12 outubro 2015

A Doença da Saúde Perfeita





Nos dias atuais, o progresso tecnológico e científico vem trazendo grandes benefícios, e algumas preocupações que são importantes trazê-las à tona. Na Medicina esse avanço científico chegou ao ponto de, para dar conta do que se detecta, se criar sub-especialidades dentro de especialidades. O ser humano, para ser esquadrinhado nos mínimos detalhes, passou a ser dividido em partes cada vez menores. Cada parte com seus tipos de exames e especialistas característicos.

Já há quem considere que estamos a viver a era da Saúde Perfeita, ou a era da Doença da Saúde Perfeita. Cada vez mais, pessoas jovens estão correndo à procura de saber de que adoecerão ou que problema de saúde irão ter na terceira idade.

Estávamos acostumados a procurar o médico quando não nos sentíamos bem. Hoje, a medicina investiga minuciosamente recônditos do nosso corpo, e já permite o que há dez anos era totalmente impensável. Potentes máquinas de mapeamento corporal nas mãos de pessoal habilitado são responsáveis por um fenômeno típico do nosso tempo: a prévia feitura de um diagnóstico e prognóstico sobre determinada doença que iria, por exemplo, aparecer daqui a mais ou menos dez anos.

Quem diria que chegaria esse tempo: o de se fazer retiradas de órgãos sadios para evitar doenças graves futuras. Marcadores genéticos já identificam quais tipos de câncer que com o passar dos anos, vão aparecer no indivíduo. Recentemente, uma atriz famosa dos EUA, cujos exames genéticos davam 50% de possibilidade de ter câncer de ovários e 87% de câncer de mama, optou por duas cirurgias radicais: retiradas das mamas e dos ovários [Vide Link]

Como se comportará, então, o indivíduo diante do anúncio de uma doença da qual ela ainda não sofre?

O renomado psicanalista e professor da USP, Jorge Forbes, faz uma pequena alusão sobre como o sujeito reagiria diante de um diagnóstico prévio de uma doença grave que num futuro próximo o acometeria. No capítulo “A Psicanálise Além de Sua Clínica” , de seu recente livro, “Inconsciente e Personalidade” (Editora Manole), o autor discorre sobre o doente em face dessa nova realidade:


...passado um primeiro momento de raiva, quase sempre, a pessoa escolhe alienar-se no 'sujeito-suposto-saber' do imaginário social, ou em outros termos, em um sofrimento prêt-à-porter. [...]O sujeito deixa a porta aberta a dois problemas. Primeiro, resignando-se, ele antecipa o sofrimento e facilita por essa antecipação, o progresso da doença anunciada. Segundo, do lado da família, justaposta à resignação surge a compaixão que, sob sua face de virtude esconde o vício da acomodação indiferente, congelando a situação em um dueto dor-piedade.”



Em entrevista (por sinal, muito atacada pela maioria da classe médica) nas páginas amarelas da revista Veja em novembro de 2014, o cardiologista italiano, Marco Bobbio, autor da polêmica obra, “O Doente Imaginado”), discorre sobre a atual obsessão pela preservação da juventude a qualquer preço. No momento da entrevista em que foi inquirido sobre se fazia check-aps e se não tinha medo de um infarte, o especialista, em questão, deu essa bombástica resposta:


Não vejo vantagem em fazer um exame se me sinto muito bem. Tenho 63 anos e, certamente, minhas artérias não são as de um garoto de 20. Sei que posso ter uma lesão. Sei também que, seguramente, os exames e procedimentos médicos não vão me garantir uma sobrevivência serena. Prefiro viver sem saber. Em minha opinião, não faz sentido eu me sentir bem e ir ao médico para tentar saber quando vou estar mal.” [Vide entrevista na Íntegra]


Quanto à obsessão por tratamentos radicais para prevenir doenças que poderiam aparecer na idade provecta, estamos apenas engatinhando. Imaginem o que pode acontecer com a descoberta de remédios milagrosos num futuro próximo, com a ciência a desenvolver tratamentos personalizados interferindo no genoma humano, anulando, em consequência, a falha genética responsável pelo aparecimento de uma moléstia antes incurável?

Imagino que a celeuma pela cura antes de a doença aparecer será intensa. Mas, ao mesmo tempo penso que muitos velhos de 80 e 90 anos, em um mundo frívolo e altamente mecanizado, mais do que nunca, argumentarão que estão cansados de viver.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 12 de outubro de 2015


06 outubro 2015

Sem “Wi Fi” Não Dá






De há muito ele vinha observando o avanço tecnológico chegando a lugares nunca dantes navegados. O tal do “Wi-Fi” está sempre presente em locais onde há bastante gente com celulares, smartphones tablets e laptops. Agora, o Reverendo pensava com seus botões: Se esse espetacular recurso cibernético está em supermercados, em shoppings, livrarias, restaurantes, consultórios médicos e concessionárias de automóveis, por que não nas igrejas do Senhor?

