Seria impossível em uma crônica, registrar ou falar sobre todas as marcas que Percides imprimiu e deixou nas pessoas que participaram de seu convívio, em especial, filhos, netos e bisnetos.
O certo é que nos últimos meses, lutou bravamente contra a doença que a vitimou Apesar da fragilidade física, nunca esmoreceu nem se queixou dos sintomas atrozes que internamente sentia. Em sua luta invisível contra o declínio provocado pela moléstia, imensas forças de conservação a faziam resistir ao desenlace derradeiro. Todos percebiam que a enfermidade que a consumia aos poucos, não abalara por completo seu espírito forte e guerreiro, nem a impediu de participar das festinhas de aniversário dos seus entes queridos. Foi realmente uma firme coluna, cuja função principal era a de sempre procurar estabilizar sua grande prole nos momentos mais difíceis da vida.
Lembro bem das reuniões regadas a café, biscoitos, queijos e tapiocas, em que ela, ultimamente, fazia questão de expressar seu maior anseio. O desejo de ver a família coesa era tão intenso que, no mais das vezes, a impulsionava a declarar com autoridadde que lhe era muito peculiar: "Deus quer UNIÃO entre a gente!". Nesses momentos, seu ardoroso pedido remetía-me a conhecida frase atribuída a Agostinho de Hipona (Século IV d. C): "Unidade no essencial; no não essencial, liberdade; em tudo caridade".
Nos últimos dias, com o agravamento de seu estado de saúde, foi levada ao Hospital Especializado em Natal - RN. De tantas visitas que fez a esse nosocômio, a doutora que a atendia duas vezes por mês, chegara a se comportar como uma pessoa da família. Tanto é que a chamava meigamente de vozinha. Com denodo e abnegação fora do comum, a médica (e sua equipe) lhe aplicou os últimos recursos da medicina, durante pouco mais de duas semanas.
Não sei, talvez, o anseio da matriarca viver mais, estivesse relacionado ao fato de que todos ao seu redor desejavam vê-la, em alguns meses, comemorar seus noventa anos de idade. Afinal, em nossa cultura, os números redondos são marcos de natureza simbólica de que muito prezamos.
Nas corridas olímpicas de revezamento, um bastão é repassado de corredores já cansados para os mais descansados. Isso aponta para algo profundamente afetivo que nos é transmitido por nossos antepassados. Sem sombra de dúvida, nossos avós são repassadores de suas subjetividades e espiritualidades para nossos pais; estes, por sua vez, legam os framentos mensageiros aos filhos. Sucessivamente, os filhos repassam essas marcas indeléveis aos netos, na grande caminhada existencial humana.
Nas corridas olímpicas de revezamento, um bastão é repassado de corredores já cansados para os mais descansados. Isso aponta para algo profundamente afetivo que nos é transmitido por nossos antepassados. Sem sombra de dúvida, nossos avós são repassadores de suas subjetividades e espiritualidades para nossos pais; estes, por sua vez, legam os framentos mensageiros aos filhos. Sucessivamente, os filhos repassam essas marcas indeléveis aos netos, na grande caminhada existencial humana.
As vozes ancestrais dos nossos pais e avós, indubitavelmente, não se evaporam, nem se extinguem; elas permanecem em nossos recônditos psíquicos, como que marcadas a ferro e fogo, até a nossa ida para a eternidade. Não há como negar que nosso jeito de ser e de ver as coisas, nossas vozes e todas expressões de nossos sentimentos são ecos que vêm lá de trás, dos nossos ancestrais.
Com a descoberta do DNA/RNA, a Ciência conseguiu demonstrar que os pais imprimem ou transmitem aos filhos muito de suas características, inclusive as de natureza afetiva. Olhando por esse ângulo, podemos dizer que Percides, juntamente com seu esposo Alcides (que foi arrebatado bem antes) são imortais, pois, com certeza, deixaram muito de si em sua grande prole. Lembro, como se fosse hoje, a célebre e emblemática frase dita pelo patriarca da família para seu filho mais novo que, vindo de Campina Grande mensalmente, o visitava no velho casarão nº 1 da ladeira de Sta Terezinha (Gba): Olhando firmemente para Aldeci, tomado de forte emoção, o saudoso Alcides, em seu ocaso, disparou, em meio as lágrimas: “Você, meu filho, é uma parte de mim!!!”. Essa significante frase do saudoso Alcides(meu sogro) teve o condão de evocar em minha mente a frase que Goethe cunhou, na velhice, em forma de verso, registrada em sua obra ̶ “Fausto”: “Os traços de meu ser terreno/Em milênios não desaparecerão”.
Como o presente ensaio trata de marcas indeléveis deixadas por pais e mães nas gerações mais novas, espero que o simples e simbólico verso retirado de um poema que fiz há 10 anos (abaixo replicado), sirva de reflexão e consolo para todos que tiveram o privilégio de gozar da amizade, do carinho e desvelo de Percides Batista de Andrade.
“Da garganta me sai esta voz
Expressão dos meus sentimentos
É a linguagem dos meus avós
Transformada em meu alimento
Quando eu falo, falam meus pais
Sou o eco dos seus pensamentos.”
Por Levi B. Santos
Guarabira, 08 de junho de 2018
2 comentários:
Caro Levi,
Antes de mais nada, reitero aqui meus sentimentos já expressos no sítio de relacionamentos Facebook.
Gostei muito de seu texto e realmente esse legado dos ancestrais nos é transmitido, sendo que se trata de uma influência que não há como evitá-la, ainda que possamos lidar com tal força de variadas maneiras.
Bom domingo (dia da semana que relembra ressurreição/eternidade) e desejo muita luz em seu caminhar.
Abraços fraternos.
Caro Rodrigão
Em nome da família de minha sogra, Percides, falecida no dia oito deste mês, agradeço de coração seus nobres e sinceros sentimentos externados aqui e em minha página no Face.
Abraços,
Levi B. Santos
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