Na
Foto, Putin Discursa na Abertura da Copa 2018
Em
janeiro
de 2018,
Vladimir
Putin,
de tronco nu e usando
botas, seguindo o cerimonial cristão ortodoxo, fez
o sinal da cruz no peito e mergulhou
por
três
vezes
nas
águas geladas do Lago Selinger, seguindo
um ritual que remete ao batismo de Cristo nas águas do Rio Jordão ―
uma espécie de renascimento espiritual. (Vide
Link)
O
escritor norueguês, Karl Ove Knausgard, cedeu à Revista
Piauí nº
138, de Março
de 2018, uma pequena amostra de seu livro “Histórias Russas”
(página 32). Trata-se de uma coleção de relatos emblemáticos que
conseguiu colher em uma viagem que fez à Nova Rússia, precisamente,
100 anos após a revolução bolchevique. O trecho do livro, a ser
lançado esse ano no Brasil, pela Companhia das Letras, traz uma
entrevista sua com três mulheres que voltavam de Moscou em um velho
e barulhento vagão de trem. O pequeno diálogo, abaixo reproduzido,
tem tudo a ver com a nova imagem da Rússia e seu venerado Czar.
O
escritor/viajante despertando de seu marasmo ao ouvir a palavra
“Putin”, pediu, imediatamente, a sua intérprete que traduzisse a
conversa alegre das três mulheres russas que estavam acomodadas perto
de sua poltrona:
“A
torrente de língua russa fluía fácil, quase onírica, para um lado
e outro do compartimento semiadormecido, e no meio dela ouviu a
palavra 'Putin'.”
― Ela
falou alguma coisa sobre Putin? ―, perguntei.
― Falou,
sim. Está dizendo que a mãe dela é grande fã do Putin ―
revelou, a intérprete,
― Amamos
nosso país e, pela primeira vez, temos um presidente cristão, um
presidente ortodoxo ― disse Natalya.
Em
seguida, ela pegou uma revista que estava sobre a mesa para nos
mostrar a capa. Nela, todas as fotos eram de Putin. Numa das
fotografias ele aparece nu até a cintura.
― Está
vendo isto aqui? Será que Trump pode exibir o corpo dessa forma? Ele
(Trump) é velho. O corpo dele não passa de um amontoado de banha.
As
três riram alto.
― Já
se passaram 100 anos desde a revolução. O que isso significa para
vocês?―, perguntou o entrevistador.
― Não
damos bolas para isso, Natalya respondeu. ― Foram 100 anos sem
Deus. Puseram abaixo todas as igrejas. Agora elas estão sendo
reconstruídas e a gente pode ir à igreja sem medo. Aqui nesta
cidade tem um ícone da Virgem Maria. É muito, muito antigo. Quando
acharam ele, estava todo preto. Agora está clareando aos poucos. A
cada ano clareia um pouco mais.”
Na
abertura do sorteio dos grupos de nações que estariam na Copa do
Mundo, impecavelmente vestido, o Grande Czar da Era Pós Moderna
afirmou em bom tom: “Temos certeza que impressões inesquecíveis
serão deixadas naqueles que vierem à Rússia”.
Depois
da vergonhosa derrota do Brasil para a Alemanha em 2014, se eu
pudesse ir à Copa na Rússia, não perderia meu precioso tempo indo aos
estádios. Com certeza, faria uma viagem idêntica a que empreendeu o
escritor norueguês no ano passado. Visitaria os museus da cultura
eslava oriental, revisitaria os locais onde nasceram e viveram os
autores de “Crime e Castigo”, de “Guerra e Paz” e de o
“Diário de Um Louco”. Claro é, que incluiria, Turguêniev, que
escreveu “Memórias de Um Caçador” (livro preferido do czar,
Putin, que também é louco por caçadas). Segundo pessoas ouvidas
pelo escritor/viajante, a beleza do mundo da infância de Turgueniev
continua intacta na Nova Rússia.
Não
tenho condições de ir a Rússia. Mas, “como o passado está em
nós e não no mundo”, resta-me torcer para que o Livro “Histórias
Russas” de Karl Over Knausgard, apareça em nossas livrarias na
época da Copa. Só assim, entre jogos insossos, viajarei na
imaginação pela Rússia dos indômitos e maiores literatos do
mundo, como Dostoiévski, Tolstoi e Gorki. Escutarei da boca de seus
descendentes contos verídicos e narrativas míticas de um povo que
trafegou pelo ateísmo utópico dos bolcheviques e, hoje, quem diria,
faz uma espécie de retorno romântico aos braços dos poderosos e
moderníssimos czares que dominam o “Mercado Espiritual” da Cruz.
O
imbróglio, mais “político/inspiritual” que divino, continua
insolúvel, como dantes, pois a figura divina introjetada nas mentes
dos eslavos do ultra-moderno Czar, tanto esparge luz sobre os seus
simpatizantes, como cobre de sombras aqueles que se recusam a entrar
no seu jogo.
As
três mulheres que travaram um diálogo com o autor de “Histórias
Russas” em seu périplo pela Rússia (ano 2017), na sua santa
inocência, exaltavam o poderoso Putin e rebaixavam o gorducho e
desajeitado Trump. Se refletissem melhor, veriam que os dois têm
algo em comum. Não sei como reagiria o rebanho das eternas ovelhas
sofredoras e submissas por natureza, se descobrissem que o deus do profeta Trump, que o incita a atirar ao ar suas ridículas estocadas, tem, em
secreto, um relacionamento amigável com o deus cristão do ortodoxo, musculoso e venerado Putin.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
15 de junho de 2018
Link
da Imagem do Topo:
esporte.uol.com.br/futebol/copa-do-mundo/2018