21 setembro 2010

O Sentimento Trágico como Herança



O irrefreável anseio moderno em tentar entender a origem do universo físico, através da leitura de milhares de livros, parece ter relegado para um nível secundário o interesse do homem em saber mais sobre si mesmo, isto é, sobre sua própria psique.

Nos tempos difíceis que estamos atravessando, a velha máxima de Sócrates, mais do que nunca, tem ressoado forte nos nossos ouvidos: “Conhece-te a ti mesmo!”

Freud, graças as suas profundas observações e suas prolongadas auto-análises conseguiu formular e desenvolver brilhantemente a teoria dos desejos na esfera “mãe- pai- filho ou filha”. Teoria essa que revolucionou o saber sobre as entranhas humanas. Foi partindo da história mítica e trágica do Rei Édipo que ele foi buscar elementos latentes existentes em uma área até então desconhecida, determinante das nossas ações, racionalizações e atitudes — O Inconsciente. Foi dessa maneira, que ele conseguiu explicar a gênese do primeiro conflito humano, e sua resolução com o corte do cordão umbilical que alienava a criança à mãe.

O sentimento trágico uma vez inscrito no inconsciente no plano de nossa primeira experiência infantil, é que vai nos marcar pelo resto de nossas vidas. Todas as formas de solidão e desamparo, dali em diante, serão repetições dos primeiros afetos sentidos nos instantes iniciais de vida, inscritos no disco virgem do nosso cérebro.

Esse sentimento trágico dos nossos primórdios nos revisita com toda sua carga desestabilizadora e desorganizadora, quando enfrentamos catástrofes e separações dolorosas. Nessas ocasiões nos falta chão humano em busca de um sentido para racionalizar o inapelável. É em meio às tragédias que surge um agudo desespero, que nada mais é que ecos distantes daquele sentimento de desamparo infantil internalizados no inconsciente, por ocasião da primeira e grande ruptura, sentimento esse que se expande em nós como uma dor que não se sabe donde vem.

O sofrimento nascido das separações primeiras — NASCIMENTO, DESMAME —, se transformará no pilar básico da individuação progressiva da criança até se tornar um animal adulto. Hoje, as normas civilizatórias que interditam a realização instintiva dos nossos desejos mais arcaicos, têm as mesmas nuances daqueles primeiros cortes, ao reacender em nós o desprazer decorrente da primeira proibição. Todas as formas de desamparo e solidão que experimentamos em nosso vivenciar, foram uma vez sentidas de forma inconsciente. Os enigmas fascinantes dos sonhos absurdos que temos, constituem a maior prova de que existe algo em nós que trabalha mesmo quando a consciência está adormecida.

A reprise da primeira angústia, representada pelo desmoronamento do muro sentimental materno e paterno que nos protegia nos primeiros meses de vida, surge toda vez que enfrentamos as durezas da vida.

O paradoxo da existência e do existir diz que nós caminhamos sempre para frente em nossa jornada, na busca inconsciente de um passado. Esse paradoxo também diz que a rota do nosso caminho não é uma reta. Fica claro que “caminhar num círculo” é uma metáfora. E o que ela quer dizer? Ela simplesmente diz que, é com o passar dos anos, que podemos chegar mais perto de nosso início; chegar mais perto do ponto de onde partimos. Dessa maneira, o ponto de chegada é o mesmo da partida. A aproximação do ponto inicial pelo caminho da ida que é também o da volta, oferece-nos a oportunidade de ver as nossas origens PELA FRENTE, uma vez que, ao iniciarmos os nossos primeiros passos, estávamos impedidos de olhar para trás.

É do poço quase insondável dos afetos reprimidos, e não de um palácio denominado “razão”, que jorra a água que nos faz entender que somos diferentes dos outros animais. Disse uma vez, Chesterton: “Se observássemos atentamente um gato e um ser humano, veríamos que enquanto o primeiro raciocina, o último rir e chora”.

O sentimento trágico do qual somos portadores, aponta para uma direção, que é a de promover a conciliação ou amarração entre o “desejo incestuoso” que nos foi obstado no antigo jardim edênico e o desejo de excluir e de despossuir o nosso corpo da roupagem representada pelas pesadas camadas (crises existenciais) que o tempo se encarregou de nos vestir. O sentimento trágico que nasceu da expulsão dolorosa do nosso ÉDEN tem tudo a ver com o desamparo inevitável do nosso OCASO.

Choramos ao nascer. No entanto, não compreendemos que o choro trágico de hoje é o mesmo de ontem, da nossa estreia no grande palco de assombração, que é a vida.



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 21 de setembro de 2010

11 comentários:

Levi B. Santos disse...

Esta postagem partiu de um comentário que fiz ao texto de Márcio Alves (A Existência do Trágico, o Trágico da Existência) - lá na “C.P.F.G.” e no blog “Outro Evangelho”.

