20 julho 2009

ABUSOS EM NOME DE DEUS


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...........Tenho me dedicado desde agosto de 2006, a postar aqui no “Ensaios & Prosas”, textos só de minha autoria. A maioria dos artigos é de cunho bíblico-reflexivo. Muito dos ensaios que eu tenho escrito falam de minhas experiências religiosas, que na época de minha meninice era de uma rigidez insuperável.

Abro com prazer uma honrosa exceção, para publicar algo que não veio de mim, mas tem muito de mim. Trata-se de uma entrevista emblemática da evangélica Marília de Camargo César à Kátia de Melo da Revista Época, que tocou fundo no meu coração. Resolvi publicá-la, simplesmente, pelo fato dela ter evocado muito de minha história, nos tempos em que obedecia com tremor e temor às ordens paternas, sem reclamações, muito embora as dúvidas e questionamentos me corroessem por dentro.

Senti-me como um personagem participante do clima dessa lúcida entrevista, que creio, cada cristão irá ler e refletir com profundidade. Vi nas palavras de Marília, um libelo, e um alerta para esses tempos difíceis em que vivemos no meio de um cristianismo doentio, que grassa como uma epidemia, contaminando e matando muitos indefesos espirituais.

Tomei a ousadia de colocar o título da reportagem no topo da postagem.

Caro leitor, procure um momento de silêncio em meio ao corre-corre da vida, para conferir a nossa realidade nua e crua, através da antológica entrevista que aí segue:

....."Abusos em Nome de Deus"



(Jornalista relata os danos do assédio espiritual cometido por líderes evangélicos)

A igreja evangélica está doente e precisa de uma reforma. Os pastores se tornaram intermediários entre Deus e os homens e cometem abusos emocionais apoiados em textos bíblicos. Essas são algumas das afirmações polêmicas da jornalista Marília de Camargo César em seu livro de estreia, Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão), que será lançado no dia 30. Marília é evangélica e resolveu escrever depois de testemunhar algumas experiências religiosas com amigos de sua antiga congregação.


ENTREVISTA - MARÍLIA DE CAMARGO CÉSAR À REVISTA ÉPOCA (DE 29/06/2009)




ÉPOCA – Por que você resolveu abordar esse tema?


Marília de Camargo César –
Eu parti de uma experiência pessoal, de uma igreja que frequentei durante dez anos. Eu não fui ferida por nenhum pastor, e esse livro não é nenhuma tentativa de um ato heroico, de denúncia. É um alerta, porque eu vi o estado em que ficaram meus amigos que conviviam com certa liderança. Isso me incomodou muito e eu queria entender o que tinha dado errado. Não quero que haja generalizações, porque há bons pastores e boas igrejas. Mas as pessoas que se envolvem em experiências de abusos religiosos ficam marcadas profundamente.

ÉPOCA – O que você considera abuso religioso?


Marília –
Meu livro é sobre abusos emocionais que acontecem na esteira do crescimento acelerado da população de evangélicos no Brasil. É a intromissão radical do pastor na vida das pessoas. Um exemplo: uma missionária que apanha do marido sistematicamente e vai parar no hospital. Quando ela procura um pastor para se aconselhar, ele diz: “Minha filha, você deve estar fazendo alguma coisa errada, é por isso que o teu marido está se sentindo diminuído e por isso ele está te batendo. Você tem de se submeter a ele, porque biblicamente a mulher tem de se submeter ao cabeça da casa”. Então, essa mulher pede um conselho e o pastor acaba pisando mais nela ainda. E usa a Bíblia para isso. Esse é um tipo de abuso que não está apenas na igreja pentecostal ou neopentecostal, como dizem. É um caso da Igreja Batista, que tem melhor reputação.

ÉPOCA – Seu livro questiona a autoridade pastoral. Por quê?


Marília –
As igrejas que estão surgindo, as neopentecostais (não as históricas, como a presbiteriana, a batista, a metodista), que pregam a teologia da prosperidade, estão retomando a figura do “ungido de Deus”. É a figura do profeta, do sacerdote, que existia no Antigo Testamento. No Novo Testamento, Jesus Cristo é o único mediador. Mas o pastor dessas igrejas mais novas está se tornando o mediador. Para todos os detalhes de sua vida, você precisa dele. Se você recebe uma oferta de emprego, o pastor pode dizer se deve ou não aceitá-la. Se estiver paquerando alguém, vai dizer se deve ou não namorar com aquela pessoa. O pastor, em vez de ensinar a desenvolver a espiritualidade, determina se aquele homem ou aquela mulher é a pessoa de sua vida. E ele está gostando de mandar na vida dos outros, uma atitude que abre um terreno amplo para o abuso.

ÉPOCA – Você afirma que não é só culpa do pastor.


Marília –
Assim como existe a onipotência pastoral, existe a infantilidade emocional do rebanho. A grande crítica de Freud em relação à religião era essa. Ele dizia que a religião infantiliza as pessoas, porque você está sempre transferindo suas decisões de adulto, que são difíceis, para a figura do pai ou da mãe, substituí­dos pelo pastor e pela pastora. O pastor virou um oráculo. Assim é mais fácil ter alguém, um bode expiatório, para culpar pelas decisões erradas.

ÉPOCA Quais são os grandes males espirituais que você testemunhou?
Marília –

Eu vi casamentos se desfazer, porque se mantinham em bases ilusórias. Vi também pessoas dizendo que fazer terapia é coisa do diabo. Há pastores que afirmam que a terapia fortalece a alma e a alma tem de ser fraca; o espírito é que tem de ser forte. E dizem isso apoiados em textos bíblicos. Afirmam que as emoções têm de ser abafadas e apenas o espírito ser fortalecido. E o que acontece com uma teologia dessas? Psicoses potenciais na vida das pessoas que ficam abafando as emoções. As pessoas que aprenderam essa teologia e não tiveram senso crítico para combatê-la ficaram muito mal. Conheci um rapaz com muitos problemas de depressão e de autoestima que encontrou na igreja um ambiente acolhedor. Ele dizia ter ressuscitado emocionalmente. Só que, com o passar dos anos, o pastor se apoderou dele.

ÉPOCA – Qual foi a história que mais a impressionou?


Marília –
Uma das histórias que mais me tocaram foi a de uma jovem que tem uma doença degenerativa grave. Em uma igreja, ela ouviu que estava curada e que, caso se sentisse doente, era porque não tinha fé suficiente em Deus. Essa moça largou os remédios que eram importantíssimos no tratamento para retardar os efeitos da miastenia grave (doença autoimune que acarreta fraqueza muscular). O médico dela ficou muito bravo, mas ela peitou o médico e chegou a perder os movimentos das pernas. Ela só melhorou depois de fazer terapia. Entendeu que não precisava se livrar da doença para ser uma boa pessoa.

