O
Semanário de maior circulação das Américas (de 19 de abril),
publicou um enorme brasão de Nossa República tomando quase toda a
extensão de sua capa, com os seguintes dizeres em sua faixa
inferior: “República Federativa da Odebrecht”.
Talvez
não saiba o(a) leitor(a) que tudo se iniciou no tempo em que não
tínhamos televisão nem internet para levar aos nossos lares, ao
vivo e em cores, as negociatas republicanas entre governo, congresso
e o poder privado. Como todo aluno dos primeiros anos de escola sabe,
foi Getúlio Vargas quem no idos de 1953 criou a estatal
Petrobrás para exploração, refino, transporte e
comercialização dos derivados do petróleo. Na época prevalecia os
oligopólios da Shell, Texaco, Mobil Oil e Esso. Por esse tempo o
slogan populista de Getúlio, “O Petróleo é Nosso”,
correu o país de ponta a ponta com toda pujança. Só depois de dois
anos de renhidas batalhas travadas no Congresso, a Lei que tratava da
estatização do petróleo foi aprovada no Senado e sancionada pelo
presidente em outubro de 1953. Não me perguntem a que preço foi
obtida tal façanha. Fico a pensar com os meus botões: será que os
métodos de enriquecimento ilícito da atual República da
Odebrecht não são uma reprise, em maior grau, das primeiras
transações tenebrosas no campo da exploração do ouro negro pelo
Governo e o Congresso da década de 1950?
A
História do Brasil registra que foi em 1944 que o jovem Noberto
Odebrecht, descendente de alemães, criou sua organização em
Salvador na Bahia. Pulando para o ano de 1953 damos de
cara com Getúlio e Noberto entabulando um acordo para
a criação do oleoduto Catu-Candeias na Bahia. Uma
pergunta aqui se impõe: Será que a interação interesseira entre o
poder público e o privado acabava de nascer ali, bem pertinho do
local onde Pedro Álvares Cabral desembarcara com sua esquadra
em abril de 1500?
Acertadamente,
os estudiosos dizem que a história é cíclica, ou seja, tudo que
está acontecendo hoje já foi parte de um passado. Basta navegar em
sentido contrário para se constatar que a rica organização
de Noberto Odebrecht, hoje presente em 27
países, começou a ganhar contratos e mais contratos na base da
velha amizade com os poderosos, desde o tempo da célebre frase de
Getúlio ― “O
Petróleo é Nosso”. Daí por diante a história dessa
mega-empresa tomou conta da república de uma forma devastadora e
cruel. A Odebrecht se entranhou em todos os partidos de uma
forma avassaladora e irresistível, a ponto de o Congresso Nacional,
hoje, se debruçar sobre um projeto de anistia para livrar a todos
que pecaram e destituídos ficaram do Reino da Glória da República
que, com Deodoro e Floriano Peixoto, nasceu
fisiologicamente fadada a não dar certo.
Recentemente,
com uma tranquilidade incomum que choca até o mais simples cidadão,
disse o patriarca Emílio do conglomerado Odebrecht
ao Juiz Sérgio Moro: “desde a minha época, da época de
meu pai, sempre existiu caixa dois para doações de campanha não
oficiais. Na minha época as coisas eram muito mais simples”.
Para
salvar a própria pele o delator confessa seus pecados, trazendo à
tona procedimentos que nos primórdios eram rotineiramente
encobertos. Quem de nós poderia um dia imaginar que um dos Odebrecht
viria a público afirmar categoricamente que de 2005 a 2015, para seu
bel prazer, influenciara na aprovação de vinte atos do governo e do
Congresso ― as malfadadas
medidas provisórias?
Tem
razão, Emílio, o mundo tecnológico de hoje está muito
complexo. Tudo vê, tudo cata e não perdoa nada. No fundo, tudo é
culpa da era cibernética que deixou o homem mais nu, ou
excessivamente transparente. Com relação as práticas pouco
republicanas nunca é demais fazer um retrospecto sobre a nossa
depravada história, para compreender que os tristes e vergonhosos
procedimentos atuais são apenas um repeteco do que se praticava no
Brasil-Imperial, como narra de maneira lúcida e carregada de humor,
Laurentino Gomes, em sua
Trilogia histórica.
Em
2010, o patriarca da Odebrecht já reclamava dos
destaques que a imprensa dava a cada escândalo que surgia, um atrás
do outro. “Me incomoda isso, como se fosse surpresa” ―
concluiu, uma vez, Emílio.
Até
parece que o delator, orgulhosamente, em analogia ao dito salomônico
― “Nada há de novo
debaixo do sol” ―
está aqui a
demonstrar que tanto os fatos do passado quanto os fatos escabrosos do presente continuam os mesmos em nossa republiqueta. Em que pese a ação insistente da Lava-jato, eles parecem ter a certeza de que seus crimes prescreverão e o petróleo continuará sendo deles.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
21 de abril de 2017