20 outubro 2014

Maquiavel e a Corrupção




Acredito que no Brasil nunca se falou tanto em corrupção, quanto vem ocorrendo nesta campanha presidencial entre Dilma e Aécio. Já não se suporta mais tanta lavagem de roupa suja sendo exibida pelos candidatos nos meios de comunicação ― um verdadeiro “vale tudo”, rotulado como “debate de ideias”, entre dois “vendedores de bondades” postulantes ao cargo máximo da república.

Não há como deixar de recorrer ao famoso conselheiro dos príncipes da idade média ― o italiano Nicolau Maquiavel (1469 ―1527) ―, para se compreender bem a agressividade e os desaforos trocados entre os dois meliantes.

O filósofo e historiador americano e ex-consultor do Conselho de Segurança dos EUA, Michael A. Ledeen, em seu livro ― “Maquiavel e a Liderança Moderna” ― mostra de forma inteligível o quanto os lideres políticos contemporâneos, com a sua tendência em perdoar os grandes erros de todo o mundo, estão se descuidando daquilo que preconizava Nicolau Maquiavel.

O autor de “O Príncipe” (o preferido de Napoleão), em suas lições, falava sobre a importância de punir os grandes malfeitores de uma forma a mais dramática possível, para que influísse no estado psicológico do povo. Sobre o efeito da punição, diz Michael A. Leeden (página 156/157) de seu livro: “Em primeiro lugar, o povo sente um assombro reverente pela violência do ato, que derruba por terra algum personagem poderoso. Isso lhes mostra que mesmo os mais poderosos estão sujeito à justiça da Lei [...]. O segundo elemento psicológico é a ‘satisfação’, o tipo de catarse por que passa à platéia enquanto assiste uma tragédia clássica. [...] Nossos expurgos periódicos de políticos corruptos são exatamente o tipo de coisa que Maquiavel tinha em mente, seja Watergate nos EUA, a destruição da velha classe política italiana, ou a humilhação de políticos e gerentes no Japão.”

O autor de “Maquiavel e a Liderança Moderna” faz ver que os conselhos de Maquiavel não estão desatualizados, foram apenas substituídos por outra forma de pena. Afirma ele: “Hoje ao invés de tirar a vida se destrói a reputação e a carreira dos corruptos, mas o efeito sobre o público é o mesmo, especialmente porque muitos de nossos carrascos modernos são jornalistas e comentaristas de TV que proporcionam o palco necessário e levam o drama a uma grande platéia. Não há nada que lembre tão eficazmente ao povo que seus líderes precisam agir dentro dos limites legais quanto botar na cadeia alguns homens poderosos que se acreditavam acima da lei ou destruí-los por meio do escândalo”.

Em tempos de maquiagem de contas públicas, lavagem da dívida do país para patrocinar superávits mentirosos, diante de bate-bocas com alto potencial demagógico e acusações sem limites entre debatedores guiados por marqueteiros de ocasião, torna-se imperativo registrar uma magistral fala de Tocqueville, que tem muito a ver com essa trágica palhaçada de atores “mal” treinados, montada nos sofisticados palcos de nossos principais canais de Televisão para elevar a audiência e o faturamento das emissoras.  

O povo nunca penetrará no escuro labirinto das intrigas palacianas e sempre terá dificuldade em perceber a torpeza que espreita sob os modos elegantes, os gostos refinados e a linguagem graciosa. Contudo pilhar a bolsa do povo e vender os favores do Estado são artes que o mais ordinário vilão compreende e espera praticar por sua vez.”

