16 outubro 2014

Tempos em Que a Pureza Pode Ser Fatal





Maximilien de Robespierre (1758 ―1794), líder da Revolução Francesa que, sob o lema “liberdade igualdade e fraternidade”, encantou o mundo de sua época, defendendo com toda tenacidade a República e o seu ideal de democracia social.  

Ontem (dia 15), na coluna de Mônica Bergamo (Folha de São Paulo), Walter Feldman ― coordenador da campanha de Marina Silva à Presidência da República ― disse algo profundamente filosófico para reflexão de todos: a pureza não existe nem em nossas vidas”.

A pretensão de ser um "ser puro" foi explorada ao máximo pelos dois candidatos à Presidência de nossa República. Passaram cerca de duas horas em rede nacional pela TV Bandeirante trocando farpas e desaforos que nada têm a ver com o termo DEBATE. 

Não poderia deixar de destacar, aqui, o que Robespierre, provavelmente desiludido e pouco antes de ser guilhotinado, deixou escrito. Disse ele:

“Quando é que o povo será educado? Quando tiver pão suficiente para comer, quando os ricos e o governo deixarem de subornar penas e línguas traiçoeiras para enganá-lo... Quando acontecerá? Nunca”. (trecho de “Pureza Fatal” na VEJA de 11 de  Novembro de 2009)

Comentando, ontem (dia 15), a digladiação entre integrantes da Rede Sustentabilidade, Walter Feldman, coordenador da campanha de Marina, aconselhou a todos digladiadores de ocasião lerem o livro “Pureza Fatal” ― obra que fala de como a pretensa pureza de Robespierre levou a França ao terror, com ele destruindo seus próprios companheiros.

Para quem não lembra, o próprio Robespierre, confundindo a realidade com seus ideais e desejos, assumiu o papel de um ser puro, uma espécie de sacerdote. Mal sabia que estava contaminado por sintomas de esquizofrenia auditiva em que “vozes religiosas” sopravam aos seus ouvidos: “impeça qualquer defesa diante do Tribunal Revolucionário!” 

Em obediência aos ditames de uma pureza que a religião persegue, o defensor da “liberdade, igualdade e fraternidade” ordenou a execução dos adversários da revolução francesa. Todos sabem no que deu a “Pureza Suprema”: Robespierre e a sonhada república fundiram-se em um único e mesmo tirano.

O livro Pureza Fatal ― Robespierre e a Revolução Francesa, de Ruth Scurr, nos remete a refletir sobre as picuinhas, bajulações, charlatanismos e lavagens de roupa suja que, hoje, sob o rótulo de debate entre candidatos à Presidência da República, invadem os nossos lares e tiram o nosso sono.

Como todos sabem, e a religião ratifica, o “dom de iludir” é muito forte, e a platéia raramente resiste à tentação de dar uma espiada no desempenho dos artistas em cena. Já se fala que o próximo debate entre Aécio e Dilma baterá todos os recordes de audiência. Indubitavelmente teremos mais uma reprise de troca de acusações e tiradas de efeito: cada um querendo ser mais puro e mais transparente. No fundo, os debatedores sabem que devem seguir a estratégia  maquiavélica: atenção máxima para não cometer sincericídio (“ato falho” ― revelar verdades inconvenientes que deveriam permanecer ocultas).

Dom de Iludir” ― fenomenal canção do grande letrista da MPB, Caetano Veloso, define de forma precisa e poética o “Divino Poder de Iludir”. Não deixe de conferir essa emblemática música caetaneana, caro leitor/eleitor. E se quiser (e cai bem), substitua a palavra “mulher”(da letra da modinha) por “revolucionário”, “reformador”, “salvador da pátria”, “governo novo-ideias novas”, etc.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 16 de outubro de 2014

2 comentários:

guiomar barba disse...

Levi, você é um analista "frio" e inteligente.

Parabéns!

Levi B. Santos disse...

A letra poética de Caetano Veloso saiu bem melhor e representativa do que o texto, desde que se substitua a palavra “Mulher”, por “Candidata” ou “Candidato”. Como diz esses trechos magistrais da canção:

“Você diz a verdade/ A verdade é o seu dom de iludir/ Como pode querer/ Que a mulher(candidata ou candidato) vá viver sem mentir”.
“Você faz, você quer, você tem”


Dom de Iludir
(Caetano Veloso)

Não me venha falar na malícia
De toda mulher (CANDIDATA ou CANDIDATO)
Cada um sabe a dor e a delícia
De ser o que é

Não me olhe
Como se a polícia andasse atrás de mim
Cale a boca e não cale na boca
Notícia ruim

Você sabe explicar
Você sabe entender tudo bem
Você está, você é
Você faz, você quer, você tem

Você diz a verdade
A verdade é o seu dom de iludir
Como pode querer
Que a mulher vá viver sem mentir