20 julho 2015

Tanto em Atenas Quanto no Brasil





Atenas era a capital do mundo da política, da cultura e da filosofia quatrocentos anos antes de Saulo de Tarso, fundador do cristianismo, fazer menção a um “corpo corruptível” , um corpo que não era imune ao vírus maléfico da corrupção.

Do livro de Eduardo Giannetti, “Auto-Engano”, um formidável e irrefutável trecho do capítulo “Dissimulação Social e Parcialidade Moral” sobre a natureza corruptível do homem, replico aqui, à guisa de reflexão:

O fato é que, por mais diversificada e heterogênea que se conceba a experiência psicocultural da humanidade no longo percurso histórico desde a conquista da linguagem, é difícil imaginar uma sociedade na qual os indivíduos não prefiram ser respeitados a ser desprezados por aqueles com quem vivem, e não prefiram sentir orgulho a sentir vergonha em serem quem são. Mesmo o membro de uma comunidade ultratradicional — alguém que, digamos nem sequer se pense a si próprio como indivíduo enquanto obedece cegamente às normas e tabus de sua tribo ― não escapam de ter de cuidar, vez por outra, de sua imagem e reputação aos olhos dos demais. Mesmo ele só poderá sentir de uma forma individual e privada, no silêncio de sua mente, o terror secreto de que os outros membros da comunidade cheguem a descobrir a sua eventual ― capciosa ou inadvertida ― transgressão da norma”.

Que fique claro que o autor de “Auto-engano” não está fazendo uma apologia à corrupção, tanto é que na contracapa de seu emblemático livro, o editor faz essa enfática declaração:

Para o nosso bem ou nossa ruína, o auto-engano permeia grande parte das opções e julgamentos que fazemos. […] Eduardo Giannetti faz aqui uma reflexão profunda e original sobre a necessidade que tem o ser humano de iludir a si mesmo,”

O cinismo substantivo e dissimulado existe, é inegável, mas o auto-engano e a racionalização sincera também.” afirmou reticente o autor, neste mesmo capítulo, mais a frente.

Quando o oportunismo imediatista que faz com que membros dos poderes de nossa república se enfrentem numa querela sem fim, procurando cada um defender-se dos contornos imprecisos de suas próprias sombras, refletidas no espelho do outro, faz mister citar o sábio grego, Tucídides (460 a.C), pela pena do historiador irlandês, Eric Robertson Dodds:


A tremenda falta de respeito às leis que ocorreu por toda a cidade de Atenas durante a guerra de Peloponeso teve início com essa epidemia, pois, à medida que os ricos morriam e os que antes nada possuíam tomavam conta de suas posses, as pessoas começaram a ver diante dos seus olhos reversões tão abruptas que passaram a fazer livremente coisas que antes teriam ocultado ― coisas que jamais admitiriam fazer por prazer. E, desse modo, vendo que suas vidas e suas posses eram igualmente efêmeras, eles justificavam a sua busca de satisfação rápida em prazeres fáceis. Quanto a fazer o que era considerado nobre, ninguém se daria a esse trabalho, visto que era incerto se morreriam ou não antes de realizá-lo. Mas o prazer do momento e tudo que contribuía para isso tornou-se o padrão de nobreza e utilidade. Ninguém recuava com assombro, seja por temor dos deuses ou das leis dos homens: não dos deuses, visto que os homens concluíram não fazer diferença cultuá-los ou não, já que todos pereceriam da mesma forma; e não das leis, visto que ninguém esperava viver até o momento de ser julgado e punido por seus crimes. Mas eles sabiam que uma sentença muito mais severa pairava agora sobre as suas cabeças, e antes que ela desabasse eles tinham alguma razão para tirar algum prazer da vida.”


O texto acima, de Tucídides, fala do “modus vivendi”, da ganância, da iniquidade e do desrespeito às leis na sociedade Ateniense de dois mil e quatrocentos anos atrás. A sua fala continua tão atual e intimamente ligada à nossa corrupta republiqueta que, sem tirar nem por, poderia ser estampada em nossos principais veículos de imprensa, como a crônica do dia.


Dando um pulo da Grécia (em apuros no momento) para o Brasil pré-republicano de 1882, vamos encontrar um emblemático conto de Machado de Assis “A Sereníssima República”. Como mostra o livro, “Retorno ao Republicanismo” de Sérgio Cardoso, Machado se vale da vida das aranhas, para definir as artimanhas do mundo político de seu tempo, que em nada difere do nosso:


Antes de significar desvio ou roubo do patrimônio público, a corrupção que cabe no conto de Machado significa degradação dos costumes” diz Sérgio Cardoso, bem no início de sua narrativa.


