Ao
ser acusada recentemente pelo bloco governista de que não tinha
isenção para ser relatora do processo de impeachment
da presidente da república no Senado, a senadora Ana
Amélia, do
PP (bancada que fechou questão em favor da saída da presidente),
prontamente respondeu: “Todos
tem lado no Congresso.” (Vide
Link)
A
descoberta da instância psíquica que Freud
denominou inconsciente
golpeou profundamente o conceito de que a vontade é autônoma. O que
ele queria dizer com isso? O pai da psicanálise foi um dos primeiros
a reconhecer nas abordagens analíticas aparentemente
“imparciais” de seus clientes, a presença ocasional de alguns derivativos inconscientes que irrompiam através
do seu profissionalismo, no que ficou conhecido em psicanálise como
“Contratransferência”.
É através da contratransferência que deixamos escapar verdades
inconvenientes que, defensivamente, nós não queríamos que viessem
à tona.
Daniel Kessler de Oliveira,
em seu artigo “Razão
e Emoção no Ato de Julgar”
diz algo para se refletir, principalmente, em meio a um julgamento
jurídico-político como esse do impeachment da presidente: “Durante
muito tempo se tentou racionalizar as decisões judiciais, obviamente
que devemos estar cientes de que atrás deste ato jurídico, existe
uma gama de aspectos subjetivos inerentes a pessoa do julgador, que
não podem ser ignorados, até mesmo pelos graves efeitos concretos
que projetam na vida das pessoas. Durante muito tempo se tentou
racionalizar as decisões através do velho paradoxo: 'Razão X
Emoção', como estas se encontrassem em polos contrapostos e fosse
necessária a eleição entre um e outro.
Para
embasar mais seu trabalho, Daniel
Kessler,
acrescenta um trecho emblemático da lavra de Eugênio
Fachini Neto
sobre a “Função
Jurisdicional e a Subjetividade: “Pois
o juiz é um ser humano e mesmo não querendo, mesmo que não tenha
plena consciência disto, ele não consegue afastar uma enorme carga
de subjetividade na sua função de julgar”. Sobre
essa mesma questão, o mitólogo americano Joseph
Campbell,
numa forma agradavelmente junguiana, fez essa afirmação: “No
reino humano, abaixo do solo do comparativamente ordeiro e pequeno
recanto que chamamos consciência,
encontram-se insuspeitas cavernas de Aladim. Mas não são apenas
joias que lá se encontram, há gênios perigosos também: os poderes
psicológicos inconvenientes ou recalcados que não pensamos ou
ousamos integrar às nossas vidas”.
“Para
driblar a imparcialidade inevitável de todos os possíveis
relatores, o importante é fazer um relatório equilibrado” ―
disse
a senadora Ana
Amélia na
sua recente fala. Do ponto de vista psicanalítico faria mais sentido trocar aqui a expressão "imparcialidade inevitável" por "imparcialidade (des)humana".
A
escolha da relatoria no caso da senadora, obedeceu a um critério
consciente e lógico: das duas maiores bancadas parlamentares é que
sairia o relator do processo de impeachment. Mas qual o manejo que o
julgador fará para fugir da tal contratransferência, sabendo que
pela leitura psicanalítica, a consciência é apenas a ponta de um
iceberg cuja maior porção ou força maior está submergida nas
profundezas obscuras da psique? Não devemos deixar de ressaltar que
em momentos de tensão ou de grave crise, poderosas influências
vindas desse sótão psíquico esquecido afluem para turvar o terreno
já escorregadio da consciência, como estivessem a desmentir a nossa
lógica comum ou utópica de que somos seres imparciais.
Como
em Psicanálise se busca sempre “o
não dito”
oculto na fala do sujeito ou nas entrelinhas do que ele falou,
pergunta-se: Será que a expressão “driblar
a nossa inevitável imparcialidade”
(especialmente
o termo ‒
“driblar”)
entendida de forma metafórica ou psicológica, não teria o
significado de uma jogada de efeito ou uma finta para aplausos de uma
exigente torcida?
Por Levi B. Santos