Muito
se tem falado nos últimos dias sobre a “carne fraca” em
nosso país. Mas não quero me deter, aqui, sobre a questão
comercial de alguns frigoríficos que, na ganância pelo lucro fácil,
foram pegos em graves irregularidades na conservação da carne
bovina destinada ao consumo da população.
A
expressão “Carne Fraca” remete aos meus
tempos de estudante do curso científico no Liceu Paraibano em João
Pessoa – Pb. Na semana da páscoa, quarta-feira era o último dia
de aula. Como reza a música de Dorival Caymmi,
“era
quarta-feira santa, dia de pescar e de pescador”
que o peixe se tornava farto nas mercearias e feiras das cidades. Por
não haver carne à venda, muitos protestantes terminavam por se
alimentar do bacalhau seco, que nesse tempo era um prato
economicamente bem accessível aos menos abastados.
Os
padres, seguindo a tradição do catolicismo aconselhavam seus fiéis
a se abster da carne nesse período. Os pastores protestantes, por
sua vez, afirmavam convictos que não comer carne na semana santa não
tinha respaldo bíblico. No nordestinês: nenhum dos lados davam o
braço a torcer.
Na casa de minha mãe (Bazinha) todo o final de semana a galinha caipira cozida acompanhada do feijão
verde, arroz e macarrão era o menu sempre servido no almoço aos domingos. No final da semana santa, para satisfazer os desejos e
vicissitudes de nossa fraca carne, não resistíamos em comer da
carne dessa saborosa ave, tão comum em nossas plagas.
Minha
mãe criava muitas galinhas no quintal de casa em Alagoa Grande - Pb.
Bia, uma prima nossa, considerada nossa segunda mãe
por morar conosco desde os tempos em que eu e meu irmão éramos bem
pequenos, de madrugada, com o dia ainda não totalmente claro,
dirigia-se ao quintal para, em silêncio e com pés de lã, matar uma
galinha caipira que secretamente ao meio dia devorávamos no almoço.
Pelo que sei nenhum vizinho tomou conhecimento de nossa refeição de
portas fechadas. Acho que coisa boa não poderia acontecer se algum
católico (ou mesmo um crente fundamentalista) aparecesse de surpresa
na hora de nossa herética refeição. Lembro que a caçarola de
galinha fervendo era bem tampada para não deixar vazar o odor
agradabilíssimo para fora de casa e chamar a atenção dos vizinhos. Em suma, fazíamos de tudo para evitar o escândalo de ser cognominado de sacrílegos.
Agora,
me vem à mente a frase
atribuída ao
Jesus
dos
evangelhos:
“O espírito está pronto, mas a
carne é fraca”.
Não
sei, talvez a expressão “a carne é fraca” acima
tratada pelos evangelistas, como figura de linguagem representativa
de nossas vicissitudes, tenha, naqueles idos, nos redimido da culpa
por um almoço extravagante degustado às escondidas em plena Sexta-Feira da Paixão.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
14 de abril de 2017
2 comentários:
Caro Levi, boa tarde.
Ao ler sua postagem, fiz minhas comparações entre a Páscoa cristã e a judaica onde se nota uma considerável diferença. Pois, enquanto a cristandade (mesmo os protestantes que comem carne na Quaresma e na sexta-feira) lembra com certa tristeza e sentimento de privação a perda momentânea de Jesus, para o judaísmo o momento pode ser compreendido como sendo de total alegria pela libertação da escravidão egípcia. Claro que, com a ressurreição do Mestre, a Páscoa cristã ganha novos sabores e daí a tradição recente dos ovos de chocolate de algum modo vem a se integrar com as celebrações do domingo.
Entretanto, seu relato nos faz lembrar um pouco dos tempos em que o catolicismo era hegemônico no Brasil e nós evangélicos uma minoria que não conseguia se territorializar. Já hoje, embora os católicos continuem sendo maioria, vejo que muitos deles se sentem até peixes fora d'água quando vão para as ruas. Pois pelo menos aqui no RJ, sinto que a identificação da maioria tem sido mais com o evangelicalismo, principalmente o ramo pentecostal, de maneira que quem tenta se comportar diferente sofre um leve assédio como um não salvo, um herege, etc... Se o sujeito é espírita, mesmo um kardecista que se referencia em jesus, ele discretamente costuma revelar para "qual time torce".
A respeito do costume de privação da carne na Semana Santa, vejo só uma minoria na sociedade, os que são católicos praticantes, que observam a recomendação. E destes, um grupo ainda menor passa a Quaresma toda sem ingerir carne que não seja de peixe.
Quanto a mim, ontem mesmo preparei um frango com aipim (mandioca) e uma hortaliça chamada oro-pro-nobis, a qual é riquíssima em proteína. E esse cardápio não me distancia do sentido da Páscoa que é refletir sobre a nossa passagem de uma vida errante pára um caminhar consciente buscando alcançar o bem em sua mais elevada essência que é o amor.
Feliz Páscoa ao migo e tudo de bom pra você e os seus.
Em tempo!
Acabei de responder ao seu comentário em meu blogue sobre a postagem A Lava Jato e a Páscoa brasileira já que acabou tocando num tema que é a confissão dos pecados, o qual resolvi desenvolver enriquecendo a discussão com a citação de um artigo do Prof. Leonardo Boff, o qual é bem interessante.
Forte abraço.
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