O filósofo Alain de Botton na escadaria da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro (foto: Orestes Locatel)
O escritor e filósofo ateu, Alain de Botton, natural de Zurique (Suíça) afirmou, recentemente, que o mundo necessita urgentemente de um “ateísmo 2.0”, que deixe de lado a luta histérica para provar que Deus não existe, a fim de tirar proveito do que as religiões têm a oferecer.No seu best seller, “Religião Para Ateus”, lançado esse ano pela editora Intrínseca, ele propõe um resgate de tudo que a religião reivindicou como domínio exclusivo de sua área que deveria pertencer a toda humanidade.
Para exemplificar o seu intento, afirmou: “o que existe de melhor no Natal gira em torno de temas da comunidade, festividade e renovação que, na sua ótica, antecedem o contexto em que foram colocados ao longo dos séculos pelo cristianismo”.
Em uma recente entrevista à revista VEJA, Alain de Botton, quando perguntado por que achava que os ateus estavam exagerando no intelectualismo e na racionalidade, assim se expressou:
“O ponto de partida das religiões é que somos crianças e que precisamos de orientação. O mundo secular em geral se ofende com isso. Essa postura ofendida pressupõe que todos os adultos são maduros e devem odiar o didatismo, a orientação e a instrução moral. Mas é claro que somos crianças, grandes crianças que precisam de orientação, de guias que nos lembrem como devemos viver, embora o sistema de educação moderna negue isso, ao nos tratar como seres demasiadamente racionais, razoáveis e controlados. Nós somos muito mais desesperados do que o nosso sistema de educação reconhece. Todos estamos à beira do pânico e do terror quase todo o tempo – e a religião reconhece isso”.
No livro “Religião Para Ateus”, ele descarta os dogmas e o sobrenatural, mas faz uso das ferramentas empregadas pela religião para mitigar alguns dos males mais persistentes e negligenciados da vida secular.
Há descrições ousadas, como esta de retirar da missa e dos cultos elementos para imaginar como deveria ser o modelo do seu restaurante comunitário, que cognominou deÁgape:
“Tal restaurante teria uma porta aberta, uma modesta taxa de entrada e um interior projetado para ser atrativo. A distribuição dos assentos romperia os grupos e as etnias em que normalmente nos segregamos; parentes e casais seriam separados e amigos seriam favorecidos em detrimento de familiares. Todos teriam segurança para se aproximar e dirigir a palavra sem medo de rejeição ou censura. Pelo simples fato de ocuparem o mesmo espaço, os convidados estariam — como em uma igreja — sinalizando sua adesão a um espírito de comunidade e amizade. A proximidade exigida por uma refeição — algo que tem a ver com passar as travessas para os outros, pedir o saleiro a um desconhecido — perturba nossa capacidade de nos agarrar à crença de que estranhos que vestem roupas incomuns e falam com sotaques distintos merecem ser atacados ou mandados para casa [...]. [...] Graças ao restaurante Ágape, nosso medo de estranhos diminuiria. O pobre comeria com o rico, o negro com o branco, o ortodoxo com o secular, o bipolar com o equilibrado, trabalhadores com gerentes, cientistas com artistas.” (Religião para Ateus – páginas 37 e 40).
Freud, foi um que pretendeu, talvez de forma inconsciente, purificar a religião de suas impurezas. Ao sustentar o objetivo do desenvolvimento humano amparados nos seguintes ideais: razão, verdade, logos, amor fraternal, estava, na verdade, corroborando com os princípios éticos de todas as grandes religiões, quer orientais, quer ocidentais, baseadas nos ensinamentos de Confúcio, de Buda, dos profetas e deJesus.
Jung, por sua vez, tratou de transpor para a linguagem psicanalítica, a experiência religiosa de submissão a um poder superior, sucedâneo do pai natural, que no caso da religião é simbolizada por Deus, Javé, Buda, etc, naquilo que foi denominado por ele de"arquétipo patriarcal".
Auguste Comte quis fundar uma religião que não se agarrasse às tradições eclesiásticas, descartando alguns dos seus elementos beligerantes, ao mesmo tempo em que se aproveitou dos aspectos mais relevantes e racionais da Eclésia, para utilizá-los em sua excêntrica teoria.
