29 agosto 2018

Como Será o “Admirável Mundo Novo” das Próximas Décadas?






Em 1932, Aldous Huxley, publicou o clássico “Admirável Mundo Novo”. Acredito que essa obra de “ficção” tenha provocado muita sensação naquela época. Tempos, em que praticamente engatinhávamos em matéria de tecnologia e ciência. O que esse famoso autor inglês pensava que pudesse acontecer seiscentos anos para frente, será que em questão de poucas décadas se tornará uma realidade?

Pelo andar da carruagem, não estamos muito longe de ser dominados pela ciência e tecnologia, como Aldous Huxley, há 80 anos, tão bem previu, com ares de utopia. Muitos cientistas contemporâneos constatam que esse Éden utópico nunca esteve tão próximo de nós quanto agora.

Tomemos a China de hoje, como exemplo. Para quem ainda não sabe, o governo chinês já obriga as pessoas a efetuarem um cadastramento facial a fim de que, através de uma plataforma, possam ser observadas onde quer que estiverem, vigiadas por inúmeras câmeras, à semelhança das instaladas em toda parte para descobrir os opositores da ditadura do “Grande Irmão”, no clássico “1984” de George Orwell.

No campo da Medicina, robôs e maquinários digitais de última geração já substituem o encontro entre médico e paciente, principalmente, no que diz respeito aos exames de imagens. O paciente avalia, ele próprio, seus sintomas e se dirige às clínicas imagéticas a fim de realizar ultrassonografia, tomografia ou cintilografia. Nos EUA, para uma maior rapidez na obtenção de lucro, as empresas médicas têm que usar o precioso tempo de que dispõem para aumentar sua produtividade. Para isso, terceirizam a confecção dos laudos de imagens com empresas de tecnologia médica na Índia. Quando anoitece nos EUA o dia está amanhecendo na Índia. Enquanto os profissionais da medicina e os pacientes nos EUA dormem, as imagens são recebidas via internet para serem analisadas por técnicos indianosA coisa é tão sincronizada que na manhã do dia seguinte o paciente está recebendo seu resultado de exame, realizado por um agente que nem a própria clínica que o atendeu nem o beneficiário sabem quem foi o examinador e com que presteza foi elaborado o diagnóstico.

No filme “Eu Robô” de Will Smith, um personagem suicida-se ao perceber que a máquina dotada de inteligência artificial, com o tempo, passara a decidir o que os humanos deviam ou não deviam fazer uma espécie de ditadura das máquinas.

Já pensou nisso, caro pai ou avô dos dias atuais: Ginoides, como Sophia do filme "Eu Robô"(produzido em 2004), portadoras de inteligência artificial e altamente condicionadas, a passearem lado a lado com nossos bisnetos e tataranetos? 

No “Admirável Mundo Novo” imaginado por Aldous Huxley, o sentimentalismo e as emoções naturais do indivíduo são substituídas por um bem estar ou estado prazeroso de variada graduação, produzido de forma instantânea por substâncias químicas; tudo a depender da quantidade da dose ingerida do comprimido por ele denominado soma”. No mundo historiado pelo autor não existem mães nem pais para se alienar aos filhos. Os embriões são gerados em laboratórios e mantidos em incubadoras, para um posterior condicionamento psicobiológico. De acordo com a necessidade da comunidade (divididas em classes), produzem-se em séries, os alfas(entes superiores), e os de escala inferior ou decrescente: os betas, os gamas, deltas e ypsilons.

Na narrativa alegórica criada magistralmente por Aldous, todos os livros filosóficos e religiosos foram antecipadamente trancafiados em cofres superseguros, para que os seres produzidos laboratorialmente por cientistas não pudessem descobri-los. Se tal descoberta viesse acontecer, com certeza, provocaria um grave desequilíbrio ou conflito perigosíssimo entre os condicionados pelo avanço tecnológico/científico e os considerados selvagens(nascidos de forma natural). Na realidade, em sua fantasiosa descrição, o autor faz uma crítica ao mundo que, em sua época, dava os primeiros sinais de progresso, ensejando até a castração do lado afetivo humano, proveniente da ancestralidade paterna e materna internalizada em cada um. As criaturas de Aldous Huxley, chocadas em laboratório e depois condicionadas, são levadas a exclamarem de forma autômata: “Graças a Ford!” uma deferência ao poderoso Henry Ford, expressão que corresponde ao “Graças a Deus” dito de forma natural pelo primitivo ou selvagem.

A fantasia de Aldous, em sua antológica obra , tem muito a ver com a sociedade pós-moderna, cada vez mais influenciada pelas admiráveis conquistas tecnológicas que, em vão, tentam abafar o sofrimento, a angústia, os conflitos e as frustrações humanas. O homem da modernidade líquida é um sucedâneo do “Cidadão kane” que Orson Welles tão bem descreveu nos idos de 1941: personagem que queria reformar a sociedade construindo um mundo só seu, mas, no final, acabou sendo vítima de suas próprias armadilhas.

Certo dia, um dos Administradores do Conselho Supremo do Centro de Condicionamento (equivalente a um Alfa maior), sem querer, teve um sonho. “Sonhou que retirara um livro do cofre secreto. Ao abri-lo no lugar marcado por uma tira de papel, começou a lê-lo: nós não pertencemos a nós mesmos, assim como não nos pertence aquilo que possuímos. Não fomos nós que nos fizemos, não podemos ter a jurisdição suprema sobre nós mesmos. Não somos nossos próprios senhores.” (Admirável Mundo Novo Aldous Huxley ― Editora Globo página 277)

A Conclusão óbvia a que chegamos, após a leitura reflexiva de o “Admirável Mundo Novo”, é a de que o indivíduo, por mais que se considere evoluído, jamais poderá anular ou liquidar a idade média e o primitivismo que habitam as profundezas sombrias de sua psique. Por mais que tente se modernizar, nunca deixará de sentir as ressonâncias daquilo que foi arquivado e permanecerá eterno enquanto a vida venha durar. Cabe aqui relembrar o poeta e cantor cearense, Fagner, que nos deixou essa pérola de expressão que resume bem os afetos incontroláveis e imponderáveis do nosso inconsciente: “Quando a gente tenta de toda maneira dele se guardar/Sentimento ilhado, morto, amordaçado/Volta a incomodar” [“Revelação” Canção de Raimundo Fagner]


Entorpecido pelo SOMA que lhe deram pela boca, o Selvagem jazia adormecido. O sol já ia alto quando ele acordou. Ficou imóvel por um momento, os olhos piscando à luz, numa incompreensão de animal mutilado, depois, repentinamente, lembrou-se de tudo.

Oh meu Deus, meu Deus! cobriu os olhos com as mãos”. [Desfecho última página do livro “Admirável Mundo Novo”]


Por Levi B Santos
Guarabira, 29 de agosto de 2018