Por último, quero aqui ressaltar o emblemático epílogo da obra de Michael A. Ladeen (página 179):

“As regras de Maquiavel se apóiam numa claríssima visão da natureza humana. Se você acha que as pessoas são essencialmente boas e, quando deixadas por conta própria, criarão comunidades amorosas e bons governos, você nada aprendeu com ele”.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 20 de outubro de 2014

16 outubro 2014

Tempos em Que a Pureza Pode Ser Fatal





Maximilien de Robespierre (1758 ―1794), líder da Revolução Francesa que, sob o lema “liberdade igualdade e fraternidade”, encantou o mundo de sua época, defendendo com toda tenacidade a República e o seu ideal de democracia social.  

Ontem (dia 15), na coluna de Mônica Bergamo (Folha de São Paulo), Walter Feldman ― coordenador da campanha de Marina Silva à Presidência da República ― disse algo profundamente filosófico para reflexão de todos: a pureza não existe nem em nossas vidas”.

A pretensão de ser um "ser puro" foi explorada ao máximo pelos dois candidatos à Presidência de nossa República. Passaram cerca de duas horas em rede nacional pela TV Bandeirante trocando farpas e desaforos que nada têm a ver com o termo DEBATE. 

Não poderia deixar de destacar, aqui, o que Robespierre, provavelmente desiludido e pouco antes de ser guilhotinado, deixou escrito. Disse ele:

“Quando é que o povo será educado? Quando tiver pão suficiente para comer, quando os ricos e o governo deixarem de subornar penas e línguas traiçoeiras para enganá-lo... Quando acontecerá? Nunca”. (trecho de “Pureza Fatal” na VEJA de 11 de  Novembro de 2009)

Comentando, ontem (dia 15), a digladiação entre integrantes da Rede Sustentabilidade, Walter Feldman, coordenador da campanha de Marina, aconselhou a todos digladiadores de ocasião lerem o livro “Pureza Fatal” ― obra que fala de como a pretensa pureza de Robespierre levou a França ao terror, com ele destruindo seus próprios companheiros.

Para quem não lembra, o próprio Robespierre, confundindo a realidade com seus ideais e desejos, assumiu o papel de um ser puro, uma espécie de sacerdote. Mal sabia que estava contaminado por sintomas de esquizofrenia auditiva em que “vozes religiosas” sopravam aos seus ouvidos: “impeça qualquer defesa diante do Tribunal Revolucionário!” 

Em obediência aos ditames de uma pureza que a religião persegue, o defensor da “liberdade, igualdade e fraternidade” ordenou a execução dos adversários da revolução francesa. Todos sabem no que deu a “Pureza Suprema”: Robespierre e a sonhada república fundiram-se em um único e mesmo tirano.

O livro Pureza Fatal ― Robespierre e a Revolução Francesa, de Ruth Scurr, nos remete a refletir sobre as picuinhas, bajulações, charlatanismos e lavagens de roupa suja que, hoje, sob o rótulo de debate entre candidatos à Presidência da República, invadem os nossos lares e tiram o nosso sono.

Como todos sabem, e a religião ratifica, o “dom de iludir” é muito forte, e a platéia raramente resiste à tentação de dar uma espiada no desempenho dos artistas em cena. Já se fala que o próximo debate entre Aécio e Dilma baterá todos os recordes de audiência. Indubitavelmente teremos mais uma reprise de troca de acusações e tiradas de efeito: cada um querendo ser mais puro e mais transparente. No fundo, os debatedores sabem que devem seguir a estratégia  maquiavélica: atenção máxima para não cometer sincericídio (“ato falho” ― revelar verdades inconvenientes que deveriam permanecer ocultas).

Dom de Iludir” ― fenomenal canção do grande letrista da MPB, Caetano Veloso, define de forma precisa e poética o “Divino Poder de Iludir”. Não deixe de conferir essa emblemática música caetaneana, caro leitor/eleitor. E se quiser (e cai bem), substitua a palavra “mulher”(da letra da modinha) por “revolucionário”, “reformador”, “salvador da pátria”, “governo novo-ideias novas”, etc.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 16 de outubro de 2014

05 outubro 2014

O Estado e o Uso do Papel Higiênico



Na França, Luis XIV, apelidado de “Rei Sol” cunhou a célebre frase: “O Estado Sou Eu”, que resumia bem o poder absoluto que encarnava em seu tempo (1638 ― 1715).

