No capítulo de número 10 (“Que se Abram as Gaiolas Teológicas”) de seu memorável livro ─ Pentecostalismo e Pós-Modernidade ─, o pastor César Moisés Carvalho(*) explora em linguagem metafórica, uma íntima e inusitada experiência, a qual, com os devidos créditos, passo a replicá-la.
Diz, ele:
“Se eu fosse místico, teria agora de estar procurando um significado para o que me aconteceu. Explico-me. Todos os dias, há anos, mantenho um ritual. Após chegar em casa, antes de banhar-me, aproveito esse período lendo algum livro. Como o ambiente não é muito adequado, levo livros pequenos e não faço escolhas, apenas apanho algum aleatoriamente na estante. A obra da experiência de ontem, inicia-se com um prefácio do próprio autor, produzido vinte anos depois de ele tê-la escrito. O pastor, aqui, faz uma pausa para se deter no prólogo do livro ─ Dogmatismo & Tolerância ─ de Rubem Alves (*) ─ Editora Loyola ─ página 08:
"Vivo num apartamento no oitavo andar. Minha filha Raquel, paisagista, fez-me um jardim de bromélias, folhagens e bambus no pequeno espaço da minha varanda. Mas aquele jardim não me deu alegrias. Os pássaros não a visitavam. Que tristes são os jardins sem pássaros. Era como os pássaros não me amassem. Transformei a minha tristeza numa crônica para o jornal. Tive então, no dia seguinte, uma surpresa: aprendi que os pássaros leem jornais! Ao entrar no meu apartamento encontrei-me com um beija-flor que entrara e não conseguira sair. Tive de pegá-lo com a mão. Como nós, homens, somos os seres que perderam a confiança nos pássaros, ele teve medo, fugiu e se debateu quando o segurei. Debateu-se tanto que deixou algumas penas azuis. Tomei as penas, amarrei-as e as dependurei no bambu. Desde então os beija-flores e uns pássaros pequenos cujo nome não sei me visitam todo dia. Isso me dá alegria. Nós, eu e os pássaros, temos sonhos comuns. Sonhamos com o voo e com a imensidão do céu azul."
(*) Rubem Alves (1933 ─ 2014), psicanalista, educador, teólogo, escritor e pastor presbiteriano.
Voltemos, então, ao relato de César Moisés Carvalho (**):
“Se essa coincidência com a experiência do beija-flor surpreendeu, não menos diferente foi o que ocorreu com a ideia da Gaiola.
No último final de semana, participei de uma Escola Bíblica e, em um momento da mensagem, disse que os religiosos do tempo em que Jesus Cristo exerceu seu ministério, pareciam ter uma ‘Gaiola Teológica’ e nela enclausuraram o Senhor Deus. Qualquer pessoa que estuda a narrativa dos Evangelhos percebe que Jesus de Nazaré foi rejeitado, e quem o fez primeiramente e de maneira ostensiva foi a classe religiosa de sua época. Eles elaboraram paradigmas teológicos, preceitos de homens e ai de quem não se enquadrasse (no sentido mais pleno do verbo) nesses limites. Como Jesus Cristo negava-se a ser aprisionado e cerceado, mas apenas desconstruía tais gaiolas teológicas, tornou-se, ─ sem querer ─ o adversário comum deles. Assim, a minha surpresa foi tamanha quando verifiquei que, logo após contar sua experiência com o beija-flor, Rubem Alves, diz que ‘Deus criou os pássaros'. Bem, até aí nenhuma novidade, pois a Bíblia informa que no princípio Deus criou os céus e a terra e tudo que neles há. Contudo, com sua capacidade de metaforizar, no parágrafo seguinte disse que as ‘religiões eram gaiolas’. Tive um misto de alegria e frustração, pois percebi que minha abstração não teria mais ares de ‘originalidade’, pois o ‘contador de histórias’ havia se antecipado (ainda que sem eu o saber) dizendo que as ‘gaiolas criadas pelas religiões são feitas com palavras que pretendem prender o Pássaro' [em sua metáfora, uma alusão a Deus]".
(**)Pastor pedagogo, pós graduado em Teologia pela PUC- Rio
Levi B. Santos
Guarabira, 27 de janeiro de 2021