26 junho 2009

A "GRAÇA" É ISTO, E MUITO MAIS...




...........Como definir o que é graça?

Poderá um reles humano exprimi-la em palavras?

Por mais que tentemos explicar, reconhecemos que na graça, há um resíduo inexprimível ligado a nossa subjetividade e individualidade, que a linguagem falada ou escrita é incapaz de abordá-la em sua completude. Os evangelhos a mencionam diversas vezes, em vários tipos de situações e circunstâncias.

Talvez, a nossa acomodação em não refletir sobre a graça, tenha nos acostumado na maioria das vezes, a fazer-lhe referência de um modo tão mecânico, que terminamos por transformá-la em um bordão, utilizado, habitualmente, em começo e fim de textos. O evangelista S. João, sentindo a sua evidência, de uma forma bastante clara e inspirada, assim escreveu: “[...] a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. ( João 1 :17)

Debrucemo-nos mais sobre esse tema ─ razão maior do cristianismo que abraçamos com tanta fé ─ e veremos que os saudosistas dos rituais Vétero-Testamentários estão aproveitando o vácuo da incompreensão sobre o que denominamos graça, para sem a intermediação de Cristo, enganar multidões, dizendo-se profetas-mensageiros de Deus. Na realidade, as realizações e façanhas desses “anticristos” de ocasião são puras elucubrações, não tendo nada de poder Divino.

Cristo não veio definir a graça, mas veio viver ao nosso lado para demonstrá-la, através de suas atitudes, nas diversas e emblemáticas situações com que se deparou no seu curto, porém profícuo ministério.

O que aqui escrevo em vários parágrafos, são retalhos extraídos da infinita profunda e multiforme Boa Nova do Evangelho, mas reconheço que ela é muito mais do que isso. Não tenho dúvida, de que o amigo(a) leitor(a) poderia acrescentar muito mais conceitos sobre graça, extraídos de sua experiência particular e única com Deus, além dos que aqui, passo a mencionar:


A graça é aquela misericórdia infinita que diz que devemos perdoar até setenta vezes sete.

A graça é aquela que nos sussurra diante dos julgamentos que são engendrados em nossa consciência contra o nosso próximo, e nos faz silenciar, ao soprar ao nosso ouvido: Quem não tiver pecado seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”.

A graça é aquela que esteve presente na afirmação enfática de Cristo, diante dos que exerciam juízo contra a prostituta: Nem eu te condeno!”

A graça é aquela que fecha os olhos para os méritos, mas vê a simplicidade interior dos humildes que muita gente não vê.

A graça é aquela que não sabe amaldiçoar, pois só se alimenta do perdão.

A graça é aquela que cala a justiça dos homens, em benefício dele próprio.

A graça é aquela coisa que faz acender a nossa “luz vermelha”, pedindo que olhemos para dentro de nós, quando caímos em nossas contradições diárias.

A graça é aquela que superabundou onde o pecado abundou.

A graça é aquela que se revelou explicitamente no coração de Cristo, quando Ele explicou o motivo maior de não se odiar os que nos fazem mal: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem

A graça é aquela que escolheu as nossas fraquezas para que o poder de Deus se aperfeiçoasse nelas.

A graça é aquela que nos alerta para não incorrermos no paradoxo de se pregar, fazer milagres e maravilhas, sem ter amor.

A graça é aquela que tem de ser buscada diariamente, para que nos nossos escorregos diários, não venhamos assumir de novo os fardos pesados da maldição da Lei.

A graça é aquela consciência adquirida através da fé em Cristo, de que não são mais necessários os sacrifícios ou penitências para apagar fatos do passado de nossa ignorância. É a certeza de que a verdade de ontem, firmada sem excepcionalidade nos severos ditames da lei, foi sepultada com Cristo, lá na cruz do calvário. Quem não tiver esta certeza ─ é uma pena ─, vai viver eternamente se cobrando por coisas que o sangue de Cristo já apagou de uma vez por todas. Nunca é demais, através de um exercício diário, impregnar a nossa mente com esse emblemático versículo: “[...] a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo ( João 1: 17)

A graça é aquela que está sempre incluindo, e nunca excluindo.