“O pastor está gostando de mandar na vida dos outros
e receber presentes. Isso abre espaço para os abusos”

ÉPOCA – Por que demora tanto tempo para a pessoa perceber que está sendo vítima?


Marília –
Os abusos não acontecem da noite para o dia. No primeiro momento, o fiel idealiza a figura do líder como alguém maduro, bem preparado. É aquilo que fazemos quando estamos apaixonados: não vemos os defeitos. O pastor vai ganhando a confiança dele num crescendo. Esse líder, que acredita que Deus o usa para mandar recados para sua congregação, passa a ser uma referência na vida da pessoa. O fiel, por sua vez, sente uma grande gratidão por aquele que o ajudou a mudar sua vida para melhor. Ele quer abençoar o líder porque largou as drogas, ou parou de beber, ou parou de bater na mulher ou porque arrumou um emprego. E começa a dar presentes de acordo com suas posses. Se for um grande empresário, ele dá um carro importado para o pastor. Isso eu vi acontecer várias vezes. O pastor gosta de receber esses presentes. É quando a relação se contamina, se torna promíscua. E o pastor usa a Bíblia para legitimar essas práticas.

ÉPOCA – Você afirma que muitos dos pastores não agem por má-fé, mas por uma visão messiânica...


Marília –
É uma visão messiânica para com seu rebanho. Lutero (teólogo alemão responsável pela reforma protestante no século XVI) deve estar dando voltas na tumba. O pastor evangélico virou um papa, a figura mais criticada pelos protestantes, porque não erra. Não existe essa figura, porque somos todos errantes, seres faltantes, como já dizia Freud. Pastor é gente. Mas é esse pastor messiânico que está crescendo no evangelismo. A reforma de Lutero veio para acabar com a figura intermediária e a partir dela veio a doutrina do sacerdócio universal. Todos têm acesso a Deus. Uma das fontes do livro disse que precisamos de uma nova reforma, e eu concordo com ela.

ÉPOCA – Se a igreja for questionada em seus dogmas, ela não deixará de ser igreja?


Marília –
Eu não acho. A igreja tem mesmo de ser questionada, inclusive há pensadores cristãos contemporâneos que questionam o modelo de igreja que estamos vivendo e as teologias distorcidas, como a teologia da prosperidade, que são predominantemente neopentecostais e ensinam essa grande barganha. Se você não der o dízimo, Deus vai mandar o gafanhoto. Simbolicamente falando, Ele vai te amaldiçoar. Hoje o fiel se relaciona com o Divino para as coisas darem certo. Ele não se relaciona pelo amor. Essa é uma das grandes distorções.

ÉPOCA – No livro você dá alguns alertas para não cair no abuso religioso.


Marília –
Desconfie de quem leva a glória para si. Uma boa dica é prestar atenção nas visões megalomaníacas. Uma das características de quem abusa é querer que a igreja se encaixe em suas visões, como querer ganhar o Brasil para Cristo e colocar metas para isso. E aquele que não se encaixar é um rebelde, um feiticeiro. Tome cuidado com esse homem. Outra estratégia é perguntar a si mesmo se tem medo do pastor ou se pode discordar dele. A pessoa que tem potencial para abusar não aceita que se discorde dela, porque é autoritária. Outra situação é observar se o pastor gosta de dinheiro e ver os sinais de enriquecimento ilícito. São esses geralmente os que adoram ser abençoados e ganhar presentes. Cuidado.


Guarabira, 20 de julho de 2009


17 julho 2009

CAPACETES PODEM TRANSMITIR PENSAMENTOS

BCI - O microblog Twitter ganhou um capacete que transforma impulso cerebral em letras para postagens




A Ciência tem demonstrado nos últimos anos que a capacidade dada por Deus ao homem, para desvendar mistérios, vem ultrapassando limites nunca antes imaginados.

Hoje em dia, qualquer criança aprende na escola que o desenvolvimento e o funcionamento de organismo estão cuidadosamente codificados dentro de uma minúscula célula. Já não é mais novidade que os gens determinam nosso metabolismo, nossa aparência, nosso modo de ser, e nossos conjuntos de comportamentos.

Recentemente foi descoberto que os gens podem ser modificados pela experiência do dia a dia, fato esse aparentemente absurdo de ser pensado, alguns anos atrás.

A Ciência se alimenta daquilo que antes era considerado mistério. O desvendar daquilo que não conhecíamos, põe fim ao enigmático. A mulher engravidar sem o contato sexual masculino era algo impensável nos primórdios de nossa Era. No entanto, hoje se sabe que além da inseminação artificial, existe a fertilização do embrião em vitro, e, através de uma das células–tronco embrionárias já se conseguiu desenvolver o espermatozóide.

Cerca de 50% do que somos, é determinado pela nossa herança genética. Já foram descobertas áreas do cérebro responsáveis pela sensação de medo, e do prazer. Já se sabe, em detalhes, como funcionam os transmissores químicos que percorrem os neurônios e suas sinapses e interligações. A manipulação genética do embrião é uma realidade, de modo que doenças hereditárias são hoje perfeitamente evitadas. Alguns tipos de depressão conseqüente a distúrbios da produção de serotonina, são combatidos quimicamente.

Já foram detectadas bactérias inteligentes que se escondem nas próprias células humanas para escapar de serem destruídas por medicamentos bactericidas.

No momento, a medicina parece estar perdendo a guerra para os vírus, os quais se modificam, constantemente, para escapar das drogas potentes e vacinas que os combatem.

Para se ter idéia de até aonde chegou o desenvolvimento científico, pesquisadores (de engenharia biomédica) acabam de fabricar, recentemente, o que eles consideram um “Capacete de Pensar”. Três empresas estão produzindo essa parafernália tecnológica que registram os circuitos do cérebro. São o BCI, o EPOC e o NeuroSkY, que deixam as mãos dos internautas livres. O usuário se concentra em letras que são captadas por eletrodos, enviando dados por meio de conexão sem fio para um computador. Já se pode formar até frases inteiras por essa via de transmissão. Por enquanto esse aparelho está disponível para jogos de videogames (vide foto no topo da postagem).

Já pensou, o internauta sem o uso das mãos, escrevendo no seu blog por impulsos vindo diretamente do seu cérebro, para a tela do computador?