Não poderia deixar de trazer à tona um imperdível trecho do conto machadiano “A Sereníssima República” carregado de humor satírico, retrato fiel da hipocrisia presente nos criadores e gestores dos partidos políticos (sopa de letrinhas da atualidade):


Uns entendem que a aranha deve fazer as teias com fios retos, é o partido retilíneo; outros pensam, ao contrário, que as teias devem ser trabalhadas com fios curvos, é o partido curvilíneo. Há ainda um terceiro partido, misto e central, com este postulado: as teias devem se urdidas de fios retos e fios curvos, é o partido reto-curvilíneo; e finalmente uma quarta divisão política, o partido anti-reto-curvilíneo, que fez tábua rasa de todos os princípios litigantes, e propõe o uso de umas teias urdidas de ar, obra transparente e leve em que não há linhas de espécie alguma.”


Sérgio Cardoso, no seu livro, faz uma conclusão que, a meu ver, explica muito bem o que se esconde por trás das crises fomentadas nos dias atuais, onde os destinados a permanecerem no andar de baixo são os que verdadeiramente pagam o pato. Diz ele:


Mais do que isso, talvez, o efeito da corrupção política acentua as condições da maioria ao argumento, na aparência, irrefutável de que parece tolice obedecer às regras quando se espera que os demais venham a obedecê-las e quem, porventura, deixa escapar uma chance de obter algum tipo de vantagem ou benefício pessoal nessa sociedade, ainda que trapaceando suas normas, passa necessariamente por otário”.


Em grego, a POLIS deriva de murar. Tanto na Atenas de Tucídides e Péricles quanto no Brasil de hoje, a corrosão desse muro de separação entre o privado e o bem público tem sido fator prepoderante na degradação da sociedade.


Não há como negar que o conluio criminoso entre a esfera pública e o interesse privado, nos últimos tempos, tem sido a causa do assombroso nível de corrupção que assola, de uma maneira geral, as nossas instituições.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 20 de julho de 2015

11 julho 2015

Fragmentos Sobre Ressentimento




Na Literatura, Política, Psicologia e Sociologia muito já se debateu e se escreveu sobre “ressentimento”. Foi no livro “Aurora”(página 237), que Nietzsche expôs, de forma simples e sem rodeios, o que vai no âmago da alma do ressentido:

Aquele que é incapaz de realizar certa coisa, acaba por exclamar cheio de revolta: 'Que o mundo inteiro pereça!'. Este sentimento odioso é o cúmulo da inveja que gostaria de deduzir: 'uma vez que não posso ter uma coisa, o mundo inteiro não deve ter nada! O mundo inteiro deve não ser!”.

Na atualidade, esse sintoma social, como uma colante vestimenta, anda tão arraigado em nossas vidas, que já o percebemos como coisa mais natural do mundo. Mesmo sabendo que o ressentimento nos prejudica, recusamos sair debaixo de seu guarda-chuva protecional. A doutora e psicanalista da PUC (São Paulo), Maria Rita kehl, logo na introdução de seu livro “Ressentimento” (Editora Casa do Psicólogo) deixou uma pérola de definição sobre o que seria esse afeto que grassa como uma epidemia nos mais variados relacionamentos interpessoais.

Ressentir-se significa atribuir a um outro a responsabilidade pelo que nos faz sofrer. Um outro a quem delegamos, em um momento anterior, o poder de decidir por nós, de modo a poder culpá-lo do que venha a fracassar. […] O ressentido não luta para recuperar àquilo que cedeu e sim para que o outro reconheça o mal que lhe fez”.

Em todos os setores do mundo contemporâneo, o ressentimento se encontra sutilmente imiscuído na quase totalidade dos conflitos sociais. Para o ressentido àquele que não duvida de suas certezas sintomáticas , o problema está sempre no outro, seu superior na escala hierárquica.

Por sua vez, Jacques Lacan, ao fazer uma releitura de Freud, percebeu que o ressentido, no fundo, “não quer esquecer o objeto perdido”, razão pela qual mantém sua queixa indefinidamente. Ele faz da lamentação seu maior gozo.

Hegel, na dialética do Senhor (àquele que conseguiu ser vitorioso arriscando a própria vida) e do Servo (àquele que abdicou da guerra para não perder a vida) mostra que o ressentido, é o eternamente queixoso que, para compensar o que perdeu, vive inconscientemente adiando sua vingança. A agressividade daquele que se tornou servo para preservar a vida, retorna sobre a forma de ressentimento, afeto este expresso na forma de uma acusação moral contra o seu Senhor (representação daqueles que estão na escala social mais alta).

Discorrendo sobre o ressentimento na esfera política da sociedade brasileira, Maria Rita Kehl, no trecho abaixo, nada mais faz que ressoar o que Nietzsche tão bem dissecou sobre este ambíguo afeto em sua emblemática obra - “Genealogia da Moral”:

Ora, a origem do ressentimento reside justamente no apartamento entre os sujeitos e sua própria potência de agir. Nesses termos, a decepção com as promessas não-cumpridas não predispõe à ação; ela produz um exército de queixosos passivos, prontos a (se)realinhar ao que existe de pior entre os conservadores, como forma de reação amarga e estéril, carregada de desejos de vingança”.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 11 de julho de 2015