Eduardo Medeiros disse...

Levi, de fato estamos mais preocupados em desvendar os mistérios do universo do que desvendar os mistérios da nossa psiqué que em minha opinião, são maiores do que qualquer estrela de primeira grandeza.

No entanto, nós estamos com os olhos mais voltados para fora do que para dentro, por que o "Conhece-te a ti mesmo" é uma tarefa por demais espinhosa. Não é tão simples quanto olhar por um telescópio ou verificar as leis que comandam os movimentos celestes. Somos o grande enígma da existência.

A teoria freudiana explica muita coisa mas creio que está longe de esgotar os cantos mais recônditos do que é ser humano.

Para os mais céticos e materialistas, somos uma aberração; um consequência e uma piada sem graça da aleatoriedade da evolução. E haja choro para chorar...e haja desamparo para sentir...e haja falta de sentido para questionar...

Não fomos feitos para aceitarmos o trágico, a desilução, a morte. Queremos de novo sempre o peito, o colo e que o cordão esteja bem firme ao ser da mãe.

Mas gosto muito de uma frase do Rubens Alves que diz mais ou menos assim: Quando tornamos a morte nossa amiga, ela deixa de nos amedrontar...

Tens ums malucos iludidos por aí que conseguem essa proeza: aliaram-se à morte e resolveram para si o drama da existência.

Para nós outros, resta o nada.

abraços, mestre.

Levi B. Santos disse...

EDUARDO

“Somos o grande enígma da existência”

Fiquei a refletir sobre sua frase acima, e cheguei a uma constatação que, lá no fundo, é a mesma dos psicanalistas.

A psicanálise diz:

A fase mais importante de nossa existência, que vai dizer o que seremos no futuro, é a situada entre o nascimento e o quinto ano de vida.

E aí surge a emblemático questionamento:

Como então poderemos dizer que nos conhecemos profundamente, se dessa fase pouco nos lembramos?

O grande enigma está justamente na fase em que não tínhamos consciência. Ele (o grande Enigma, o grande Assombro, o Inconsciente) estava no princípio, e todas as coisas são movidas por Ele. Sem Ele nada do que somos se fez.

Você sabia, Eduardo, que o prólogo do evangelho de João (copiado dos gregos) é o trecho dos evangelhos que os psicanalistas mais adoram, para explicar o INCONSCIENTE?

Senão vejamos:

“No princípio era o VERBO”
“...esse VERBO, com suas vibrações últimas em nossa carne que, dia após dia, estação após estação, manifesta-se em nosso PASSIVO, ativando o AGIR fecundo, no decurso dos nossos encontros, de nossas comunicações...” ( Françoise Dolto — discípula de Lacan)

Anônimo disse...

Grande Levi, mais um texto que nos faz refletir sobre... nós mesmos! Se as pessoas tentassem conhecer a si mesmas não haveria tanta gente reprimida, zumbificada, vivendo para os outros. Parabéns.

Marcio Alves disse...

LEVI


De fato a experiência vivida por nós todos do desamparo da ruptura, sofrida com a expulsão do paraíso, deixou em nós marcas para o resto de nossas vidas, e essa sensação de um buraco em nosso estomago de solidão, medo, tristeza e frustração.


Agora, vou colar aqui, uma estrofe do meu texto “complexidão existencial” há onde eu falo de modo diferente, a mesma coisa de que você fala em seu texto, sobre nosso caminhar para frente ser na verdade uma volta para trás......a estrofe do meu texto:


“Ao mesmo tempo em que acelera o meu coração, pois voltarei para o escuro, não mais para nascer, mas para finalmente morrer, e quando a morte chegar, serei tragado pelo o escuro mistério, da onde não sei de minha consciência, mas sei que já terei vivido e estarei pronto para ser expulso mais uma vez, só que desta vez da vida, a mesma escuridão donde eu vim, e a mesma para onde brevemente retornarei”. (Frase tirada do meu texto “complexidão existencial”)


A diferença a meu ver é que você fala da volta para o inconsciente dos primeiros anos de vida, já eu falo da volta para o nada de onde passamos a existir.



Abraços

Marcio Alves disse...

Outra coisa LEVI...quero lhe perguntar sinceramente, você tem o direito de não me responder, mas ao re-ler o trecho acima de minha postagem antiga, sobre nossa morte que ser mais uma vez uma re-edição da expulsão do paraíso vivida por nós todos, pensei em você, que já está com seus 65 anos...apesar de saber que a vida como é surpreendente, pode acontecer que eu morra no auge da minha juventude e você viva até os 100 anos ou mais.


Mas isto é como disse, inesperado, embora possível de acontecer, mas o normal no sentido de expectativas mesmo é que você, porque já está com idade avançada, morra brevemente.