É, mais ninguém imaginaria, 40 anos atrás, a interação instantânea e simultânea que estamos desfrutando hoje, através da internet. Absorvemos tão rápido os avanços da ciência, que mais tarde, o que estamos ventilando aqui como algo extraordinário, não terá nenhuma graça.

Meio temeroso, faço aqui uma pergunta: Será que um dia essa parafernália eletrônica terá a capacidade de ler os nossos pensamentos?

Para que os nossos corações não fiquem conturbados, a Bíblia nos deixou um grande alento, como consolação: “Pois os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos ─ diz O Senhor" (Isaias 55:8)



Por Levi B. Santos
Guarabira 17 de julho de 2009


13 julho 2009

PAPA APROXIMA-SE DAS SEITAS DA PROSPERIDADE


ATESTADO PROGRESSISTA (Título da matéria de VEJA)

Em sua nova encíclica, o papa Bento XVI surpreende ao reconhecer o papel do lucro na produção da riqueza e os méritos do capitalismo globalizado (Sub-título da reportagem de Leandro Beguoci à revista VEJA)




A maioria do mundo cristão sabe muito bem que as seitas da Teologia da Prosperidade consideram a pobreza e a dificuldade financeira como pecados ou demônios que precisam ser exorcizados, para que se tenha sucesso na vida. Preconizam a doutrina de que a riqueza material é um sinal evidente da bênção de Deus. O padrão dessa nefasta doutrina se mede pelo TER. Dessa forma, quanto mais abençoado for o indivíduo, mais prosperidade econômica terá.


Os arautos da teologia da prosperidade encontraram, agora, um grande companheiro de jornada. O Papa, através de sua última encíclica, “Caritas in Veritate”, surpreendentemente, atesta o lucro e a riqueza como méritos indiscutíveis que todo o cristão deve desfrutar.


Uma recente reportagem sobre esse assunto encontra-se na revista “Veja” que saiu nas Bancas de Jornais no último domingo (12 de julho), com o título: “Atestado Progressista”. Esse fato constitui-se numa grande surpresa, pois, os Papas anteriores a Bento XVI, sempre demonizaram o sistema capitalista.


Na encíclica, Bento XVI, além de discorrer sobre amor carnal e amor espiritual, afirma que “a religião precisa sempre ser purificada pela razão”. Diz ainda que “as conseqüências da falta de Deus no dia a dia são as condições precárias de trabalho de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo” ─, desconhecendo que o próprio Cristo não teve onde repousar a cabeça. O Papa dá a entender que as suas propostas, se aceitas, irão trazer influências positivas para o enriquecimento das nações.


É de se supor que, a mola propulsionadora desse discurso papal tenha sido a crise econômica mundial que começou lá nos EUA, e atingiu toda a Europa. Quem sabe, se essa crise não foi o motivo maior para que o papa desse essa guinada fenomenal. Com certeza os custos crescentes e os lucros descendentes dos investimentos imobiliários evaporaram os dólares do Banco do Vaticano. Como os cardeais financistas da Casa de São Pedro não podem imprimir moedas, a única solução que encontraram, momentaneamente, foi a de pedir socorro ao deus da prosperidade financeira.


Diante de tudo isso não vejo outra alternativa para recuperação das finanças do Vaticano, que não seja a de contratar PhDs telepastores da prosperidade que infestam o nosso país, para dar aulas ao Sumo-Pontífice e seus cardeais, sobre como arrecadar rios de dinheiro em nome de “Deus”. O Brasil nesse ponto tem sido pródigo.




Guarabira, 13 de julho de 2009

Por Levi B. Santos



08 julho 2009

SOB LIBERDADE VIGIADA


Panóptico: um presídio moderno



Tinha saído da prisão há três meses, e graças ao seu comportamento exemplar conseguira o presente da liberdade vigiada.

Agora, se via no dever de andar como um homem de bem ─ atribuição esta muito arriscada ─, pois em caso de algum deslize, voltaria para a cadeia, desta feita, recebendo uma pena mais rígida, como alertara enfaticamente o diretor do presídio.

Iria agora experimentar o que era viver em um regime semi aberto. Mas o que seria viver em tal regime? ─ perguntava para si mesmo, com um leve pressentimento de que essa sua nova situação tivesse algo em comum com o “Panóptico de Jeremy Bentham” ─,  ensaio esse lido com curiosidade rara nos seus primeiros meses de prisão. O Panóptico tratava-se de um edifício em forma de anel, em cuja circunferência externa se encontravam as celas dos presos, todas com janelas dirigidas para uma torre que ficava no centro do círculo. Era nessa torre, com vistas para todas as celas, que um vigilante, em oculto, observava diuturnamente o comportamento dos detentos. Dentro dessa estrutura carcerária, nenhum detento escapava de ser vigiado em seus mínimos detalhes.

Nos primeiros
dias da semi-liberdade procurou redescobrir os encantos da cidade, refazendo amizades com os entes que tinha deixado para trás. No entanto, não conseguia viver sem estar sobressaltado e temeroso. Às vezes, em sua imaginação, sentia como se estivesse sendo observado ou perseguido por olhos estranhos. As pessoas que o olhavam pareciam lhe dizer: "Cuidado! Qualquer falta ou desvio de conduta, você será denunciado e preso novamente!”. A obsessão de estar sendo vigiado era tão intensa que com pouco tempo tinha resolvido não sair mais para caminhar, transformando sua casa numa prisão ou espécie de fortaleza psicológica.

Certa noite,
renovado de coragem, saiu perambulando pelas ruas de seu bairro, indo parar em frente a uma igreja, onde estava sendo realizado um culto. Ali, escorado em uma janela, ficou ouvindo o emocionado pregador que discorria sobre a graça libertadora de Deus destinada ao homem, através da pessoa do seu Filho Jesus, o qual foi morto, crucificado e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos [...]. Ele tinha gravado bem o tema da pregação: “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8: 36). Pensou, pensou, e resolveu atender o convite para se congregar ali, e viver uma nova vida, sem medo de errar, pois segundo o que o Pastor dissera, em Cristo, o crente tem um advogado que nunca perde uma causa, e sempre consegue o perdão de Deus, em qualquer situação. Alegrou-se, quando o pastor dissera que a misericórdia de Deus para perdoar, era infinita.

