15 junho 2018

A Copa de 2018 e Seu Maior Astro ― O Grande Czar Vladimir Putin

Na Foto, Putin Discursa na Abertura da Copa 2018


Em janeiro de 2018, Vladimir Putin, de tronco nu e usando botas, seguindo o cerimonial cristão ortodoxo, fez o sinal da cruz no peito e mergulhou por três vezes nas águas geladas do Lago Selinger, seguindo um ritual que remete ao batismo de Cristo nas águas do Rio Jordão uma espécie de renascimento espiritual. (Vide Link)

O escritor norueguês, Karl Ove Knausgard, cedeu à Revista Piauí nº 138, de Março de 2018, uma pequena amostra de seu livro “Histórias Russas” (página 32). Trata-se de uma coleção de relatos emblemáticos que conseguiu colher em uma viagem que fez à Nova Rússia, precisamente, 100 anos após a revolução bolchevique. O trecho do livro, a ser lançado esse ano no Brasil, pela Companhia das Letras, traz uma entrevista sua com três mulheres que voltavam de Moscou em um velho e barulhento vagão de trem. O pequeno diálogo, abaixo reproduzido, tem tudo a ver com a nova imagem da Rússia e seu venerado Czar.

O escritor/viajante despertando de seu marasmo ao ouvir a palavra “Putin”, pediu, imediatamente, a sua intérprete que traduzisse a conversa alegre das três mulheres russas que estavam acomodadas perto de sua poltrona:

A torrente de língua russa fluía fácil, quase onírica, para um lado e outro do compartimento semiadormecido, e no meio dela ouviu a palavra 'Putin'.”

Ela falou alguma coisa sobre Putin? ―, perguntei.
Falou, sim. Está dizendo que a mãe dela é grande fã do Putin ― revelou, a intérprete,
Amamos nosso país e, pela primeira vez, temos um presidente cristão, um presidente ortodoxo ― disse Natalya.

Em seguida, ela pegou uma revista que estava sobre a mesa para nos mostrar a capa. Nela, todas as fotos eram de Putin. Numa das fotografias ele aparece nu até a cintura.

Está vendo isto aqui? Será que Trump pode exibir o corpo dessa forma? Ele (Trump) é velho. O corpo dele não passa de um amontoado de banha.

As três riram alto.

Já se passaram 100 anos desde a revolução. O que isso significa para vocês?―, perguntou o entrevistador.

Não damos bolas para isso, Natalya respondeu. ― Foram 100 anos sem Deus. Puseram abaixo todas as igrejas. Agora elas estão sendo reconstruídas e a gente pode ir à igreja sem medo. Aqui nesta cidade tem um ícone da Virgem Maria. É muito, muito antigo. Quando acharam ele, estava todo preto. Agora está clareando aos poucos. A cada ano clareia um pouco mais.”

Na abertura do sorteio dos grupos de nações que estariam na Copa do Mundo, impecavelmente vestido, o Grande Czar da Era Pós Moderna afirmou em bom tom: “Temos certeza que impressões inesquecíveis serão deixadas naqueles que vierem à Rússia”.

Depois da vergonhosa derrota do Brasil para a Alemanha em 2014, se eu pudesse ir à Copa na Rússia, não perderia meu precioso tempo indo aos estádios. Com certeza, faria uma viagem idêntica a que empreendeu o escritor norueguês no ano passado. Visitaria os museus da cultura eslava oriental, revisitaria os locais onde nasceram e viveram os autores de “Crime e Castigo”, de “Guerra e Paz” e de o “Diário de Um Louco”. Claro é, que incluiria, Turguêniev, que escreveu “Memórias de Um Caçador” (livro preferido do czar, Putin, que também é louco por caçadas). Segundo pessoas ouvidas pelo escritor/viajante, a beleza do mundo da infância de Turgueniev continua intacta na Nova Rússia.

Não tenho condições de ir a Rússia. Mas, “como o passado está em nós e não no mundo”, resta-me torcer para que o Livro “Histórias Russas” de Karl Over Knausgard, apareça em nossas livrarias na época da Copa. Só assim, entre jogos insossos, viajarei na imaginação pela Rússia dos indômitos e maiores literatos do mundo, como Dostoiévski, Tolstoi e Gorki. Escutarei da boca de seus descendentes contos verídicos e narrativas míticas de um povo que trafegou pelo ateísmo utópico dos bolcheviques e, hoje, quem diria, faz uma espécie de retorno romântico aos braços dos poderosos e moderníssimos czares que dominam o “Mercado Espiritual” da Cruz.

O imbróglio, mais “político/inspiritual” que divino, continua insolúvel, como dantes, pois a figura divina introjetada nas mentes dos eslavos do ultra-moderno Czar, tanto esparge luz sobre os seus simpatizantes, como cobre de sombras aqueles que se recusam a entrar no seu jogo.

