Como
nunca, a nossa complexa sociedade vem persistindo em transformar àquilo que para
ela é: opaco ou obscuro em algo transparente. E, como sempre, seguindo a lógica
física, se quer encontrar a causa da tal opacidade.
A normatividade
elegeu a transparência como ideal a
ser alcançado. O chavão ― “primo por uma
forma de vida transparente” ― na pós-modernidade passou a ser banalizado.
Está todo mundo desejando se enquadrar nesse perfil.
Vladimir
Safatle, psicanalista, professor de filosofia da
PUC e colunista da Folha de São Paulo, em seu livro, “Cinismo
e Falência da Crítica”, diz algo emblemático sobre essa tão
sonhada “forma de vida não opaca”: “Chamamos
‘forma de vida’ um conjunto socialmente partilhado de sistemas de ordenamento e
justificação da conduta nos campos do trabalho, desejo e da linguagem. Tais
sistemas não são simplesmente resultados de imposições coercitivas, mas da
aceitação advinda da crença de eles operarem a partir de padrões desejados de
racionalidade”.
Mas a razão não suporta o paradoxo: Como ser transparente se temos em nossa psique conteúdo mentais
fora do acesso da consciência? Como ser transparente se “a verdadeira relação intersubjetiva ocorre primeiro entre o sujeito e a sua estrutura peculiar e não entre o sujeito e o outro”.
Na
psicanálise Lacaniana, o verdadeiro objeto não está no homem, e sim na estrutura
social onde ele está inserido. Vladimir Safatle, em seu livro “Lacan”
(pág 42), editado pela “PubliFolha”, diz o seguinte: “o homem não seria agente, mas apenas suporte de estruturas que agem em
seu lugar. Como se, por exemplo, os sujeitos não falassem, mas fossem falados
pela linguagem, como se não agissem mas fossem agidos pelas estruturas sociais”
― ideia essa, muito comum no estruturalismo de Levi-Strauss, que assim
preconizava: “não pretendemos demonstrar
como os homens pensam nos mitos (ou através das estruturas, o que neste
contexto, dá no mesmo), mas como os mitos pensam nos homens”. Na ótica
lacaniana, “se trata de afirmar que as
estruturas sociais são autônomas e inconscientes em relação à vontade
individual”.
“O ser humano receia descobrir em si
características que rejeita em outro ser humano” ―
disse o padre Beto (um sacerdote que recentemente questionou a moral
católica), no livro, “Verdades Proibidas”,
lançado recentemente no mercado. E o que dizer da célebre frase tão usada e abusada ― “minha
vida é um livro aberto”? O intento desta assertiva seria o de mostrar que o sujeito
está a dizer toda a verdade do seu ser-em-si?
Luiz
Alfredo Garcia-Roza, no seu livro, “Palavra
e Verdade”, chegou a uma sábia conclusão: “A verdade jamais é dada.[...] A verdade que o filósofo procura é uma
verdade que ele previamente colocou lá; como a cartola do mágico: dela só
retiramos o coelho que previamente colocamos ali”.
Volto
a Vladimir
Safatle, estudioso de Lacan, para encerrar esse opúsculo:
“É
a partir do outro que eu oriento o meu desejo e minha relação com o mundo
social. O homem só encontra em seu meio, imagens das coisas que ele próprio
projetou; é sempre em volta da sombra errante do seu próprio ‘eu’ que se
estruturarão todos os objetos do seu mundo, assim como sua percepção dos outros
indivíduos.”
A
tal “verdade transparente” talvez esteja presente quando o sujeito comete um ato falho ― situação em que ele revela
o oculto que não queria dizer. O indivíduo concebe o ato falho como um “tropeço”, dizendo que não queria dizer àquilo. Que
ele jamais venha esquecer essa célebre frase de Lacan:
“Nossos
atos falhos são atos que são bem sucedidos. Palavras que tropeçam, são palavras
que confessam.”
Por Levi B. Santos
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