A graça é aquela que ao inundar o nosso coração, faz calar a arrogância, dissipando toda soberba.

A graça é aquele bálsamo que invade o nosso interior, perdoando-nos e nos aliviando quando no mais profundo abismo do nosso ser, as feras terríveis, em revolta nos fazem sofrer.

A graça é aquela bondade regida pela misericórdia infinita, que a nossa natureza animal resiste egoisticamente, ao racionalizar a justiça Divina com vingança.

A graça é aquela que não anda junto com sacrifícios, votos e oferendas.

A graça é aquela que foi soprada ao ouvido do apóstolo de Tarso, quando ele desejou criar asas antes do tempo: a mim te basta ─ Paulo!”

A graça é aquela que nos faz crescer quando mergulhamos em nós mesmos, e nos faz diminuir, quando intentamos ser melhor e maior que o outro.

A graça é aquela que entende que as aflições da vida, são contingências naturais de nossa caminhada, sem que signifique castigo ou maldição divina.

A graça é aquela que não usa o artifício do medo, para obrigar o homem a agir contra a voz de sua própria consciência.

A graça é aquela, que por ser dom gratuito de Deus, nunca se vende nem se deixa ser comercializada.


A graça é isto, e muito mais...



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 26 de junho de 2009

23 junho 2009

O São João de Armando Pedreira



Naquele dia ele voltara a ser criança. As recordações de tão vivas, pareciam deixá-lo gozando de novo as delicias de uma época marcante de sua infância. Perguntava para si mesmo: “Por que naquele momento viera à tona aquelas cenas, que ele em toda a sua vida de adulto jamais tinha evocado com tamanha clareza de detalhes?

Poderia agora mesmo citar uma por uma, todas as pessoas que moravam naquela rua. Realmente nunca revelara os sentimentos aos seus pais, com medo de uma tremenda repreensão, mas, lá no fundo de sua alma, achava aquela festa, a coisa mais bela que acontecia todos os anos em sua vida. Tudo era inusitado desde as primeiras horas da manhã. Os preparativos, como a colagem de bandeirolas de papel celofane nas cores vermelha, verde, azul e branca, em longos fios de linha “urso” para serem pregadas nos pontos mais altos das casas; folhas verdes enormes de palmeiras para serem fixadas nas paredes das residências. Ficava meio encabulado, pois no bangalô em que morava, seu pai avisava de antemão, que não permitia pregar a linha de bandeirolas no frontão de sua casa, pois aquilo era coisa do diabo, dizendo sempre nestas ocasiões:

“Você meu filho tenha cuidado, não se junte com esta molecada. Nós somos um povo separado e santificado para Deus. Este povo que está nesta alegria mundana vai todo para o inferno”.

Ao ouvir estas palavras de seu progenitor, aflorava-lhe um sentimento de culpa, por não conseguir tirar da cabeça, ou negar a satisfação que sentia em seu ser, no entardecer do dia de São João, quando ao soar da melodia sinfônica da Ave Maria, precisamente às seis horas em ponto, as pessoas acorriam para frente de suas casas, a fim de acender as tradicionais fogueiras. Lembrava-se perfeitamente de que ao anoitecer, saía correndo por toda a extensão da rua de barro batido, numa extensão de mais ou menos uns duzentos metros, a contar as fogueiras de cada lado da rua. Enumerava as maiores e mais altas, que quase sempre ficavam à frente das residências dos mais ricos.

Ah! Que inveja sentia por não ter o direito de soltar pelo menos aqueles chuveiros de gotas belas e fosforescentes que exalavam muita fumaça branca. O cheiro da pólvora dos traques, dos beijos de moça, dos mijões, dos ratinhos e das pequenas bombas, inebriava-lhe. Escondido em um dos becos de sua casa, após saborear pamonhas e canjicas com queijo de coalho e café quente, se contentava em soltar algumas estrelinhas miudinhas cujas faíscas não chegavam a mais de um centímetro de comprimento. Dizia para ele mesmo: “Não acredito de maneira nenhuma, que Deus vá se zangar por eu estar me divertindo com isto”.