Seis meses se
passaram, e foi o bastante para ele se ver tomado de novo pelo desânimo. Sentia o ciclo conclusivo da morte lhe apertando o peito. A esperança que tinha nascido dentro de si, fôra como que enxotada para bem longe. Sentia-se como um guerreiro que perdeu a última batalha. As obrigações, os sacrifícios vazios, a liturgia do culto tinham tomado o lugar da graça tão insistentemente anunciada. Via que os mensageiros de Deus ensinavam muita teoria, tudo aparentemente bonito de se ver, mas que pena: fora do templo exibiam uma vida vaga, difusa e angustiante, como se estivessem sendo corroídos por dentro. Os acasos da vida, as doenças nervosas e físicas ─ eles atribuíam ao demônio ─, e viviam indefinidamente numa eterna punição. Todas as agruras da vida eram atribuídas a pecados que os afastavam cada vez mais de Deus. Não estava mais suportando ver os ministros cristãos converterem-se em administradores ou burocratas de uma máquina insensível, sob o nome de Deus. Pode constatar, também, que a preocupação com as almas caídas não passava de uma abjeta manipulação. Aos poucos, foi entendendo que a santidade ali apregoada era determinada por padrões publicitários de consumo, agradáveis ao paladar, olhos e ouvidos, mas venenosos para o coração. As pessoas de boa fé que alí procuravam refúgio para se verem livres da escravidão do pecado, em pouco tempo, se encontravam em liberdade vigiada, assumindo paulatinamente fardos cada vez mais pesados, como pagamento pelos erros comentidos involuntariamente.

Ele já não aguentava mais aquela situação, pois, quando frequentava os cultos de exortação, se sentia como se estivesse preso num assustador "templo-presídio", idêntico ao Panóptico que conhecera um dia, através de um livro lido na prisão.

Certo dia,
envolto pelas trevas da noite ─ enquanto pela sua mente passavam doces hinos que aprendera a cantar ─, tímido e fraco, dormiu. Sonhou com um templo parecido em tudo com o Panóptico de suas leituras.

No sonho,
ele e os demais crentes estavam presos em celas no grande anel externo do círculo. Na torre central estava o dirigente da congregação de arma em punho apontando para cada um dos presos. Acima do pregador pairava um grande olho estagnado. O olhar não era de aprovação e sim de censura e desdém.

Pela janela
do seu quarto, ele deu uma breve olhada para última porção de estrelas que desaparecia no céu, com o clarear do dia e, em seguida, foi analisar as duas opções que assomaram a sua mente, após o emblemático sonho.

Viveria como
um zangão solitário, a vagar como um estrangeiro sem pátria, pela aridez espiritual dos desertos?

Ou se massificaria
para poder ─ mesmo representando um papel ─ conviver na igreja-presídio que o sonho queria mostrar?

No fundo, ele sabia
muito bem que, ao se decidir pela segunda opção, iria vegetar pelo resto de sua vida. E se era para viver em semi-escravidão (liberdade vigiada), não fazia diferença nenhuma se estivesse no presídio, na cidade, em casa ou na igreja.



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 08 de julho de 2009

03 julho 2009

EXPLORAÇÃO DA FÉ ─ ATÉ QUE PONTO?



No tempo de minha meninice, era um leitor cativo do “Mensageiro da Paz” – jornal editado pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Dentre os tópicos deste periódico, um me chamava mais atenção: era o da página de testemunhos de curas e milagres, que ainda hoje é ventilada, nesse mesmo jornal, de uma forma não extravagante.


Talvez aquele antigo desejo de ver maravilhas ainda esteja latente em meu inconsciente, pois hoje, ao assistir o Jornal Nacional ─ edição das 20 horas, sempre que posso, dou minhas passadas pelo canal da Band, que no seu horário nobre exibe o programa “show da fé”. A parte do programa que divulga curas e milagres por este canal de TV tem causado constrangimentos em toda blogosfera, e nem de longe se parece com os testemunhos simples e eletrizantes, que eu lia no jornal evangélico que circulava e ainda circula por todos os recantos do país, a cada quinzena.


Há pouco mais de três semanas, uma chamada desse programa na Band, me fez ficar de cabelo em pé. Poderia ter gravado o inusitado caso, mas na hora, a estupefação fez com que eu esquecesse esse importante detalhe.


Em suma, foi mais ou menos assim o grotesco acontecimento:


─ Meus amigos telespectadores! Daqui a pouco vocês vão ouvir um relato de um grandioso milagre. Deus recuperou instantaneamente a virgindade de uma nossa irmã. Ela está aqui presente, e vai contar tudo ─ diz o eufórico Pastor, esfregando uma mão na outra.


Pulei da “cadeira do papai” em que estava bem acomodado, e fiquei com os olhos arregalados, sem querer acreditar no que estava ouvindo.


O show da fé, nessa noite, foi muito longe no seu somatório de aberrações. Como médico, sei perfeitamente que a virgindade não é só representada pela higidez dessa frágil membrana do órgão sexual feminino. A perda da virgindade é muito mais do que a ruptura dessa simples estrutura anatômica. Se houve o ato sexual, ele se passou numa esfera psico-afetiva mais profunda, envolvendo, é claro, a consciência e a química cerebral do casal. É impossível negar, desfazer ou esquecer aquilo que foi realmente sentido ou vivenciado sexualmente. Recuperar a estrutura himenal não significa, de modo algum, dizer que a virgindade foi restabelecida.
Uma analogia, para melhor entender o que me parece óbvio : o fato de se zerar o indicador da quilometragem do carro usado, não significa que o mesmo se tornou zero km.


Esperei curioso o emblemático caso da recuperação da virgindade, tão bisonhamente alardeado. Tive asco quando ouvi o maior personagem do show falar:


─ Irmã, conte-me como foi essa tremenda cura, que lhe fez ficar virgem de novo! ─ disse ele dando os seus pulinhos e risadinhas características.


Quando vi a mulher, aparentando seus trinta anos, mais encabulada que alegre, com um jeito de quem estava ali sendo explorada de forma hedionda, a adrenalina me subiu, e fiquei altamente indignado.


A pobre irmã tinha se envolvido sexualmente antes de ser crente, mas agora estava a li a apregoar, diante de aplausos, que agora Deus tinha restabelecido a sua virgindade.


A que ponto a exploração da fé chegou. No tempo das minhas leituras dos milagres e curas do jornal Mensageiro da Paz, pelo menos, os grandes feitos da fé eram comprovados com fotos de atestados e radiografias fornecidos por entidades médicas. Tudo bem documentado.