As três mulheres que travaram um diálogo com o autor de “Histórias Russas” em seu périplo pela Rússia (ano 2017), na sua santa inocência, exaltavam o poderoso Putin e rebaixavam o gorducho e desajeitado Trump. Se refletissem melhor, veriam que os dois têm algo em comum. Não sei como reagiria o rebanho das eternas ovelhas sofredoras e submissas por natureza, se descobrissem que o deus do profeta Trump, que o incita a atirar ao ar suas ridículas estocadas, tem, em secreto, um relacionamento amigável com o deus cristão do ortodoxo, musculoso e venerado Putin.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 15 de junho de 2018

08 junho 2018

PERCIDES DEIXA MARCAS INDELÉVEIS EM SUA PROLE (In Memoriam)



Seria impossível em uma crônica, registrar ou falar sobre todas as marcas que Percides imprimiu e deixou nas pessoas que participaram de seu convívio, em especial, filhos, netos e bisnetos.

O certo é que nos últimos meses, lutou bravamente contra a doença que a vitimou Apesar da fragilidade física, nunca esmoreceu nem se queixou dos sintomas atrozes que internamente sentia. Em sua luta invisível contra o declínio provocado pela moléstia, imensas forças de conservação a faziam resistir ao desenlace derradeiro. Todos percebiam que a enfermidade que a consumia aos poucos, não abalara por completo seu espírito forte e guerreiro, nem a impediu de participar das festinhas de aniversário dos seus entes queridos. Foi realmente uma firme coluna, cuja função principal era a de sempre procurar estabilizar sua grande prole nos momentos mais difíceis da vida.

Lembro bem das reuniões regadas a café, biscoitos, queijos e tapiocas, em que ela, ultimamente, fazia questão de expressar seu maior anseio. O desejo de ver a família coesa era tão intenso que, no mais das vezes, a impulsionava a declarar com autoridadde que lhe era muito peculiar: "Deus quer UNIÃO entre a gente!". Nesses momentos, seu ardoroso  pedido remetía-me a conhecida frase atribuída a Agostinho de Hipona (Século IV d. C): "Unidade no essencial; no não essencial, liberdade; em tudo caridade".

Nos últimos dias, com o agravamento de seu estado de saúde, foi levada ao Hospital Especializado em Natal - RN. De tantas visitas que fez a esse nosocômio, a doutora que a atendia duas vezes por mês, chegara a se comportar como uma pessoa da família. Tanto é que a chamava meigamente de vozinha. Com denodo e abnegação fora do comum, a médica (e sua equipe) lhe aplicou os últimos recursos da medicina, durante pouco mais de duas semanas.

Não sei, talvez, o anseio da matriarca viver mais, estivesse relacionado ao fato de que todos ao seu redor desejavam  vê-la, em alguns meses, comemorar seus noventa anos de idade. Afinal, em nossa cultura, os números redondos são marcos de natureza simbólica de que  muito prezamos. 

Nas corridas olímpicas de revezamento, um bastão é repassado de corredores já cansados para os mais descansados. Isso aponta para algo profundamente afetivo que nos é transmitido por nossos antepassados. Sem sombra de dúvida, nossos avós são repassadores de suas subjetividades e espiritualidades para nossos pais; estes, por sua vez, legam os framentos mensageiros aos filhos. Sucessivamente, os filhos repassam essas marcas indeléveis aos netos, na grande caminhada existencial humana.

As vozes ancestrais dos nossos pais e avós, indubitavelmente, não se evaporam, nem se extinguem; elas permanecem em nossos recônditos psíquicos, como que marcadas a ferro e fogo, até a nossa ida para a eternidade. Não há como negar que nosso jeito de ser e de ver as coisas, nossas vozes e todas expressões de nossos sentimentos são ecos que vêm lá de trás, dos nossos ancestrais.

Com a descoberta do DNA/RNA, a Ciência conseguiu demonstrar que os pais imprimem ou transmitem aos filhos muito de suas características, inclusive as de natureza afetiva. Olhando por esse ângulo, podemos dizer que Percides, juntamente com seu esposo Alcides (que foi arrebatado bem antes) são imortais, pois, com certeza, deixaram muito de si em sua grande prole. Lembro, como se fosse hoje, a célebre e emblemática frase dita pelo patriarca da família para seu filho mais novo que, vindo de Campina Grande mensalmente, o visitava no velho casarão nº 1 da ladeira de Sta Terezinha (Gba): Olhando firmemente para Aldeci, tomado de forte emoção, o saudoso Alcides, em seu ocaso, disparou, em meio as lágrimas: “Você, meu filho, é uma parte de mim!!!”. Essa significante frase do saudoso Alcides(meu sogro) teve o condão de evocar em minha mente a frase que Goethe cunhou, na velhice, em forma de verso, registrada em sua obra ̶ “Fausto”: “Os traços de meu ser terreno/Em milênios não desaparecerão”.

Como o presente ensaio trata de marcas indeléveis deixadas por pais e mães nas gerações mais novas, espero que o simples e simbólico verso retirado de um poema que fiz há 10 anos (abaixo replicado), sirva de reflexão e consolo para todos que tiveram o privilégio de gozar da amizade, do carinho e desvelo de Percides Batista de Andrade.

Da garganta me sai esta voz
Expressão dos meus sentimentos
É a linguagem dos meus avós
Transformada em meu alimento
Quando eu falo, falam meus pais
Sou o eco dos seus pensamentos.”


Por Levi B. Santos
Guarabira, 08 de junho de 2018