Recordava quando nas noites de São João que coincidiam com os cultos na igreja, como ele ficava acabrunhado, muito triste por perder a maior parte daquele espetáculo, e saía de casa bem devagarinho para o templo, a fim ter mais tempo para apreciar a beleza esplendorosa daquelas lanternas pregadas nas paredes de fora das casas, acima de cada janela e portas. Lanternas em forma de pirâmides, de cubos, umas redondas como fole de sanfona, em forma de estrelas de variadas cores, escondendo a luz tremulante das velas em seu interior.

Numa das noites de festa junina, ele perdera a maior parte da brincadeira, pois o dirigente do culto se estendera demais no seu sermão, fazendo-o perder as maravilhas das girândolas preparadas, num dia em que o céu estava maravilhoso, centrado por uma lua, que parecia naquela ocasião, espargir um brilho diferente como nunca tinha presenciado.

Armando Pedreira, agora já adulto, estava a lembrar de uma daquelas esplendorosas noites de S. João, em que a lua cheia dava um toque todo especial, e os balões multicoloridos começavam a ser soltos pela gurizada alegremente alvoroçada. Passavam, agora, por sua mente, os balões de variados tamanhos, subindo, subindo, levados pelos ventos em meio a um céu límpido, onde em pouco tempo eram transformados em pequeninos pontinhos de luz bruxuleante, em meio às estrelas cintilantes.

O menino Armando Pedreira, hoje, um ministro eclesiástico, reuniu a sua igreja para uma séria exortação. Faltavam três dias para a festa do S. João, quando ele então resolveu juntar todos os fiéis para um sermão emblemático. Após explicar que aquilo era uma festa satânica da pior espécie, assim concluiu a sua exortação:

“tragam todas as crianças, sem exceção, para igreja bem cedinho, antes do acender das fogueiras. Se porventura os pais não puderem vir a igreja nesse dia, prendam todas as crianças em casa. Os mais rebeldes tranquem em quartos e ponham os mesmos para dormir cedo”.



Nota do autor:


“ Pastor Armando Pedreira (personagem fictício), não deixe de ouvir nesta noite de S. João, essas saudosas músicas (Paraíba e Asa Branca). Exatamente, quando o senhor estiver à mesa com os seus, se deliciando com as gostosas pamonhas, canjicas e queijos de coalho, antes de ir ao culto.

Um bom São João para o senhor e família.