Agora não, tudo se tornou tão banal, que de uma cura ou milagre não se exige mais comprovação científica. Os “predadores” do evangelho não se importam com isso, desde que as falsas curas encham os seus baús com o tesouro que a traça e a ferrugem comem. O Deus deles se mede pelo número de concentrações realizadas. Dizem: “hoje tem espetáculo às 9.00, 11.00, 15.00 e 20 horas”. Com promessas falsas e jargões de caráter apelativo, ludibriam muitas pessoas, as quais são levadas aos locais dos eventos (praças e avenidas), como bois que são conduzidos ao matadouro. Multidões, cada vez maiores, à procura de consolo, se deixam levar pelo ABSURDO das mensagens estapafúrdias e curas de mentira, sempre acompanhadas das costumeiras salvas de palmas para Jesus (digo, Zé Jus)


Acredito que esses vendedores de supostos milagres, caso não se arrependam, um dia, ouvirão Cristo dizer categoricamente:


“[...] Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim vós que praticais a iniqüidade”. (Mateus 7 : 23)




Por: Levi B. Santos

Guarabira, 03 de julho de 2009

26 junho 2009

A "GRAÇA" É ISTO, E MUITO MAIS...




...........Como definir o que é graça?

Poderá um reles humano exprimi-la em palavras?

Por mais que tentemos explicar, reconhecemos que na graça, há um resíduo inexprimível ligado a nossa subjetividade e individualidade, que a linguagem falada ou escrita é incapaz de abordá-la em sua completude. Os evangelhos a mencionam diversas vezes, em vários tipos de situações e circunstâncias.

Talvez, a nossa acomodação em não refletir sobre a graça, tenha nos acostumado na maioria das vezes, a fazer-lhe referência de um modo tão mecânico, que terminamos por transformá-la em um bordão, utilizado, habitualmente, em começo e fim de textos. O evangelista S. João, sentindo a sua evidência, de uma forma bastante clara e inspirada, assim escreveu: “[...] a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. ( João 1 :17)

Debrucemo-nos mais sobre esse tema ─ razão maior do cristianismo que abraçamos com tanta fé ─ e veremos que os saudosistas dos rituais Vétero-Testamentários estão aproveitando o vácuo da incompreensão sobre o que denominamos graça, para sem a intermediação de Cristo, enganar multidões, dizendo-se profetas-mensageiros de Deus. Na realidade, as realizações e façanhas desses “anticristos” de ocasião são puras elucubrações, não tendo nada de poder Divino.

Cristo não veio definir a graça, mas veio viver ao nosso lado para demonstrá-la, através de suas atitudes, nas diversas e emblemáticas situações com que se deparou no seu curto, porém profícuo ministério.

O que aqui escrevo em vários parágrafos, são retalhos extraídos da infinita profunda e multiforme Boa Nova do Evangelho, mas reconheço que ela é muito mais do que isso. Não tenho dúvida, de que o amigo(a) leitor(a) poderia acrescentar muito mais conceitos sobre graça, extraídos de sua experiência particular e única com Deus, além dos que aqui, passo a mencionar:


A graça é aquela misericórdia infinita que diz que devemos perdoar até setenta vezes sete.

A graça é aquela que nos sussurra diante dos julgamentos que são engendrados em nossa consciência contra o nosso próximo, e nos faz silenciar, ao soprar ao nosso ouvido: Quem não tiver pecado seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”.

A graça é aquela que esteve presente na afirmação enfática de Cristo, diante dos que exerciam juízo contra a prostituta: Nem eu te condeno!”

A graça é aquela que fecha os olhos para os méritos, mas vê a simplicidade interior dos humildes que muita gente não vê.

A graça é aquela que não sabe amaldiçoar, pois só se alimenta do perdão.

A graça é aquela que cala a justiça dos homens, em benefício dele próprio.

A graça é aquela coisa que faz acender a nossa “luz vermelha”, pedindo que olhemos para dentro de nós, quando caímos em nossas contradições diárias.

A graça é aquela que superabundou onde o pecado abundou.

A graça é aquela que se revelou explicitamente no coração de Cristo, quando Ele explicou o motivo maior de não se odiar os que nos fazem mal: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem

A graça é aquela que escolheu as nossas fraquezas para que o poder de Deus se aperfeiçoasse nelas.

A graça é aquela que nos alerta para não incorrermos no paradoxo de se pregar, fazer milagres e maravilhas, sem ter amor.

A graça é aquela que tem de ser buscada diariamente, para que nos nossos escorregos diários, não venhamos assumir de novo os fardos pesados da maldição da Lei.

A graça é aquela consciência adquirida através da fé em Cristo, de que não são mais necessários os sacrifícios ou penitências para apagar fatos do passado de nossa ignorância. É a certeza de que a verdade de ontem, firmada sem excepcionalidade nos severos ditames da lei, foi sepultada com Cristo, lá na cruz do calvário. Quem não tiver esta certeza ─ é uma pena ─, vai viver eternamente se cobrando por coisas que o sangue de Cristo já apagou de uma vez por todas. Nunca é demais, através de um exercício diário, impregnar a nossa mente com esse emblemático versículo: “[...] a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo ( João 1: 17)

A graça é aquela que está sempre incluindo, e nunca excluindo.

A graça é aquela que ao inundar o nosso coração, faz calar a arrogância, dissipando toda soberba.

A graça é aquele bálsamo que invade o nosso interior, perdoando-nos e nos aliviando quando no mais profundo abismo do nosso ser, as feras terríveis, em revolta nos fazem sofrer.

A graça é aquela bondade regida pela misericórdia infinita, que a nossa natureza animal resiste egoisticamente, ao racionalizar a justiça Divina com vingança.

A graça é aquela que não anda junto com sacrifícios, votos e oferendas.

A graça é aquela que foi soprada ao ouvido do apóstolo de Tarso, quando ele desejou criar asas antes do tempo: a mim te basta ─ Paulo!”

A graça é aquela que nos faz crescer quando mergulhamos em nós mesmos, e nos faz diminuir, quando intentamos ser melhor e maior que o outro.

A graça é aquela que entende que as aflições da vida, são contingências naturais de nossa caminhada, sem que signifique castigo ou maldição divina.

A graça é aquela que não usa o artifício do medo, para obrigar o homem a agir contra a voz de sua própria consciência.

A graça é aquela, que por ser dom gratuito de Deus, nunca se vende nem se deixa ser comercializada.


A graça é isto, e muito mais...