Então eu quero lhe perguntar: (pois hoje com meus 25 anos de vida eu já penso e muito na morte, como então deve ser uma mente pensante de um homem com seus 65 anos?)


O que você sente vendo o fim dos dias aproximando de você???


Qual é a sua visão da vida, do seu sentido, pois ninguém mais habilitado para falar se não quem já passou por todas as fases da vida, e que brevemente estará passado pela última e final fase???


Pois a vida é isto...quando mais passa-se o tempo, mais tempo você já viveu e menos tempo falta para você viver...que alegria triste paradoxal é esta....não é mesmo LEVI???!!!


Como você lida com sua morte iminente??


Pois apesar de saber que eu posso morrer hoje, eu não espero isto, pois todo jovem se sente como imortal, mas já a pessoa idosa, sabe que já esta chegando em seu final, então como você encara isto???


Espero não estar pondo o dedo e mexendo a sua ferida LEVI...mas eu precisava perguntar....se não quiser responder eu vou entender.....


Abraços

Esdras Gregório disse...

Poxa Levi, mil desculpas, faz tempo que não venho nesta sua sala, nada pessoal. Muito pelo, contrario, você e o Eduardo são sempre politicamente corretos, escrevem sempre coisas equilibradas e tocam assuntos seguros que às vezes não me desperta a paixão do debate no pouco tempo que ando tendo estes dias.

Mas estou lendo tudo, não gostei muito da ultima poesia e nem soui chegado em comentar assunto das decisões pessoais demasiadamente humanas dos pastores, mas este texto foi muito gostoso de ler.

Parece que você diz simplesmente que todo anseio e busca humana é como se fosse uma substituição da perda do colo materno?

O que anularia um sentido ou ser que preencheria o “vazio” do homem!

Levi B. Santos disse...

É isso mesmo, ISA, as pessoas que não gostam de refletir, são aqueles zumbis que tem medo de olhar para dentro de si, têm medo de ver a sua própria nudez.

Levi B. Santos disse...

MARCIO

“Minha vida é uma vida feita de todas as vidas” — disse Pablo Neruda.

Através dessa fase da vida (velhice) é que estou podendo entender com todas as letras o que esse fenomenal poeta queria dizer.

É nessa fase da vida que estou vendo bem de frente as minhas origens. É uma fase rica em aprendizado, isto, graças a observação profunda dos filhos.

Meus filhos são bênçãos, porque é através deles que posso revisitar o meu passado. Eles são como uma nova encarnação, pois, à medida que crescem vão preenchendo as lacunas de minha alma, que não foram totalmente compreendidas por mim no passado.

“Eles são pedaços de mim” — foi a última frase do velho meu sogro, antes de morrer, diante dos filhos. Ele chorava não por si mesmo, mas pelos que ficariam ali junto ao seu leito.

Eu digo sempre para a esposa, meus filhos e uma neta: “Estou com 64 anos. Já estou no lucro” – Rsss

Mas uma coisa me deixa triste e desesperançado, com relação ao futuro da geração que fica: A nossa sociedade cada vez mais utilitarista está perdendo os ideais éticos, políticos e religiosos. Francamente, não sei para onde caminha a humanidade, diante de tanta violência, insegurança e maldade. A procura desenfreada da felicidade mediante o consumo de objetos tecnológicos tem se multiplicado ao infinito, criando novas necessidades que com o tempo, creio eu, atrofiará o cérebro humano, pela falta de tempo para meditação.

Vendo tudo isso, me vem uma saudade medonha dos tempos em que nas calçadas após o jantar, ficava sentado num tamborete reunido com os da minha vizinhança a jogar conversa fora, sem pavor, sem depressão e sem conhecer esta palavra chamada “stress”.

È nesta fase da vida, Marcio, que fazemos, com bastante calma, a revisão do nosso texto existencial, mais desarmados da afoiteza e ímpeto do jovem que na sua caminhada vê mais o pé que está à frente, esquecendo, às vezes, que o que lhe dá equilíbrio nas passadas para adiante é o pé que fica atrás. (rsrss)

Abçs,

Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

GRESDER

“O que anularia um sentido ou ser que preencheria o 'vazio' do homem!”

Entendo que o sentido é como uma busca. E se é uma busca, é uma procura do que se perdeu ou foi perdido. Foi por isso que falei que caminhamos não numa reta, mas num círculo.

E, se caminhamos num círculo, o ponto de partida é o mesmo da chegada. Ou seja, no fundo no fundo o que vigora é “O Eterno Retorno” — de Nietzsche, ou o “Eu Vim Buscar O Que Se Havia Perdido” — de Cristo.

Eduardo Medeiros disse...

Levi, fiquei tocado pela sua resposta ao Marcinho...é tão bela e significativa, que deveria virar uma postagem!

abraços, meu velho! rsssss daqui há pouco chego lá...rsss