20 junho 2009

NAQUELA NOITE, A SUA MÁSCARA CAIU

Ele era um pregador fantástico. Dizia-se que no meio evangélico, não havia igual. Ganhou fama e notoriedade pelos sermões que realizava nas noites de domingos em sua igreja. Era um perito tanto em anestesiar as massas, como em incendiá-las. Aplicava com esmero, as noções do populismo eclesiástico que importara dos EUA. Tinha mandado aumentar a área do púlpito de seu templo, a fim de poder executar as suas dramatizações com mais liberdade. Tomara aulas de patinação por dois meses, e ultimamente usava patins com roldanas para deslizar suavemente no assoalho reluzente do palco “divino”, onde emocionava a platéia ensandecida, com suas peripécias circenses. O som estridente de “Ô glóoooooriaaaa!” ecoava quando ele rodopiando sobre as rodas dos seus patins, assim falava: ─ Irmãos! Lá no Céu não iremos nos cansar, caminhando ou andando, como se faz aqui na terra. Lá deslizaremos suavemente em patins de ouro e de prata, pelas ruas de cristais da Nova Jerusalém. Para demonstrar o ruído dos patins “celestiais”, ele deslizava em círculos pelo palco gritando: ─ Vai ser assim irmãos! Lá vai ser assim! Olhem, olhem bem! E como ele sabia bem dominar o público! Com esperteza e astúcia, conseguia tirar da multidão o tipo de emoção que quisesse ─, como um exímio violonista faz com as cordas do seu instrumento. Ante a sua verve, a multidão ora respondia com gritos histéricos, ora reverberava com choros e saracoteios. Os seus emblemáticos sermões de domingo à noite o levaram aos píncaros da fama. Os cachês que no início eram modestos, agora atingiam vultosa soma Era disputadíssimo, para falar em congressos evangelísticos nas grandes cidades do país. Sabia, como ninguém, sugestionar as massas. Dizia: “hoje eu quero cinqüenta almas rendidas aqui a minha frente”. E não é que vinham aos pés do preletor, o dobro do número por ele vaticinado!. Adorava criar vinhetas e bordões, executando uma exegese exótica e fantasiosa dos escritos de João no seu Livro, Apocalípse. Numa excitação alucinatória inacreditável, fazia todos verem as mansões celestiais. Para isso, ele primeiramente mandava a multidão fechar os olhos, e pressioná-los com bastante força com os dedos, para em seguida perguntar: ─ O que vocês estão vendo nesse momento? E a multidão ensandecida, e sob esfuziante barulheira dizia em coro: ─ Estamos vendo as luzes da Cidade Santa. Quem estivesse observando o quadro à certa distância, concluiria, tratar-se de uma histeria coletiva. Ao chegar a sua casa, após o término dos seus fantásticos sermões, o pregador executava a velha rotina: despia-se de sua colorida indumentária, lavava o rosto, para retirar as tinturas da pegajosa maquiagem, e vestia o seu pijama de pura seda, para mergulhar, em seguida, na sua imensa e macia cama. Recentemente, após um desses fenomenais cultos, um fato surpreendente fez com que ele não conseguisse conciliar o sono. Ele ouvia um programa evangélico pelo seu radinho de cabeceira, quando, foi surpreendido por um hino do “Trazendo a Arca” ( Ministério do Louvor). A letra do hino bateu muito forte dentro dele, ocasionando uma súbita elevação de sua tensão arterial, que terminou por levá-lo a um Serviço Médico de urgência, onde ficou em observação tratando-se de uma crise hipertensiva. Segundo a equipe médica de plantão, tudo fora ocasionado por um forte abalo emocional. Após essa noite fatídica, ninguém mais ouviu falar no nome desse ator gospel. Diziam, à boca pequena, que ele tinha tomado um chá de sumiço. É bem verdade, que alguns da igreja ficaram com saudades dos fantasiosos e açucarados sermões, entremeados de cenas circenses, nas noites de domingo. Nota do autor: O leitor, com certeza, está ansioso para ouvir a canção que desestabilizou o famoso pregador dos domingos à noite. O título desse hino é: “Quem é Você?” Relaxe bem, e clique aqui embaixo, para ouvir essa bela melodia, prestando, é claro, bastante atenção na sua inspirada e interessante letra:

16 junho 2009

Ai, Que Saudades da Igrejinha (Paródia II)



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. ........Ataulfo Alves, o menino de Miraí – MG, teria completado 100 anos no dia 02 de maio de 2009, se vivo estivesse.


..........Esse ícone do samba brasileiro buscou inspiração para suas famosas músicas através da própria experiência de vida.


Foi trabalhador da roça, plantador de café, milho e arroz. No Rio de Janeiro, conheceu a vida das gentes humildes, trabalhadoras e sofridas dos morros e favelas. Foi naquele meio, que ele encontrou a inspiração incomum para junto com seu parceiro, Mário Lago, compor um dos maiores sambas de todos os tempos, conhecido por todo brasileiro, de norte a sul do país. Trata-se, nada mais nada menos, de “Ai ,que Saudades da Amélia”.


Amélia era aquela mulher do subúrbio do Rio de Janeiro, que sustentava nove filhos com dedicação, amor e responsabilidade. Essa companheira fiel do Ataulfo não tinha realmente tempo para se dedicar à frivolidade egocentrista. Ela e o velho sambista viveram momentos de aflições permeados com raros momentos de alegria, mas sempre juntos, numa cumplicidade espontânea e cheia de graça.


A primeira estrofe do samba fala da Amélia da modernidade - aquela que vive em função da vaidade. Enquanto que a segunda estrofe versa sobre a velha “Amélia”, que sem maldade e egoísmo, deixa transparecer a verdade, na sua maneira de ser. Amélia era assim definida: "Boa mãe, boa esposa e boa dona de casa".


Foi refletindo longamente sobre a letra dessa música, que resolvi fazer esta paródia (a segunda do blog). Fiz uma analogia entre a Amélia de Ataulfo Alves e a Igrejinha do interior, dos meus tempos de menino, nos anos sessenta. De forma metafórica, não restam dúvidas de que a igreja atual tem muito a ver com as "Amélias" de hoje.