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 26 de junho de 2009

23 junho 2009

O São João de Armando Pedreira



Naquele dia ele voltara a ser criança. As recordações de tão vivas, pareciam deixá-lo gozando de novo as delicias de uma época marcante de sua infância. Perguntava para si mesmo: “Por que naquele momento viera à tona aquelas cenas, que ele em toda a sua vida de adulto jamais tinha evocado com tamanha clareza de detalhes?

Poderia agora mesmo citar uma por uma, todas as pessoas que moravam naquela rua. Realmente nunca revelara os sentimentos aos seus pais, com medo de uma tremenda repreensão, mas, lá no fundo de sua alma, achava aquela festa, a coisa mais bela que acontecia todos os anos em sua vida. Tudo era inusitado desde as primeiras horas da manhã. Os preparativos, como a colagem de bandeirolas de papel celofane nas cores vermelha, verde, azul e branca, em longos fios de linha “urso” para serem pregadas nos pontos mais altos das casas; folhas verdes enormes de palmeiras para serem fixadas nas paredes das residências. Ficava meio encabulado, pois no bangalô em que morava, seu pai avisava de antemão, que não permitia pregar a linha de bandeirolas no frontão de sua casa, pois aquilo era coisa do diabo, dizendo sempre nestas ocasiões:

“Você meu filho tenha cuidado, não se junte com esta molecada. Nós somos um povo separado e santificado para Deus. Este povo que está nesta alegria mundana vai todo para o inferno”.

Ao ouvir estas palavras de seu progenitor, aflorava-lhe um sentimento de culpa, por não conseguir tirar da cabeça, ou negar a satisfação que sentia em seu ser, no entardecer do dia de São João, quando ao soar da melodia sinfônica da Ave Maria, precisamente às seis horas em ponto, as pessoas acorriam para frente de suas casas, a fim de acender as tradicionais fogueiras. Lembrava-se perfeitamente de que ao anoitecer, saía correndo por toda a extensão da rua de barro batido, numa extensão de mais ou menos uns duzentos metros, a contar as fogueiras de cada lado da rua. Enumerava as maiores e mais altas, que quase sempre ficavam à frente das residências dos mais ricos.

Ah! Que inveja sentia por não ter o direito de soltar pelo menos aqueles chuveiros de gotas belas e fosforescentes que exalavam muita fumaça branca. O cheiro da pólvora dos traques, dos beijos de moça, dos mijões, dos ratinhos e das pequenas bombas, inebriava-lhe. Escondido em um dos becos de sua casa, após saborear pamonhas e canjicas com queijo de coalho e café quente, se contentava em soltar algumas estrelinhas miudinhas cujas faíscas não chegavam a mais de um centímetro de comprimento. Dizia para ele mesmo: “Não acredito de maneira nenhuma, que Deus vá se zangar por eu estar me divertindo com isto”.


Recordava quando nas noites de São João que coincidiam com os cultos na igreja, como ele ficava acabrunhado, muito triste por perder a maior parte daquele espetáculo, e saía de casa bem devagarinho para o templo, a fim ter mais tempo para apreciar a beleza esplendorosa daquelas lanternas pregadas nas paredes de fora das casas, acima de cada janela e portas. Lanternas em forma de pirâmides, de cubos, umas redondas como fole de sanfona, em forma de estrelas de variadas cores, escondendo a luz tremulante das velas em seu interior.

Numa das noites de festa junina, ele perdera a maior parte da brincadeira, pois o dirigente do culto se estendera demais no seu sermão, fazendo-o perder as maravilhas das girândolas preparadas, num dia em que o céu estava maravilhoso, centrado por uma lua, que parecia naquela ocasião, espargir um brilho diferente como nunca tinha presenciado.

Armando Pedreira, agora já adulto, estava a lembrar de uma daquelas esplendorosas noites de S. João, em que a lua cheia dava um toque todo especial, e os balões multicoloridos começavam a ser soltos pela gurizada alegremente alvoroçada. Passavam, agora, por sua mente, os balões de variados tamanhos, subindo, subindo, levados pelos ventos em meio a um céu límpido, onde em pouco tempo eram transformados em pequeninos pontinhos de luz bruxuleante, em meio às estrelas cintilantes.

O menino Armando Pedreira, hoje, um ministro eclesiástico, reuniu a sua igreja para uma séria exortação. Faltavam três dias para a festa do S. João, quando ele então resolveu juntar todos os fiéis para um sermão emblemático. Após explicar que aquilo era uma festa satânica da pior espécie, assim concluiu a sua exortação:

“tragam todas as crianças, sem exceção, para igreja bem cedinho, antes do acender das fogueiras. Se porventura os pais não puderem vir a igreja nesse dia, prendam todas as crianças em casa. Os mais rebeldes tranquem em quartos e ponham os mesmos para dormir cedo”.



Nota do autor:


“ Pastor Armando Pedreira (personagem fictício), não deixe de ouvir nesta noite de S. João, essas saudosas músicas (Paraíba e Asa Branca). Exatamente, quando o senhor estiver à mesa com os seus, se deliciando com as gostosas pamonhas, canjicas e queijos de coalho, antes de ir ao culto.

Um bom São João para o senhor e família.




