12 setembro 2011

O Humano em KING KONG




Por que os contos e mitos que usam animais ferozes em seu enredo nos atraem tanto?

Talvez, por serem movidos pelos instintos selvagens é que esses monstros vêm encarnar o que há de mais primitivo em nós.

Perguntado sobre o que havia de tão atraente no conto do Gorila gigante — King Kong, o cineasta, Peter Jackson autor da nova versão da odisséia desse macaco gigante no cinema, conta que o original dessa história já o fascinava desde os 12 anos de idade.

Num nível mais profundo, o combate entre o homem e os monstros jurássicos, que simbolizam a natureza no que ela tem de mais violento e selvagem, talvez esteja no cerne dos nossos anseios mais arcaicos, uma vez, que o projeto humano é o de tentar dominar as forças naturais, colocando-as a seu serviço.

Segundo o psicanalista, Renato Mezan, a história de King Kong nos captura porque encena um roteiro arquetípico gravado em nosso inconsciente — e, tomados de terror e de piedade, como desde que se inventaram as epopéias e as tragédias são tomados espectadores, ouvintes e leitores –– percebemos que é de nós que se está falando: do homo sapiens, o mais feroz dos animais”.(*)

Quem assistiu a esse filme deve está bem lembrado da sexualidade incontrolável e o gozo do domínio presentes nas feições do Gorila diante de sua presa: uma moça, Ann, indefesa, um tanto estúpida, de tamanho minúsculo em relação ao corpo do monstro, mas despertadora da libido masculina cega e brutal. Do Gorila, apesar de tratar a moça com doçura, salvando-a de vários perigos, não se pode concluir que ele a ama. Talvez a “ame” porque a considera sua dama, sua presa.

Para Renato Mezan, o Gorila representa nossos instintos animais, ou quem sabe, a figura do pai primordial, cujo assassinato marca para Freud o início da civilização, a insensibilidade e a truculência dos personagens “civilizados” reafirmam uma verdade incômoda: sob a fina camada da cultura adquirida em uns poucos de milênios, subsiste em nós a virulência das paixões primitivas. Mesmo projetadas num primata pré-histórico, elas não deixam de ser ameaçadoras — e, por isso mesmo, fascinantes em sua crueza originária”.(*)

Quem sabe se de uma maneira inconsciente, o fascínio que faz parar a respiração de cada espectador de King Kong, esteja servindo de catarse, ao nos mostrar o que somos na realidade. Essas duas partes interagem em nós num todo inseparável: Ann, a moça frágil que desperta piedade e King Kong, simbolizando a força e a brutalidade, na verdade, destacam as nossas facetas paradoxais —"somos uma espécie única que tem um lado biológico e de instintos, e outro simbólico e cultural".

Pensar o selvagem é pensar o homem. King Kong repete a narrativa mítica dos velhos contos de fadas, cujas complexidades apontam para os conflitos de nosso aparelho mental. Cada adulto, ao revê esse filme, sem sombra de dúvida, está revisitando a criança de peito que exorcizava seus demônios e seus medos; que projetava seus anseios nas figuras míticas dos fenomenais contos infantis. Aquelas fantasias, para o "bem" ou para o "mal", continuam emitindo ressonâncias no imaginário singular e fundamental de cada um de nós, adultos.

Em suma, a epopéia de King Kong, nada mais é que um sucedâneo dos velhos e maravilhosos contos de fadas, que ainda tem o condão de provocar em nós um apaziguamento das ansiedades geradas a partir da impossibilidade de nos completarmos no plano real.



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(*) MEZAN, Renato - Intervenções [pag. 284 e 286] – Editora Casa do Psicólogo, 1ª Edição 2011


Site da imagem: c7nema.net


Por Levi B. Santos

Guarabira, 12 de setembro de 2011

13 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

e não é que é...?? rssss

"sob a fina camada da cultura adquirida em uns poucos de milênios, subsiste em nós a virulência das paixões primitivas."

levi, reconhecer e saber dessa virulência que compartilha a beleza, a cultura e o amor, seria o primeiro passo para deixar nossos king kongs adormecidos ou domesticados?

o que você tem a dizer sobre o ultimato que paulo dá a essa interioridade humana ao dizer:

"se alguém está em cristo, nova criatura é, as coisas velhas já passaram, tudo se fez novo" ?

Eduardo Medeiros disse...

amigo, vou postar o seu texto da confraria que você sugeriu(aquele onde você aparece com carinha de anjo...rssss). já separei para postá-lo em breve.

estava sentindo falta de trocar ideias mais "espirituais" e teológicas, já que na confraria, esse assunto parece ter virado tabu.

O Provocador disse...

“Não gosto de elogios, aliás, eu os considero como moedas falsas. Infelizmente elas continuarão circulando, graças à vaidade que muitos insistem em abrigar em seus egos. Portanto, sempre que me elogiarem, darei como troco um sorriso irônico, que é a forma mais antiga e mais terrível de crítica.”

