09 outubro 2017

Em Tempos de Banquetes com Facas Pontiagudas (Reflexão)





No momento em que a sociedade, especialmente na figura dos três Poderes da República, exibe uma confrontação na “base do quem pode mais?”, nunca é demais lembrar uma emblemática invenção ocorrida no século XVII:

Se hoje comemos com facas de ponta arredondada — e um dia ela já foi pontiaguda —, devemos isso ao cardeal Richelieu. Ele mandou arredondar a ponta das facas para que os nobres participantes dos banquetes não se cutucassem indevidamente”.

Dois grandes banquetes acontecerão em nossa republiqueta: Um na quarta-feira (dia 11) no palco do STF, e outro na quarta-feira seguinte (dia 18) na Arena do Senado. Há quem acredite que o espírito do cardeal Richelieu vai baixar nas duas mega-atrações gastronômicas. O nó é que no país “eminentemente cristão”, como acontece sempre nos grandes embates futebolísticos, se espera que Deus dê uma mãozinha ou vitória para um dos lados.

Um argumento do rabino, Nilton Bonder, da congregação Israelita do Brasil, cai bem nesses tempos agudos de guerra de egos. Ele dizia que o Triunfo representava a mais efêmera das seguranças. Baseando-se nos embates dos judeus com assírios, gregos, romanos, bizantinos, cruzados e otomanos, concluiu que a vitória é uma metáfora recorrente de que o vencedor de hoje é o derrotado de amanhã.

Não haverá paz enquanto ambos, ou melhor, todos os lados interessados não forem derrotados. Uma derrota na expectativa de triunfo de todos é a única esperança. — finalizou, de forma contundente, o rabino em seu ensaio - “Tolerância e o Outro”. [Judaísmo Para o Século XXI – Jorge Zahar Editora]

Mas voltemos a nos deter sobre a metáfora — “faca pontiaguda” —, dos banquetes recém-encomendados em nosso efervescente mundinho político. Essa expressão metafórica me trouxe a lembrança uma gíria, hoje, muito usada nas redes sociais; trata-se do termo “lacrar”. Para os internautas, essa expressão representa a última fala ou a última palavra a ser dita para lacrar ou fechar determinada discussão ou debate. O que o ente virtual das redes talvez não saiba é que a estocada da faca pontiaguda, provavelmente, não será fatal, pois, sobre o que for decidido, o tempo logo se encarregará de cicatrizar a ferida narcísica. Isso significa que nenhum debate/embate pode ser encerrado por força de um argumento; ainda mais quando se sabe que em tempos de contaminação ideológica, esse vírus cerebral endêmico, anda a invadir as cabeças dos mais destemidos baluartes de nossa “democracia tupiniquim”.

Para o psicanalista Jacques Lacan, há sempre um furo, da ordem do indizível, naquilo que se declara como verdade, ou seja, “quanto mais o sujeito tenta resgatar a si mesmo, buscando a verdade de sua conduta, mais depara com algo não seu, que vem do outro”.

Pensando bem, é em momento de severas crises ou de graves tensões, que poderosas influências ou ressonâncias vindas dos recônditos do nosso aparelho psíquico, afluem para o terreno escorregadio da consciência, como se estivessem a desmentir a nossa lógica comum de que somos seres imparciais.

Ainda divagando sobre a metáfora “faca pontiaguda” (ou espada), nunca é demais lembrar o mitólogo americano, Joseph Campbell que, embasado na psicologia junguiana resumiu tudo o que aqui escrevi, de uma forma maravilhosamente cristalina: “No Reino humano, abaixo do solo do comparativamente ordeiro e pequeno recanto que chamamos consciência, encontram-se insuspeitas cavernas de Aladim”.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 09 de outubro de 2017


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