20 junho 2009

NAQUELA NOITE, A SUA MÁSCARA CAIU

Ele era um pregador fantástico. Dizia-se que no meio evangélico, não havia igual. Ganhou fama e notoriedade pelos sermões que realizava nas noites de domingos em sua igreja. Era um perito tanto em anestesiar as massas, como em incendiá-las. Aplicava com esmero, as noções do populismo eclesiástico que importara dos EUA. Tinha mandado aumentar a área do púlpito de seu templo, a fim de poder executar as suas dramatizações com mais liberdade. Tomara aulas de patinação por dois meses, e ultimamente usava patins com roldanas para deslizar suavemente no assoalho reluzente do palco “divino”, onde emocionava a platéia ensandecida, com suas peripécias circenses. O som estridente de “Ô glóoooooriaaaa!” ecoava quando ele rodopiando sobre as rodas dos seus patins, assim falava: ─ Irmãos! Lá no Céu não iremos nos cansar, caminhando ou andando, como se faz aqui na terra. Lá deslizaremos suavemente em patins de ouro e de prata, pelas ruas de cristais da Nova Jerusalém. Para demonstrar o ruído dos patins “celestiais”, ele deslizava em círculos pelo palco gritando: ─ Vai ser assim irmãos! Lá vai ser assim! Olhem, olhem bem! E como ele sabia bem dominar o público! Com esperteza e astúcia, conseguia tirar da multidão o tipo de emoção que quisesse ─, como um exímio violonista faz com as cordas do seu instrumento. Ante a sua verve, a multidão ora respondia com gritos histéricos, ora reverberava com choros e saracoteios. Os seus emblemáticos sermões de domingo à noite o levaram aos píncaros da fama. Os cachês que no início eram modestos, agora atingiam vultosa soma Era disputadíssimo, para falar em congressos evangelísticos nas grandes cidades do país. Sabia, como ninguém, sugestionar as massas. Dizia: “hoje eu quero cinqüenta almas rendidas aqui a minha frente”. E não é que vinham aos pés do preletor, o dobro do número por ele vaticinado!. Adorava criar vinhetas e bordões, executando uma exegese exótica e fantasiosa dos escritos de João no seu Livro, Apocalípse. Numa excitação alucinatória inacreditável, fazia todos verem as mansões celestiais. Para isso, ele primeiramente mandava a multidão fechar os olhos, e pressioná-los com bastante força com os dedos, para em seguida perguntar: ─ O que vocês estão vendo nesse momento? E a multidão ensandecida, e sob esfuziante barulheira dizia em coro: ─ Estamos vendo as luzes da Cidade Santa. Quem estivesse observando o quadro à certa distância, concluiria, tratar-se de uma histeria coletiva. Ao chegar a sua casa, após o término dos seus fantásticos sermões, o pregador executava a velha rotina: despia-se de sua colorida indumentária, lavava o rosto, para retirar as tinturas da pegajosa maquiagem, e vestia o seu pijama de pura seda, para mergulhar, em seguida, na sua imensa e macia cama. Recentemente, após um desses fenomenais cultos, um fato surpreendente fez com que ele não conseguisse conciliar o sono. Ele ouvia um programa evangélico pelo seu radinho de cabeceira, quando, foi surpreendido por um hino do “Trazendo a Arca” ( Ministério do Louvor). A letra do hino bateu muito forte dentro dele, ocasionando uma súbita elevação de sua tensão arterial, que terminou por levá-lo a um Serviço Médico de urgência, onde ficou em observação tratando-se de uma crise hipertensiva. Segundo a equipe médica de plantão, tudo fora ocasionado por um forte abalo emocional. Após essa noite fatídica, ninguém mais ouviu falar no nome desse ator gospel. Diziam, à boca pequena, que ele tinha tomado um chá de sumiço. É bem verdade, que alguns da igreja ficaram com saudades dos fantasiosos e açucarados sermões, entremeados de cenas circenses, nas noites de domingo. Nota do autor: O leitor, com certeza, está ansioso para ouvir a canção que desestabilizou o famoso pregador dos domingos à noite. O título desse hino é: “Quem é Você?” Relaxe bem, e clique aqui embaixo, para ouvir essa bela melodia, prestando, é claro, bastante atenção na sua inspirada e interessante letra:

16 junho 2009

Ai, Que Saudades da Igrejinha (Paródia II)



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. ........Ataulfo Alves, o menino de Miraí – MG, teria completado 100 anos no dia 02 de maio de 2009, se vivo estivesse.


..........Esse ícone do samba brasileiro buscou inspiração para suas famosas músicas através da própria experiência de vida.


Foi trabalhador da roça, plantador de café, milho e arroz. No Rio de Janeiro, conheceu a vida das gentes humildes, trabalhadoras e sofridas dos morros e favelas. Foi naquele meio, que ele encontrou a inspiração incomum para junto com seu parceiro, Mário Lago, compor um dos maiores sambas de todos os tempos, conhecido por todo brasileiro, de norte a sul do país. Trata-se, nada mais nada menos, de “Ai ,que Saudades da Amélia”.


Amélia era aquela mulher do subúrbio do Rio de Janeiro, que sustentava nove filhos com dedicação, amor e responsabilidade. Essa companheira fiel do Ataulfo não tinha realmente tempo para se dedicar à frivolidade egocentrista. Ela e o velho sambista viveram momentos de aflições permeados com raros momentos de alegria, mas sempre juntos, numa cumplicidade espontânea e cheia de graça.


A primeira estrofe do samba fala da Amélia da modernidade - aquela que vive em função da vaidade. Enquanto que a segunda estrofe versa sobre a velha “Amélia”, que sem maldade e egoísmo, deixa transparecer a verdade, na sua maneira de ser. Amélia era assim definida: "Boa mãe, boa esposa e boa dona de casa".


Foi refletindo longamente sobre a letra dessa música, que resolvi fazer esta paródia (a segunda do blog). Fiz uma analogia entre a Amélia de Ataulfo Alves e a Igrejinha do interior, dos meus tempos de menino, nos anos sessenta. De forma metafórica, não restam dúvidas de que a igreja atual tem muito a ver com as "Amélias" de hoje.


Leiam primeiramente a letra de “Ai, que Saudades da Amélia”, para em seguida conferir a paródia: “Ai, que Saudades da Igrejinha".



Ai, Que Saudades da Amélia



Nunca vi fazer tanta exigência,
Nem fazer o que você me faz.
Você não sabe o que é consciência,
Nem vê que eu sou um pobre rapaz.
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer.
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia,
Aquilo sim é que era mulher.


Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariado
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer?"
Amélia não tinha a menor vaidade.
Amélia é que era mulher de verdade!


(Ataulfo Alves e Mário Lago)





Ai, Que Saudades da Igrejinha



Nunca vi pregar tanta indecência,

Nem se mostrar tão incapaz.

Você não sabe o que é complacência,

Só sabe ensinar o que lhe apraz.

Você só pensa em luxo e riqueza,

Se vende por uma nota qualquer.

Ai meu Deus que saudades da igrejinha;

A igrejinha sem uma mácula sequer.



Muitas vezes saía dela calado,

Mas encontrava sempre o que colher.

Quando me via contrariado

O pastor dizia: "Meu filho, Deus tem poder!"

A igrejinha não tinha a menor vaidade;

Na igrejinha só se pregava a verdade.

A igrejinha não tinha a menor vaidade;

Na igrejinha só se pregava a verdade.


(Paródia por Levi B. Santos)



P.S.: Querendo ouvir o velho samba de Ataulfo Alves, é só clicar aqui:


cortesia de www.letras.com.br

12 junho 2009

EU SEI QUE VOU TE AMAR







Os eternos namorados, nesta sua noite, poderão sonhar "momentos iguais aqueles..." , ao embalo dessa bela música, com o intérprete que achar mais conveniente. Tem Tom Jobim, Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso, Gal Costa, entre outros.

