ler dizendo: Por favor, lê isto; e ele dirá: Não sei ler.
Diz o Senhor: Este povo se aproxima de mim com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim. O seu temor para Comigo consiste só em mandamentos de homens, em coisa aprendida por rotina”.
( Isaias 29; 12 e 13)

Que pena! Depois de decorridos tantos anos, se faz necessário evocar uma frase emblemática dita pelo profeta Oseias (700 AC) cujo eco, ainda hoje, continua a bater forte nas paredes resistentes de muitos corações: “O meu povo padece por falta de conhecimento”.



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 11 de setembro de 2009

07 setembro 2009

CULTO GOSPEL NARRADO POR LOCUTOR ESPORTIVO






Já se tornou uma regra em nosso meio, dizer que Deus é brasileiro, afirmação essa corroborada pela ajuda que Ele tem dado a nossa Seleção 'Canarinho' que por cinco vezes foi campeã do mundo.
Ora, se Deus é um torcedor fanático do Brasil, por que não usar os recursos futebolísticos como estratégia para propaganda evangelística gospel?

Sabendo que o brasileiro adora ouvir uma transmissão de partida de futebol, por que não mudar a rotina enfadonha e insossa dos cultos de domingo à noite, e passar a executá-la com o sensacionalismo e a emoção dos locutores esportivos? A TV Record (é claro), caberia a exclusividade na transmissão dos jogos. Já pensou no golpe mortal que a TV Globo levaria?

Se a Record já conseguiu levar grande parte dos atores para sua emissora, com certeza a contratação do maior locutor esportivo da televisão seria ‘favas contadas’.

Transmitir um culto como quem transmite um jogo de futebol, é muito mais eletrizante, tendo a grande vantagem de não permitir que ninguém venha cochilar durante o duelo entre os meliantes de Belial e os meliantes dos exércitos da salvação.

O campeonato seria de pontos corridos, e creio que não faltariam times para se inscreverem na Confederação Brasileira Gospel de Esportes. Acho até que devido ao grande número de denominações evangélicas, o campeonato deveria ter uma série A (a principal), e uma chave B (de acesso).

Você caro(a) leitor(a),poderá experimentar agora mesmo, um novo e emocionante estilo de culto neo-pentecostal domingueiro.


Segure-se bem em sua poltrona, pegue seu saco de pipocas bem quentinhas e com reverência, clique no vídeo abaixo, para assistir a uma amostra desse deslumbrante e emblemático culto, narrado por um locutor esportivo "divinamente" inspira







Prosa por Levi B.Santos

Guarabira, 07 de setembro de 2009

Título do Original: "Culto Gospel Narrado Por Locutor Esportivo"

05 setembro 2009

SER OU NÃO SER PEDRO ─ EIS A QUESTÃO





Momentos antes de sua prisão, e logo após a sua última ceia, Cristo presenciou um forte bate-boca entre os discípulos; eles discutiam quem entre eles seria o maior. Foi nessa ocasião que o Mestre deu uma grande lição aos seus pupilos, ao dizer: “o maior entre vós, seja como o menor; e quem governa seja como quem serve”.

Os últimos instantes do Mestre junto aos seus discípulos, narrados por Lucas, nos dá a impressão de que Pedro estava meio alheio ante a gravidade dos fatos que estavam prestes a acontecer, quando Cristo, veementemente, o chamou por duas vezes para transmitir-lhe uma notícia não muito boa. Disse Cristo: “Simão, Simão, Satanás vos pediu para vos peneirar como trigo. Mas eu roguei por ti para que a tua fé não desfaleça. E tu quando te converterdes, fortalece os teus irmãos” (Lucas 22: 31 – 32)

O quanto se torna difícil entender que Pedro não era um convertido, quando se sabe que lá no começo de sua caminhada cristã ele tinha dado provas de sua extraordinária convicção, ao responder enfaticamente diante do Mestre dos mestres: “Tu És o Cristo, Filho do Deus vivo!” (Mateus 16: 16)

Quem poderá imaginar o que deve ter passado pela cabeça de Pedro ao ouvir da boca do Mestre (lá atrás no começo de Seu Ministério) essa grandiloquente declaração: “Eu te darei as chaves do Reino dos céus” (Mateus 16: 19). Um presente como esse, para quem não era ainda um convertido, no mínimo deve ter levado o EGO desse apóstolo às alturas, e ao mesmo tempo deve ter deixado os outros discípulos em um conflito interno movido por pitadas de inveja. Ao serem tomados por este sorrateiro e sutil sentimento, quem sabe, se os outros apóstolos não confabularam entre si, dizendo o correspondente a frase comumente usada hoje: "Esse é o cara?"

À primeira vista, a confrontação das passagens de Mateus com as de Lucas, pode nos levar, racionalmente, a entender que Pedro era um convencido e não um convertido.

Mas afinal: Quem somos nós? Somos ou não somos convertidos?

Isto nos leva a refletir sobre o dilema de Hamlet: “
Ser ou não ser, eis a questão”.