É em época de eleições que postulantes a governo dos estados e da presidência do Brasil revestem-se da onipotência presente em Luis XIV. De lá para cá, o espírito que movia o venerado rei Francês, virou uma obsessão irremediável, particularmente, desde os tempos imemoriais da forçada “proclamação da República” pelo marechal Deodoro da Fonseca.

Como é do conhecimento de todos, o Estado Brasileiro se imiscui em todas as áreas de nossa vida, instituindo normas, regras e métodos sobre como viver e se comportar de acordo com o que pensa ser bom e politicamente correto para si.

O Estado, na falsa ilusão de fornecer proteção à população, chega a se meter onde não devia: tentando regulamentar até os hábitos ou preferências do indivíduo. Quando muitos, hoje (dia 05), são obrigados a sufragar nas urnas nomes que mal conhecem para reger seus destinos, nada melhor que ler a última crônica que João Ubaldo fez antes de partir dessa para outra.

A genial crônica desse fenomenal romancista tem por título, “O Correto Uso do Papel Higiênico”. Deixo-a abaixo transcrita para a reflexão do sofrido e idealista eleitor brasileiro que, neste domingo(dia 05), sai da tranqüilidade de sua casa para, segundo as leis do país, exercer seu suposto direito de cidadania:

"O correto uso do papel higiênico"
Última crônica escrita pelo imortal da Academia de Letras, João Ubaldo (1941 ― 2014), publicada no jornal “O Globo” em 18 de julho de 2014:

