05 dezembro 2013

Entre o Opaco e o Transparente



Como nunca, a nossa complexa sociedade vem persistindo em transformar àquilo que para ela é: opaco ou obscuro em algo transparente. E, como sempre, seguindo a lógica física, se quer encontrar a causa da tal opacidade.

A normatividade elegeu a transparência como ideal a ser alcançado. O chavão ― “primo por uma forma de vida transparente” ― na pós-modernidade passou a ser banalizado. Está todo mundo desejando se enquadrar nesse perfil. 

Vladimir Safatle, psicanalista, professor de filosofia da PUC e colunista da Folha de São Paulo, em seu livro, “Cinismo e Falência da Crítica”, diz algo emblemático sobre essa tão sonhada “forma de vida não opaca”: “Chamamos ‘forma de vida’ um conjunto socialmente partilhado de sistemas de ordenamento e justificação da conduta nos campos do trabalho, desejo e da linguagem. Tais sistemas não são simplesmente resultados de imposições coercitivas, mas da aceitação advinda da crença de eles operarem a partir de padrões desejados de racionalidade”.

Mas a razão não suporta o paradoxo: Como ser transparente se temos em nossa psique conteúdo mentais fora do acesso da consciência? Como ser transparente se “a verdadeira relação intersubjetiva ocorre primeiro entre o sujeito e a sua estrutura peculiar e não entre o sujeito e o outro”.

Na psicanálise Lacaniana, o verdadeiro objeto não está no homem, e sim na estrutura social onde ele está inserido. Vladimir Safatle, em seu livro “Lacan” (pág 42), editado pela “PubliFolha”, diz o seguinte: “o homem não seria agente, mas apenas suporte de estruturas que agem em seu lugar. Como se, por exemplo, os sujeitos não falassem, mas fossem falados pela linguagem, como se não agissem mas fossem agidos pelas estruturas sociais” ― ideia essa, muito comum no estruturalismo de Levi-Strauss, que assim preconizava: “não pretendemos demonstrar como os homens pensam nos mitos (ou através das estruturas, o que neste contexto, dá no mesmo), mas como os mitos pensam nos homens”. Na ótica lacaniana, “se trata de afirmar que as estruturas sociais são autônomas e inconscientes em relação à vontade individual”.

“O ser humano receia descobrir em si características que rejeita em outro ser humano” ― disse o padre Beto (um sacerdote que recentemente questionou a moral católica), no livro, “Verdades Proibidas”, lançado recentemente no mercado. E o que dizer da célebre frase tão usada e abusada ― “minha vida é um livro aberto”? O intento desta assertiva seria o de  mostrar que o sujeito está a dizer toda a verdade do seu ser-em-si? 

Luiz Alfredo Garcia-Roza, no seu livro, Palavra e Verdade, chegou a uma sábia conclusão: “A verdade jamais é dada.[...] A verdade que o filósofo procura é uma verdade que ele previamente colocou lá; como a cartola do mágico: dela só retiramos o coelho que previamente colocamos ali”.

Volto a Vladimir Safatle, estudioso de Lacan, para encerrar esse opúsculo:

“É a partir do outro que eu oriento o meu desejo e minha relação com o mundo social. O homem só encontra em seu meio, imagens das coisas que ele próprio projetou; é sempre em volta da sombra errante do seu próprio ‘eu’ que se estruturarão todos os objetos do seu mundo, assim como sua percepção dos outros indivíduos.”

A tal “verdade transparente” talvez esteja presente quando o sujeito comete um ato falho ― situação em que ele revela o oculto que não queria dizer. O indivíduo concebe o ato falho como um “tropeço”, dizendo que não queria dizer àquilo. Que ele jamais venha esquecer essa célebre frase de Lacan:

“Nossos atos falhos são atos que são bem sucedidos. Palavras que tropeçam, são palavras que confessam.”


Por Levi B. Santos
Guarabira, 05 de dezembro de 2013

Site da Imagem: sobreorisco.blogspot

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