Não espere um elogio então, por este teu artigo

O provocador

Levi B. Santos disse...

"se alguém está em cristo, nova criatura é, as coisas velhas já passaram, tudo se fez novo" ? ( EDU)

O que caracteriza o humano é justamente a sua contradição; é o paradoxo.

“Por que não faço o bem que quero, mas o mal que não quero isso faço”. (Paulo)

“Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?” (Paulo)

Lembro, que em um dos meus artigos postados aqui sobre o Paradoxo Humano, escrevi algo assim:
Nosso desafio maior é compreender que a dualidade psíquica “BEM e MAL” (ou Velho e Novo) foi deformada pela cultura.
Na verdade, elas são metáforas que traduzidas revelam muito de nossas funções psíquicas estruturantes.

E aí é que entra a SÍNTESE (rsrs)


Abraços,

Levi B. Santos disse...

Caro Provocador


Adoro também provocações (no bom sentido)

Você disse: “Não gosto de elogios”

Mas, acho que você esqueceu de que a “negação” é um mecanismo de defesa psíquico.

“Traduzindo em miúdos” ― é uma forma de recalcar a vaidade latente. (rsrsrs)

Abraços (vaidosos)

O Provocador disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
O Provocador disse...

Pode até tentar distorcer o que eu disse Levi, mas nem Freud, nem Jung, nem Lacan serão capazes de sustentar esta hipótese que você citou.

Desejo latente é coisa de gente doente que não tem coragem de extravasar, o que não é o meu caso. Contraem uma úlcera apenas porque deixam de botar pra fora seus monstros. Por essas e por outras eu gosto mais do Nietzsche, pena que era um demente!

O Provocador

Donizete disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Donizete disse...

A evolução considera o pecado como herança do animalismo primitivo do homem. Desse modo em lugar de exortar a gente a deixar o "homem velho", ou o "antigo Adão", os proponentes dessa teoria deviam admoestá-los a que deixassem o"velho macaco" ou o "velho tigre"! esdrúxula esta teoria, até onde eu sei, os animais não pecam; eles vivem segundo sua natureza, e não experimentam nenhum sentido de culpa por seu comportamento. Segundo o teólogo judeu Myer Pearlman, o pecado é exatamente o abuso do instinto inato no homem. Por exemplo, o instinto desperta no homem o desejo de comer. Agora, se para satisfazer esta fome o homem utilizar o método egoísta e sangrento do reino animal, já passa a ser o abuso do instinto natural. Concordo que assistir a qualquer filme, ele desperte em nós sentimentos que naturalmente insiste em se manter adormecidos. Seria este o motivo das mulheres dar preferência a temas românticos? Rsrsrs.

Levi B. Santos disse...

Caro Provocador


Quer dizer que você não concorda com essa ode poética (do humano) descrita por Caetano Veloso no seu memorável samba - SAMPA:

"Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto,
é que Narciso acha feio o que não é espelho..."
(rsrs)

Levi B. Santos disse...

Caro Donizete


Fala-se muito no nosso meio religioso, em deixar o velho Adão ou deixar o “homem velho”.

Nada em nós se extingue. Tudo se esconde (para proteger o nosso ego) ou tudo se reinterpreta (em prol do OUTRO).

Ora quando eu digo que fulano é invejoso, eu estou projetando a minha velha FERA no outro.

Só posso entender o invejoso, quando tornar-me consciente de que este sentimento ― inveja ― um dia eu a experimentei.

É sempre o OUTRO com suas idiossincrasias que desperta em nós o “Adão latente”. Ele não morreu coisa nenhuma.

O chipanzé (gorila, orotango, babuíno, etc) está sempre do lado de lá do “Nosso Equador”. (rsrs)

Abraços,

O Provocador disse...

Não só não aceito a música do viado do Caetano Veloso, como também não sei se é possível encarar uma pessoa sem ser de frente. Esse cara escreve musiquinhas de crítica mais não tem colhões de macho. Falar é fácil. Prefiro minha própria música:

"Renuncio a fama, renuncio a glória, renuncio tudo aquilo que me ponha no mais alto patamar da sociedade. E já que é pra viver de renuncias, vou também renunciar a renuncia."

O Provocador

Eduardo Medeiros disse...

levi, você destacou bem outros ditos de paulo que mostram que o ser "nova criatura", não é algo que acontece concretamente, mas apenas na motivação nova de buscar, pela graça, melhor equilíbrio entre o "bem que quero e o mal que faço".

levi,você lembra bem que há tempos, um outro "provocador" causou reboliços no meio de nós escondido atrás de alcunha que virou alter-ego, noreda...

mas aquele provocador era mais elegante, mais inteligente, foi de fato, um bom provocador, mas este aí, tem um modo bem agressivo de provocar.

mas será que a história se repete? rsssss