“O título acima é meio enganoso, porque não posso considerar-me uma autoridade no uso de papel higiênico, nem o leitor encontrará aqui alguma dica imperdível sobre o assunto. Mas é que estive pensando nos tempos que vivemos e me ocorreu que, dentro em breve, por iniciativa do Executivo ou de algum legislador, podemos esperar que sejam baixadas normas para, em banheiros públicos ou domésticos, ter certeza de que estamos levando em conta não só o que é melhor para nós como para a coletividade e o ambiente. Por exemplo, imagino que a escolha da posição do rolo do papel higiênico pode ser regulamentada, depois que um estudo científico comprovar que, se a saída do papel for pelo lado de cima, haverá um desperdício geral de 3.28 por cento, com a consequência de que mais lixo será gerado e mais árvores serão derrubadas para fazer mais papel. E a maneira certa de passar o papel higiênico também precisa ter suas regras, notadamente no caso das damas, segundo aprendi outro dia, num programa de tevê.
Tudo simples, como em todas as medidas que agora vivem tomando, para nos proteger dos muitos perigos que nos rondam, inclusive nossos próprios hábitos e preferências pessoais. Nos banheiros públicos, como os de aeroportos e rodoviárias, instalarão câmeras de monitoramento, com aplicação de multas imediatas aos infratores. Nos banheiros domésticos, enquanto não passa no Congresso um projeto obrigando todo mundo a instalar uma câmera por banheiro, as recém-criadas Brigadas Sanitárias (milhares de novos empregos em todo o Brasil) farão uma fiscalização por escolha aleatória. Nos casos de reincidência em delitos como esfregada ilegal, colocação imprópria do rolo e usos não autorizados, tais como assoar o nariz ou enrolar um pedacinho para limpar o ouvido, os culpados serão encaminhados para um curso de educação sanitária. Nova reincidência, aí, paciência, só cadeia mesmo.
Agora me contam que, não sei se em algum estado ou no país todo, estão planejando proibir que os fabricantes de gulodices para crianças ofereçam brinquedinhos de brinde, porque isso estimula o consumo de várias substâncias pouco sadias e pode levar a obesidade, diabetes e muitos outros males. Justíssimo, mas vejo um defeito. Por que os brasileiros adultos ficam excluídos dessa proteção? O certo será, para quem, insensata e desorientadamente, quiser comprar e consumir alimentos industrializados, apresentar atestado médico do SUS, comprovando que não se trata de diabético ou hipertenso e não tem taxas de colesterol altas. O mesmo aconteceria com restaurantes, botecos e similares. Depois de algum debate, em que alguns radicais terão proposto o Cardápio Único Nacional, a lei estabelecerá que, em todos os menus, constem, em letras vermelhas e destacadas, as necessárias advertências quanto a possíveis efeitos deletérios dos ingredientes, bem como fotos coloridas de gente passando mal, depois de exagerar em comidas excessivamente calóricas ou bebidas indigestas. O que nós fazemos nesse terreno é um absurdo e, se o estado não nos tomar providências, não sei onde vamos parar.
Ainda é cedo para avaliar a chamada lei da palmada, mas tenho certeza de que, protegendo as nossas crianças, ela se tornará um exemplo para o mundo. Pelo que eu sei, se o pai der umas palmadas no filho, pode ser denunciado à polícia e até preso. Mas, antes disso, é intimado a fazer uma consulta ou tratamento psicológico. Se, ainda assim, persistir em seu comportamento delituoso, não só vai preso mesmo, como a criança é entregue aos cuidados de uma instituição que cuidará dela exemplarmente, livre de um pai cruel e de uma mãe cúmplice. Pai na cadeia e mãe proibida de vê-la, educada por profissionais especializados e dedicados, a criança crescerá para tornar-se um cidadão modelo. E a lei certamente se aperfeiçoará com a prática, tornando-se mais abrangente. Para citar uma circunstância em que o aperfeiçoamento é indispensável, lembremos que a tortura física, seja lá em que hedionda forma — chinelada, cascudo, beliscão, puxão de orelha, quiçá um piparote —, muitas vezes não é tão séria quanto a tortura psicológica. Que terríveis sensações não terá a criança, ao ver o pai de cara amarrada ou irritado? E os pais discutindo e até brigando? O egoísmo dos pais, prejudicando a criança dessa maneira desumana, tem que ser coibido, nada de aborrecimentos ou brigas em casa, a criança não tem nada a ver com os problemas dos adultos, polícia neles.
Sei que esta descrição do funcionamento da lei da palmada é exagerada, e o que inventei aí não deve ocorrer na prática. Mas é seu resultado lógico e faz parte do espírito desmiolado, arrogante, pretensioso, inconsequente, desrespeitoso, irresponsável e ignorante com que esse tipo de coisa vem prosperando entre nós, com gente estabelecendo regras para o que nos permitem ver nos balcões das farmácias, policiando o que dizemos em voz alta ou publicamos e podendo punir até uma risada que alguém considere hostil ou desrespeitosa para com alguma categoria social. Não parece estar longe o dia em que a maioria das piadas será clandestina e quem contar piadas vai virar uma espécie de conspirador, reunido com amigos pelos cantos e suspeitando de estranhos. Temos que ser protegidos até da leitura desavisada de livros. Cada livro será acompanhado de um texto especial, uma espécie de bula, que dirá do que devemos gostar e do que devemos discordar e como o livro deverá ser comentado na perspectiva adequada, para não mencionar as ocasiões em que precisará ser reescrito, a fim de garantir o indispensável acesso de pessoas de vocabulário neandertaloide. Por enquanto, não baixaram normas para os relacionamentos sexuais, mas é prudente verificar se o que vocês andam aprontando está correto e não resultará na cassação de seus direitos de cama, precatem-se.”

P.S.:
Fica a cargo do eleitor, advinhar qual candidato (ou candidatos) à presidência da república, tem na alma, a intenção que o texto maravilhosamente revela.

Guarabira, 05 de outubro de 2014

Site da Imagem: tribunadaimprensaonline