Mas, os pressupostos do cristianismo sinalizam que o “ser” ou “não ser” não é uma questão. Se, somos seres em movimento e não entidades estáticas, podemos “ser” e “não ser”. Em nossa caminhada diuturna, a luz do sol clareia pela manhã um lado do nosso corpo, parte essa do corpo que mais tarde, será tomada pela escuridão da sombra.
É impossível fugir da rotina fatigante, que nos traz um mal a cada dia.

O meu eu transcendental que diz que sou um convertido, ignora o sol de minha individualidade e de minha realidade. Tenho momentos de fé e de contemplação, mas, também, tenho momentos de dúvidas e de descrenças.

Sobre a noção de que o SER é uma substância intemporal e imutável como pensava Parmênides e Platão, eu contraponho o conceito de Heráclito e Hegel de que a vida é um processo e não algo determinado, como uma substância. A vida é um eterno “transformar-se” e isto implica mudanças, em que o que temos como a verdade de hoje, não necessariamente, será a verdade de amanhã. A renovação do nosso entendimento implica transformações (é Bíblico). As notas musicais são as mesmas, apenas mudamos a posição das mesmas na pauta, para que se possa cantar um cântico novo.


Sou humano, por isso, não nego que ora em minha caminhada tenho sido o "Pedro" de Mateus 16: 16, e em outros momentos tenho me sentido como o "Pedro" de Lucas 22: 31. Às vezes, sinto-me resplandecente ante a glória dos céus, como ocorreu com Pedro lá no monte da transfiguração; outras vezes, sinto-me triste e acabrunhado quando Cristo sussurra ao meu ouvido, dizendo que ainda não sou um convertido, como aconteceu com o Pedro narrado em Lucas.

Quem me livrará desse terrível paradoxo, que me faz, às vezes, ser o Pedro com as chaves do reino dos céus nas mãos, e outras vezes, ser o Pedro envergonhado por negar a Cristo, três vezes seguidas, mesmo tendo sido alertado antes, que o diabo queria com ele cirandar.

Não! Decididamente, não posso aplicar aqui, o conceito Shakespeareano do “Ser ou não ser, eis a questão”

Fico com o filósofo Paulo de Tarso que disse: “
pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço”. No momento em que digo: “sou” fraco, Ele diz és forte. No momento que penso “ser” forte, Ele me mostra o contrário.

Que me perdoe Shakespeare, mas com o advento de Cristo não há mais questão a ser resolvida, pois o ideal do “ser” é sustentado pela esperança de vida eterna. Quanto ao “espinho na carne”, símbolo da fraqueza do “querer ser” quando não se “pode ser” ─ a Graça Divina me basta, pois é ela que preenche a lacuna do meu vazio existencial. É justamente ela, que me faz entender que o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza do “não poder ser”.

Sendo assim, o “ser convertido” e o não “ser convertido” são apenas instâncias ou momentos na vida do crente; são as faces opostas de uma daquelas monumentais pedras a que Cristo se referiu, quando falou que sobre ela construiria a sua Igreja. Em outras palavras, Ele quis dizer que, sobre as vicissitudes e faces paradoxais do homem (loucura para os sábios), se assentariam as bases de uma nova aliança Divina, que busca incessantemente, através da Graça, o “que não é”, para confundir o que “é”.

Porque não dizer que nós somos este Pedro paradoxal?

Porque negar o Pedro que temos dentro de nós, quando sabemos que a pedra (com suas faces opostas) a que Cristo se referiu, é uma das maiores metáforas existenciais que, indubitavelmente, simboliza o nosso ser ambivalente com todo o seu corolário de afetos contraditórios?

Sofreremos muito mais, enquanto não atentarmos para essa grande verdade: a de que as faces da PEDRA que habita em nós, jamais poderão serem vistas de um mesmo ângulo. Esta pedra tem várias faces: uma está voltada para cima, outra para baixo, outra para frente, outra para retaguarda e outras para as laterais. Para o expectador que nos vê, há sempre uma parte de nós encoberta, que ele não conhece.

Devemos aceitar de bom grado, esse grande espinho em nossa carne, que é o ter que carregar por toda a nossa vida esta cruz de muitos lados.



“E foi me dado um espinho na carne [...] afim de não me exaltar” (II Coríntios 12: 7)





Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 05 de setembro de 2009

02 setembro 2009

PARE OLHE E ESCUTE




Quem de nós, que já entrou na terceira idade, pode dizer que nunca viu uma placa de ferro enferrujada com os dizeres PARE OLHE ESCUTE a pender para um dos lados, à beira da estrada, antes de um cruzamento de uma rodovia com uma ferrovia? Essas palavras escritas em letras brancas garrafais sobre um fundo vermelho, são nossas velhas conhecidas das saudosas viagens de trem. Pensando bem, que sábia frase essa, pedindo-nos para parar, dirigir o olhar e escutar, para não sermos tragados por um “monstro férreo" que pode passar a qualquer instante, nos cruzamentos do nosso caminhar.