Confiram também o doce tango do filmaço “Perfume de mulher”.


06 junho 2009

Com Cristo Ficou Mais Difícil?




Ele era, até certo ponto, um ser sectário em suas idéias e verdades apreendidas. Fazia racionalizações diárias. Mas, o espelho de sua consciência revelava mais as incongruências do seu ser, do que a “verdade” que tanto enfatizava em suas perorações. Quão enganoso era o seu “coração”, pois, as palavras que saiam de sua boca, negavam o seu próprio eu interior. Dizia-se cristão, e, no entanto, comportava-se como um animal contraditório e escorregadio.

Os seus emocionantes sermões tinham sobre a plateia um poder de convencimento fora do comum. Sem saber que o próprio “saber” é também uma forma de dominação, ele esbanjava a sua verve diante dos que estavam numa posição de inferioridade. E, essa arrogante atitude frente às ovelhas que pastoreava, ele confundia com a vontade Divina.
Ele não admitia que as suas velhas certezas pudessem ser contestadas pelo seu semelhante que estivesse a lhe ouvir. Não entrava em sua cabeça a máxima do filósofo Montaigne, que dizia: “a palavra é metade de quem a diz, e metade de quem a escuta”.

Certa noite, após ter feito um longo sermão sobre adultério, sem conseguir conciliar o sono, dedicou-se a autoreflexão. Os pensamentos que assomaram a sua mente foram muito fortes e devastadores, a ponto de deixá-lo receoso de que aparecesse alguém ali, e pudesse auscultar o que estava imaginando naquele momento.


Estava aturdido com o versículo emblemático, tema de seu último sermão, que como cola em madeira, impregnara o seu cérebro: “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já cometeu adultério com ela. ( Mateus 5 : 28)

“Antigamente era melhor. Depois de Cristo, ficou mais difícil, porque, só em pensar o homem já cometeu pecado em seu coração” ─ Era esse o pensamento que vinha sufocando a sua alma após o duro sermão que fizera, com o intuito de conter o início de uma onda de litígios e separações entre casais em sua igreja.


A rígida hermenêutica que seguia letra a letra foi desconcertada pelo humano olhar que fazia, agora, para dentro de si mesmo. Por seus olhos passavam os valores, as crenças, aquilo que ele presenciava no meio da sociedade onde ensinava. Os paradigmas inflexíveis que ele colocara na sua vitrine teológica eram agora objeto de novas interpretações.


Estava realmente hesitante e confuso.

Lembrou-se do zelo de Saulo pela Lei. No afã de fazer prevalecer a Lei, o futuro disseminador do cristianismo, paradoxalmente, perseguia Cristo.

Em sua aflição chegou a perguntar para si mesmo: Nesse ponto, Cristo veio dificultar as coisas para o lado do homem?. Deus se humanizou para tornar mais complicada a vida do homem?

A frase fatal “de que agora se tornou mais difícil”, ─ martelava a sua cabeça.

Estremecido pela contradição humana, ele tentava apaziguar a sua alma, com exercícios e mais exercícios de imaginação. Continuou pensando, formulando perguntas e mais perguntas para si mesmo.


O fato de que Cristo viera resgatar a transparência, que havia se perdido, na relação entre os homens, no seu entendimento, tornara tudo muito mais difícil do que no tempo da Lei.
Cristo viera rasgar o véu que escondia a hipocrisia do homem, para expor a trama mental urdida “secretamente” sob a forma de desejos ilícitos ─ era isso que ele de maneira tênue começava a entender.

Um vendaval de perguntas sem respostas, golpeava a sua mente insone na fatídica noite em que ele resolveu mergulhar, mais profundamente, nas águas tenebrosas do abismo do seu ser.

Um rosário de interrogações encharcava o seu confuso cérebro:

O melhor de antes, significava que a Lei só punia o ato, e era cega para as intenções do coração?

O melhor de antes, era porque, a cada sacrifício levado ao altar expiavam-se os pecados, deixando o homem livre para pecar de novo?

O que ficou mais difícil hoje, com relação aos pensamentos pecaminosos, é que com Cristo, não podemos mentir para nós mesmos?


Depois de muito refletir ele chegou à conclusão de que antes de Cristo, o formalismo das representações, como um porão, escondia os recalques e as más intenções urdidas nos recônditos da mente.

Agora, tudo tinha que ser transparente, e as intenções do coração passaram a ter peso igual ao mal praticado. Mas o contraditório surgiu rápido em sua mente, ao lembrar de Caim, que planejara em seu coração o assassinato de seu irmão Abel, ocasião em que Deus tinha lhe dado uma chance, ao falar: “
[...] o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (Gênesis 4: 7). É ─ refletia ele ─ nesse caso houve um desejo urdido no coração de Caim, que se não tivesse sido concretizado, não haveria pecado. Não entendia o “porquê”, da intenção malévola, nesse caso, não ser considerada, em si, um pecado, como acontecia com o desejo impuro à respeito das mulheres.

O pregador com o coração carregado de ansiedade já não se entendia mais, debatendo-se internamente contra os muros dos seus pré-conceitos.

Foi naquela marcante noite que ele descera ao porão do seu próprio inferno. Disse para ele mesmo: “não vou mais pregar sobre esse tão enigmático tema!”.

Havia mulheres na sua igreja, que eram belas, e isso ele não podia negar. Bem ─ dizia para si mesmo ─, o perigo reside no fato de admirá-las demoradamente, e isso é uma questão de grau. Depois do achar belo, vem o admirar, e finalmente, de forma sutil, viria a amizade ─ onde tudo poderia resvalar para ilicitude.

Ele admitia que a graça e a misericórdia de Deus cobriam uma multidão de pecados, menos o pecado do “desejo impuro” em relação ao sexo oposto ─, mesmo que de forma involuntária isso viesse a acontecer.

Com a cabeça à mil, ele chegou a sentir saudades da relação Deus-homem do Velho Testamento. Como gostaria que voltasse o tempo de Moisés, onde a pena para o pecado do adultério só era validada quando se ia às vias de fato. Além do mais, pensava: “naquele tempo, não poderia haver lugar para o remorso, pois havia o tal do bode expiatório que ao receber os pecados de todos, desaparecia numa fuga desembestada e doida pelo meio do deserto?”.


No dia seguinte, com os olhos a denunciar que passara toda a noite acordado, prometeu para ele mesmo: “Doravante, ao abordar as minhas ovelhas, vítimas desse venenoso desejo, serei mais compreensivo e misericordioso”.





Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de junho de 2006