No fundo, no fundo, não vejo outra coisa em Freud, Jung, Comte e no novato Alain de Botton, que a presença do nobre sentimento RE-LIGARE, afeto este, exteriorizado pela preocupação em compreender as experiências interiores do homem religioso e sua necessidade de rituais de limpeza, cuja finalidade é a de reduzir o próprio sentimento de culpa internalizado em seu ser.
Erich Fromm, discípulo de Freud, certa vez, dissertando sobre o sentimento religioso, disse: "Se focalizarmos nossa atenção na compreensão da realidade humana que preside às doutrinas religiosas, verificaremos que a mesma realidade serve de alicerce a diferentes religiões, e que atitudes humanas opostas se ocultam atrás de uma mesma religião. Por exemplo, a realidade emocional que preside aos ensinamentos deBuda, de Isaías, Cristo, Sócrates e Spinosa, é essencialmente a mesma; o anseio pelo amor, a verdade e justiça caracteriza-a" (Psicanálise e Religião - páginas 77 e 78).
Ora, bem sabemos hoje que, o anseio de paz, de fraternidade e de comunhão entre os diferentes, são ressonâncias de um desejo primitivo de RE-LIGAÇÃO ao "Éden idílico"impresso na gênese de nossa formação (real conceito de religião). Esse sentimento indestrutível arquivado indelevelmente na memória tanto do ateu, quanto do não ateu, como um motor, está sempre funcionando no sentido de expandir os anseios e desejos humanos por um mundo melhor e mais justo.
4 comentários:
Muito interessante, Levi!
Eu vejo isto como um movimento da dialética.
O ateísmo baseado no materialismo, assim como muitas práticas religiosas já sem significado vão ficando para trás, tornando-se componentes do novo que vai se formando.
No fundo, tudo teve a sua devida contribuição para o mundo e agora os ateus são convidados a avançar.
A princípio, lendo seu artigo, não concordo com tudo o que o autor do livro pensa, mas parece que ele percebeu algumas tendências no mundo.
De qualquer modo, mudam-se os métodos de leitura, mas a religião permanece. Tem-se a síntese e a absorção do ateísmo, o qual torna-se uma antítese da religião ultrapassada.
Esta é a minha pré-análise ainda superficial. Precisaria ler o livro para falar mais. No momento, estou só expondo minhas primeiras impressões sobre o tema. E fiquei entusiasmado.
Abraços.
No fundo, no fundo, não vejo outra coisa em Freud, Jung, Comte e no novato Alain Botton, que a presença do nobre sentimento RE-LIGARE, sentimento este exteriorizado, principalmente, pela preocupação em compreender as experiências interiores do homem religioso e sua necessidade de rituais de limpeza, cuja finalidade era a de reduzir o próprio sentimento de culpa internalizado em seu ser." (Levi)
Excelente!
Trata-se do "Religa-re" com novas roupagens.
Não há como o homem negar este sentimento!
Ou, em outras palavras que têm mais a ver comigo, não dá pra viver sem Deus.
Paz!
Mais uma voz sensata contra a idiotice messiânica às avessas de Dawkins e sua turma de "iluminados".
A religião tem muita coisa boa a oferecer: sentido de comunidade, libertação de vícios que matam, a busca por uma moral elevada e de uma ética cidadã, além é claro, desse sentimento de perceber-se menino que precisa do Pai Celestial para andar pois o racionalismo ateísta não gosta de nos dar a mão para nos ajudar a atravesar a rua.
Mas se esse "novo ateísmo" 2.0 não for agregador, inclusive para com os ortodoxos religiosos, ele será apenas uma versão mal feita do ateísmo darwkiniano que já ficou ultrapassado.
Levi esta busca por algo maior mais intenso um querer por aquilo que preenche sempre existirá no ser humano.
Enquanto esta "realização plena" não acontecer sempre existirá a busca pelo "re-ligare" a algo que nos transcende e que por si só é sempre inexplicável.
é uma busca pela ideia melho pela forma de viver melhor de pensar melhor. Somos e seremos uma eterna criança querendo encontrar no Pai uma resposta que não temos.
Pai porque isso? Porque aquilo? Não entendi, pai? rsrsrs
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