O que fazer diante dos velozes trens da modernidade que se aproximam perigosamente de nós, senão, olhar e por último fazer o que há de mais reflexivo: ESCUTAR. Tenho que me vigiar para não colocar a palavra OUÇA no lugar de ESCUTE. Ao trocar um termo pelo outro, eu posso esconder todo o significado e sutileza da mensagem da placa, pois “ouvir,” não é o mesmo que “escutar”. Na “escuta” eu estou discernindo, ou seja, ouvindo com a mente. O poder reflexivo da “escuta”, no caso do trem que vem a caminho, nada mais é que a faculdade perceptiva de entender com os ouvidos, e identificar corretamente as nuances do tipo de “barulho”, de sua intensidade, de onde se origina, de que lado vem, para onde vai, se está próximo ou longe.

Num exercício de reflexão puramente filosófica, imaginemos que assim como esses monstros de ferro que caminham sobre trilhos (as locomotivas), existam outros “trens da vida”, com seus estrondos e tremores, se aproximando para passar como um raio a nossa frente. Ante estes assombros da tecnologia moderna, por um instante, podemos até nos encantar com o maravilhoso espetáculo, mas a grande virtude é deixá-los passar, para logo depois nos recompormos, reiniciando a nossa caminhada tranqüila até os próximos cruzamentos com outras linhas férreas. Não importa que outros “trens” venham com seus moderníssimos e atraentes vagões, perturbar novamente a nossa trajetória, o que importa é que tenhamos ouvidos aguçados para ESCUTAR, deixar a locomotiva passar, e depois SEGUIR o nosso árduo e áspero caminho.

Assim é a caminhada da vida. Necessário é que estejamos sempre atentos, para não sermos engolido pelas monstruosas e espetaculares máquinas produtoras de emoções passageiras, que eletrizam o corpo e entorpecem o espírito. Existe também outro "trem" barulhento, sob a forma apelativa de gritos publicitários que castigam os ouvidos mais sensíveis, alardeando inutilidades mercadológicas as mais incongruentes, tentando nos ludibriar com valores que inebriam a consciência. São apelativos que sutilmente instituem a ditadura do “comprar” no imaginário coletivo como ideal de felicidade, em que até milagres e pedaços de céu são oferecidos para satisfação de um hedonismo doentio e insano, que em nada combina com os dizeres sábios da placa ferroviária: PARE OLHE ESCUTE.

São tentadoras e irresistíveis, as possibilidades de aquisição de emaranhados de informações, tantas vezes confusos e desconexos, que deságuam sobre os olhos mais ávidos do espectador indefeso, através das redes de comunicação como a internet, a televisão, etc, informações estas que se esvaziam pela inaptidão e incapacidade do usuário em compreendê-las e digeri-las, pois os tempos modernos não permitem o PARAR para OLHAR ao redor; enfim, não dá ao indivíduo a opção de exercer o verdadeiro sentido da ESCUTA.

Nunca se investiu tanto, como hoje, na produção de “locomotivas midiáticas”, cada vez mais barulhentas e impressionantes, que por se multiplicarem tanto, reduzem o precioso tempo do caminhar e do pensar. À medida que vamos valorizando o desejo dos olhos em detrimento da ausculta e reflexão, temos como conseqüência, o enrijecimento dos tímpanos, que com o passar dos tempos vai embotando a nossa capacidade de escutar o canto último das almas agonizantes. Tudo isto, nos faz lembrar Shakespeare, em “Hamlet”, quando assim disse: “as sutilezas dormem nos ouvidos dos parvos”.

O barulho ensurdecedor e ininterrupto do momento, já não permite mais a ESCUTA. A “humanidade” diante dos anúncios e placas com sensacionais apelos, estimulantes do desejo carnal latente, PARA e OLHA, ─ e sem a percepção da ausculta ─ se embriaga na volúpia dos olhos, para afinal, numa “overdose” de sonhos inócuos e sem sentido, definhar e morrer.

É desta forma, que a deglutição da “maneira moderna de sobreviver” tem impedido o exercício da “escuta”. A ânsia de parar para olhar e apreciar as mais espetaculares produções da tecnologia moderna que a cada momento surgem a nossa frente, tem provocado um inusitado fascínio sobre nós. Somos bombardeados incessantemente pelas propagandas as mais mirabolantes e inimagináveis, que fazem a resistência ao prazer imediato se render, para dar lugar ao gozo insano dos poderosos e excitantes objetos de desejo.

Tal qual uma criança, a se perder com os eletrônicos presentes recebidos, assim ficamos nós à frente da parafernália tecnológica que nos atrai a cada instante. Que possamos agir como aquela outra criança, que ao receber um presente muito caro, contentou-se em brincar prazerosamente com a simples caixa de cartão, que era o invólucro do brinquedo, deixando frustrada a plateia, que esperava dele a reação comum de PARAR, OLHAR e por fim, àvidamente devorar o objeto de lazer eletrônico de última geração.



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 02 de setembro de 2009