Quando viu os professores chegarem a um estudo bíblico em sua igreja empurrando carrinhos de supermercados abarrotados de Bíblias, disse para si mesmo: chegou o momento de estabelecer o Wi-Fi em minha igreja. É para já ― pensou de forma altaneira.

Nessa noite não houve estudo. O Pastor mandou todos voltarem com seus carrinhos cheios de bíblias. Um dos irmãos disse que estava transportando cerca de 90 quilos de “Escrituras Sagradas”. É que iríam realizar um mega-estudo sobre as discordâncias nas inúmeras traduções de Bíblias do Mercado Gospel, pois estava havendo uma confusão danada entre as mais de duas mil denominações evangélicas existentes no Brasil, que na dúvida, confabulavam: Será que essa contém a mais verdadeira tradução? Depois, ao lerem outras de interpretação diferente da sua, achavam que deviam mudar. E era aquela celeuma sem fim de traduções bíblicas conflitantes a deixar todo mundo com  o "pé atrás". Havia a Bíblia de Dake, a de Thompson, a de Scofield, a de Jerusalém, a bíblia de Estudo Pentecostal, bíblia de Estudo NVI, bíblia da Mulher, bíblia na Linguagem de Hoje, bíblia de Estudo de Genebra, etc. Para a descrição não ficar tão cansativa, o(a) leitor(a) quer quiser saber mais sobre os tipos de bíblia, basta clicar aqui.

Não foi tão difícil chegar a um acordo sobre a senha do Wi-Fi que seria usada na igreja. A senha seria “DeuséGrande54321”. O reverendo trouxe um texto científico de um renomado instituto de Neuro-Teologia dos EUA, que dizia ter o homem moderno apenas um Giga de memória em seu cérebro, e que os computadores modernos chegavam a ter até 8 gigabytes de potência, ou seja, 800 mais espaço de memória que o do humano. Um fiel que tinha trazido 90 quilos de bíblias em seu carrinho de supermercado ficou de olhos arregalados, quando o reverendo lhe explicou que o conteúdo de todos os livros sagrados em seu poder, bastaria meio megabite de potência de um tablet, para guardá-los todos em sua memória. Ficou deveras contente quando soube que, no site de Busca do Google, só de tipos de orações, existiam mais de vinte mil.

E não é que no Google, existe até uma versão do mais conhecido trecho da bíblia O Salmo 23, bem ao modo da Era Digital [Vide Link: O Google é Meu Pastor”]

O sábio reverendo ao ver, enfim, que a busca da felicidade, em virtude da natureza humana, era baseada no modo TER de existência, passou a aconselhar seus fiéis a não importunarem Deus com coisas que os sites de busca já dão prontinhos a um sutil clique. Ficaria para apelação divina o que não se conseguisse através do Google. Passou a ser obrigatório o uso dos aparelhos digitais pelas crianças no aprendizado nas escolas bíblicas, em pesquisas de assuntos que diziam respeito mais ao fantasioso e religioso mundo infanto-juvenil.

A sua igreja cresceu assustadoramente. Ao ver o ar alegre estampado no rosto e olhos cintilantes dos que ali estavam reunidos em torno da telinha a tomar conhecimento das últimas novidades e milagres da era digital, quem ali chegasse, só poderia concluir que aquele povo tinha algo diferente para oferecer.

No culto das noites de domingo, em que era permitido mandar mensagens, vídeos e fotos para grupos do WhatsApp, numerosos paus de selfies com smartphones em uma de suas extremidades pareciam dançar sobre as cabeças dos fiéis, como se fossem arcos de violinos de uma invisível orquestra sinfônica em ação. Mensagens seguidas de fotos choviam, tais como: “Olha eu aqui a cantar!”, olha eu aqui a tocar!”, “Viu o meu vestido novo?” “Como acha que me saí?”

De início, os opositores do Wi Fi em igrejas reagiram de forma dura, digamos até violenta. Depois, foram se acostumando pouco a pouco com as “maravilhas” do evangelho digital dentro dos templos.

Tempos depois, apareceu um enorme cartaz bem na entrada do templo do reverendo inovador:
A Operadora informa que quem for pego roubando sinal de Wi Fi da Igreja será multado. A reincidência na prática desse vil pecado terá como consequência o alijamento do infrator do rol de membros da 'sancta ecclésia'.”


Por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de outubro de 2015

Link da Imagem: blogspot.com.br/2015/02/10-maneiras-de-se-tirar-uma-selfie-para.html