14 abril 2017

A Carne é Fraca





Muito se tem falado nos últimos dias sobre a “carne fraca” em nosso país. Mas não quero me deter, aqui, sobre a questão comercial de alguns frigoríficos que, na ganância pelo lucro fácil, foram pegos em graves irregularidades na conservação da carne bovina destinada ao consumo da população.

A expressão “Carne Fraca” remete aos meus tempos de estudante do curso científico no Liceu Paraibano em João Pessoa – Pb. Na semana da páscoa, quarta-feira era o último dia de aula. Como reza a música de Dorival Caymmi, “era quarta-feira santa, dia de pescar e de pescador” que o peixe se tornava farto nas mercearias e feiras das cidades. Por não haver carne à venda, muitos protestantes terminavam por se alimentar do bacalhau seco, que nesse tempo era um prato economicamente bem accessível aos menos abastados.

Os padres, seguindo a tradição do catolicismo aconselhavam seus fiéis a se abster da carne nesse período. Os pastores protestantes, por sua vez, afirmavam convictos que não comer carne na semana santa não tinha respaldo bíblico. No nordestinês: nenhum dos lados davam o braço a torcer.

Na casa de minha mãe (Bazinha) todo o final de semana a galinha caipira cozida acompanhada do feijão verde, arroz e macarrão era o menu sempre servido no almoço aos domingos. No final da semana santa, para satisfazer os desejos e vicissitudes de nossa fraca carne, não resistíamos em comer da carne dessa saborosa ave, tão comum em nossas plagas. 

Minha mãe criava muitas galinhas no quintal de casa em Alagoa Grande - Pb. Bia, uma prima nossa, considerada nossa segunda mãe por morar conosco desde os tempos em que eu e meu irmão éramos bem pequenos, de madrugada, com o dia ainda não totalmente claro, dirigia-se ao quintal para, em silêncio e com pés de lã, matar uma galinha caipira que secretamente ao meio dia devorávamos no almoço. Pelo que sei nenhum vizinho tomou conhecimento de nossa refeição de portas fechadas. Acho que coisa boa não poderia acontecer se algum católico (ou mesmo um crente fundamentalista) aparecesse de surpresa na hora de nossa herética refeição. Lembro que a caçarola de galinha fervendo era bem tampada para não deixar vazar o odor agradabilíssimo para fora de casa e chamar a atenção dos vizinhos. Em suma, fazíamos de tudo para evitar o escândalo de ser cognominado de sacrílegos.

Agora, me vem à mente a frase atribuída ao Jesus dos evangelhos: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca”.

Não sei, talvez a expressão a carne é fraca” acima tratada pelos evangelistas, como figura de linguagem representativa de nossas vicissitudes, tenha, naqueles idos, nos redimido da culpa por um almoço extravagante degustado às escondidas em plena Sexta-Feira da Paixão.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 14 de abril de 2017

2 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Caro Levi, boa tarde.

Ao ler sua postagem, fiz minhas comparações entre a Páscoa cristã e a judaica onde se nota uma considerável diferença. Pois, enquanto a cristandade (mesmo os protestantes que comem carne na Quaresma e na sexta-feira) lembra com certa tristeza e sentimento de privação a perda momentânea de Jesus, para o judaísmo o momento pode ser compreendido como sendo de total alegria pela libertação da escravidão egípcia. Claro que, com a ressurreição do Mestre, a Páscoa cristã ganha novos sabores e daí a tradição recente dos ovos de chocolate de algum modo vem a se integrar com as celebrações do domingo.

Entretanto, seu relato nos faz lembrar um pouco dos tempos em que o catolicismo era hegemônico no Brasil e nós evangélicos uma minoria que não conseguia se territorializar. Já hoje, embora os católicos continuem sendo maioria, vejo que muitos deles se sentem até peixes fora d'água quando vão para as ruas. Pois pelo menos aqui no RJ, sinto que a identificação da maioria tem sido mais com o evangelicalismo, principalmente o ramo pentecostal, de maneira que quem tenta se comportar diferente sofre um leve assédio como um não salvo, um herege, etc... Se o sujeito é espírita, mesmo um kardecista que se referencia em jesus, ele discretamente costuma revelar para "qual time torce".

A respeito do costume de privação da carne na Semana Santa, vejo só uma minoria na sociedade, os que são católicos praticantes, que observam a recomendação. E destes, um grupo ainda menor passa a Quaresma toda sem ingerir carne que não seja de peixe.

Quanto a mim, ontem mesmo preparei um frango com aipim (mandioca) e uma hortaliça chamada oro-pro-nobis, a qual é riquíssima em proteína. E esse cardápio não me distancia do sentido da Páscoa que é refletir sobre a nossa passagem de uma vida errante pára um caminhar consciente buscando alcançar o bem em sua mais elevada essência que é o amor.

Feliz Páscoa ao migo e tudo de bom pra você e os seus.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Acabei de responder ao seu comentário em meu blogue sobre a postagem A Lava Jato e a Páscoa brasileira já que acabou tocando num tema que é a confissão dos pecados, o qual resolvi desenvolver enriquecendo a discussão com a citação de um artigo do Prof. Leonardo Boff, o qual é bem interessante.

Forte abraço.