13 dezembro 2018

Diálogo Entre Édipo Rei e Creonte ─ (ou) Virtuosos e Tiranos na “Democracia”



Fragmentos de cerâmica Ateniense – usadas para contar votos nos processos democráticos



Em sua fenomenal obra “A Era do Imprevisto A Grande Transição do Século XXI”, Sérgio Abranches faz referências a trechos de um emblemático diálogo entre dois personagens míticos da Grécia antiga (berço da democracia). Édipo e Creonte funcionam como elementos basilares para compreensão e sustentação dos argumentos que o autor delineia e aplica às formas de governo do mundo atual, em face de um futuro de incertezas; não deixando, inclusive, de enfatizar que todo o mandante, sem o contraponto da oposição, pode se transformar em um tirano.

Uma pequena parte do diálogo do excepcional dramaturgo grego, Sófocles, abaixo replicada, retrata bem o antagonismo entre o detentor do poder e aquele que se encontra sob o seu mando. O primeiro age imbuído do desejo célere de fazer justiça, sem a profunda e devida reflexão. Enquanto o segundo (subalterno), de forma mais argumentativa, tenta buscar uma compreensão sobre a parte que lhe afeta de perto, sem perceber que, inconscientemente, também anseia pelo populismo do qual o outro é detentor.

Édipo Rei inconformado ao perceber que seus desejos foram contrariados por Creonte, exaure sua sentença:

Não quero teu exílio, quero a tua morte.

Creonte:
Seria justo se provasses a minha culpa. A retidão falta em tuas decisões

Édipo:
Quando se trata de meus interesses, não.

Creonte:
O meu interesse também mereceria igual cuidado.

Édipo:
Deves-me, da mesma forma, obediência.

Creonte:
Se mandas mal, não devo.

Édipo, apelando à turba, responde:
Meu povo! Meu povo!

Creonte contesta, de imediato:
Também pertenço ao povo que não é só teu.

O povo, que antes exaltava o Rei Édipo, aplaude agora o astucioso Creonte, que lhe usurpou o trono, passando-lhe essa reprimenda:

Não queiras ser mais o mestre de todas as coisas. O poder que ganhastes em outros tempos deixou agora de existir.


Uma vez no Poder, Creonte age da mesma forma que o rei Édipo, usando dos mesmos métodos de tirania. Ao invadir a esfera do privado em um suposto nome do estado, de forma desastrada, Creonte se corrompe ao interpretar a lei segundo seus interesses particulares, abusando do poder ao condenar injustamente Antígona. Na nascente Democracia Grega tudo funcionava como se cada eleito para o posto máximo do Governo tivesse um tirano latente dentro de si, coberto por uma capa exterior (falsa) de virtuosismo. A psicologia, depois de Freud, desnudou esse homem ao explicitar com clareza todo o mecanismo psíquico de fundo paradoxal, que ainda hoje o escraviza na pós-modernidade. Os poderosos, no entanto, continuam cegos para aquilo que a psicanálise na modernidade conseguiu dissecar. Desde a Grécia antiga os governantes no Poder estabelecem normas de conduta a ser seguidas por todos do andar de baixo, mas na surdina, eles mesmos, se consideram exceção à regra. Sob o manto da “igualdade – fraternidade e justiça”, na atualidade, nunca exteriorizaram de forma escancaradamente maléfica seus monstros interiores, que destroem ou inutiizam toda retórica discursiva de cunho virtuoso.

O dramaturgo Sófocles, antevendo o destino da capenga democracia de Atenas, coloca palavras lapidares na boca de Creonte, palavras que ressoam de forma mais dolorida em nosso sombrio tempo, travando nossa língua de um amargor muito mais forte e cruel do que aquele experimentado pelos filósofos no sonho democrático abortado na Grécia antiga. Creonte, ao abrir os olhos para o óbvio ululante, do fundo de seu ser, faz emergir uma insofismável verdade, no final melancólico de seu enredo trágico:

― “Não é possível conhecer perfeitamente um homem e o que vai no fundo de sua alma, seus sentimentos e seus pensamentos mesmos, antes de o vermos no exercício do poder”.


Para mostrar que a democracia grega já nasceu capenga, o historiador Luciano Cândido, em “O Mundo de Atenas”, cita Tucídides: O governo de Péricles foi democracia apenas nas palavras. Há quem a chame de democracia e quem a chame de outra maneira, cada qual de acordo com sua preferência, mas, na verdade, é uma aristocracia com o apoio das massas”.

Vejo nessa ideia da força corruptora do poder não contestado, as duas faces de Creonte na Trilogia de Tebas” (Sérgio Abranches)

Abranches, em sua magistral obra, empreendeu uma profunda abordagem sobre a Medida do Poder, trazendo para o presente o maniqueísmo da denúncia, do impedimento, assim como do populismo que sempre grassou entre os poderosos, desde os primórdios da civilização Grega. Na realidade, esse sonho democrático (repleto de maquinações) ensaiado pelos personagens míticos do dramaturgo Sófocles (400 a.C), ainda hoje, se faz plenamente presente em todos seus aspectos. As profundas mudanças e transições históricas globais (retrocessos) que estamos a experimentar na atualidade, não nos deixam mentir.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de dezembro de 2018