Nos
dias atuais, o progresso tecnológico e científico vem trazendo
grandes benefícios, e algumas preocupações que são importantes
trazê-las à tona. Na Medicina esse avanço científico chegou ao
ponto de, para dar conta do que se detecta, se criar
sub-especialidades dentro de especialidades. O ser humano, para ser
esquadrinhado nos mínimos detalhes, passou a ser dividido em partes
cada vez menores. Cada parte com seus tipos de exames e especialistas
característicos.
Já
há quem considere que estamos a viver a era da Saúde Perfeita, ou a
era da Doença da Saúde Perfeita. Cada vez mais, pessoas jovens
estão correndo à procura de saber de que adoecerão ou que problema
de saúde irão ter na terceira idade.
Estávamos
acostumados a procurar o médico quando não nos sentíamos bem.
Hoje, a medicina investiga minuciosamente recônditos do nosso corpo,
e já permite o que há dez anos era totalmente impensável.
Potentes máquinas de mapeamento corporal nas mãos de pessoal
habilitado são responsáveis por um fenômeno típico do nosso
tempo: a prévia feitura de um diagnóstico e prognóstico sobre
determinada doença que iria, por exemplo, aparecer daqui a mais ou
menos dez anos.
Quem
diria que chegaria esse tempo: o de se fazer retiradas de órgãos
sadios para evitar doenças graves futuras. Marcadores genéticos já
identificam quais tipos de câncer que com o passar dos anos, vão
aparecer no indivíduo. Recentemente, uma atriz famosa dos EUA, cujos
exames genéticos davam 50% de possibilidade de ter câncer de
ovários e 87% de câncer de mama, optou por duas cirurgias radicais:
retiradas das mamas e dos ovários [Vide
Link]
Como
se comportará, então, o indivíduo diante do anúncio de uma doença
da qual ela ainda não sofre?
O
renomado psicanalista e professor da USP, Jorge Forbes, faz uma
pequena alusão sobre como o sujeito reagiria diante de um
diagnóstico prévio de uma doença grave que num futuro próximo o
acometeria. No capítulo ―
“A Psicanálise Além de Sua Clínica” ─,
de seu recente livro, “Inconsciente
e Personalidade” (Editora Manole), o autor discorre sobre o
doente em face dessa nova realidade:
“...passado
um primeiro momento de raiva, quase sempre, a pessoa escolhe
alienar-se no 'sujeito-suposto-saber' do imaginário social, ou em
outros termos, em um sofrimento prêt-à-porter. [...]O sujeito deixa
a porta aberta a dois problemas. Primeiro, resignando-se, ele
antecipa o sofrimento e facilita por essa antecipação, o progresso
da doença anunciada. Segundo, do lado da família, justaposta à
resignação surge a compaixão que, sob sua face de virtude esconde
o vício da acomodação indiferente, congelando a situação em um
dueto dor-piedade.”
Em
entrevista (por sinal, muito atacada pela maioria da classe médica)
nas páginas amarelas da revista Veja em novembro de 2014, o
cardiologista italiano, Marco Bobbio, autor da polêmica obra, “O
Doente Imaginado”), discorre sobre a atual obsessão pela
preservação da juventude a qualquer preço. No momento da
entrevista em que foi inquirido sobre se fazia check-aps
e se não tinha medo de um infarte, o especialista, em
questão, deu essa bombástica resposta:
“Não vejo vantagem em fazer
um exame se me sinto muito bem. Tenho 63 anos e, certamente, minhas
artérias não são as de um garoto de 20. Sei que posso ter uma
lesão. Sei também que, seguramente, os exames e procedimentos
médicos não vão me garantir uma sobrevivência serena. Prefiro
viver sem saber. Em minha opinião, não faz sentido eu me sentir bem
e ir ao médico para tentar saber quando vou estar mal.”
[Vide
entrevista na Íntegra]
Quanto
à obsessão por tratamentos radicais para prevenir doenças que
poderiam aparecer na idade provecta, estamos apenas engatinhando.
Imaginem o que pode acontecer com a descoberta de remédios
milagrosos num futuro próximo, com a ciência a desenvolver
tratamentos personalizados interferindo no genoma humano, anulando,
em consequência, a falha genética responsável pelo aparecimento de
uma moléstia antes incurável?
Imagino
que a celeuma pela cura antes de a doença aparecer será intensa.
Mas, ao mesmo tempo penso que muitos velhos de 80 e 90 anos, em um
mundo frívolo e altamente mecanizado, mais do que nunca,
argumentarão que estão cansados de viver.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
12 de outubro de 2015