Leiam primeiramente a letra de “Ai, que Saudades da Amélia”, para em seguida conferir a paródia: “Ai, que Saudades da Igrejinha".



Ai, Que Saudades da Amélia



Nunca vi fazer tanta exigência,
Nem fazer o que você me faz.
Você não sabe o que é consciência,
Nem vê que eu sou um pobre rapaz.
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer.
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia,
Aquilo sim é que era mulher.


Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariado
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer?"
Amélia não tinha a menor vaidade.
Amélia é que era mulher de verdade!


(Ataulfo Alves e Mário Lago)





Ai, Que Saudades da Igrejinha



Nunca vi pregar tanta indecência,

Nem se mostrar tão incapaz.

Você não sabe o que é complacência,

Só sabe ensinar o que lhe apraz.

Você só pensa em luxo e riqueza,

Se vende por uma nota qualquer.

Ai meu Deus que saudades da igrejinha;

A igrejinha sem uma mácula sequer.



Muitas vezes saía dela calado,

Mas encontrava sempre o que colher.

Quando me via contrariado

O pastor dizia: "Meu filho, Deus tem poder!"

A igrejinha não tinha a menor vaidade;

Na igrejinha só se pregava a verdade.

A igrejinha não tinha a menor vaidade;

Na igrejinha só se pregava a verdade.


(Paródia por Levi B. Santos)



P.S.: Querendo ouvir o velho samba de Ataulfo Alves, é só clicar aqui:


cortesia de www.letras.com.br

12 junho 2009

EU SEI QUE VOU TE AMAR







Os eternos namorados, nesta sua noite, poderão sonhar "momentos iguais aqueles..." , ao embalo dessa bela música, com o intérprete que achar mais conveniente. Tem Tom Jobim, Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso, Gal Costa, entre outros.

Confiram também o doce tango do filmaço “Perfume de mulher”.


06 junho 2009

Com Cristo Ficou Mais Difícil?




Ele era, até certo ponto, um ser sectário em suas idéias e verdades apreendidas. Fazia racionalizações diárias. Mas, o espelho de sua consciência revelava mais as incongruências do seu ser, do que a “verdade” que tanto enfatizava em suas perorações. Quão enganoso era o seu “coração”, pois, as palavras que saiam de sua boca, negavam o seu próprio eu interior. Dizia-se cristão, e, no entanto, comportava-se como um animal contraditório e escorregadio.

Os seus emocionantes sermões tinham sobre a plateia um poder de convencimento fora do comum. Sem saber que o próprio “saber” é também uma forma de dominação, ele esbanjava a sua verve diante dos que estavam numa posição de inferioridade. E, essa arrogante atitude frente às ovelhas que pastoreava, ele confundia com a vontade Divina.
Ele não admitia que as suas velhas certezas pudessem ser contestadas pelo seu semelhante que estivesse a lhe ouvir. Não entrava em sua cabeça a máxima do filósofo Montaigne, que dizia: “a palavra é metade de quem a diz, e metade de quem a escuta”.

Certa noite, após ter feito um longo sermão sobre adultério, sem conseguir conciliar o sono, dedicou-se a autoreflexão. Os pensamentos que assomaram a sua mente foram muito fortes e devastadores, a ponto de deixá-lo receoso de que aparecesse alguém ali, e pudesse auscultar o que estava imaginando naquele momento.


Estava aturdido com o versículo emblemático, tema de seu último sermão, que como cola em madeira, impregnara o seu cérebro: “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já cometeu adultério com ela. ( Mateus 5 : 28)

“Antigamente era melhor. Depois de Cristo, ficou mais difícil, porque, só em pensar o homem já cometeu pecado em seu coração” ─ Era esse o pensamento que vinha sufocando a sua alma após o duro sermão que fizera, com o intuito de conter o início de uma onda de litígios e separações entre casais em sua igreja.


A rígida hermenêutica que seguia letra a letra foi desconcertada pelo humano olhar que fazia, agora, para dentro de si mesmo. Por seus olhos passavam os valores, as crenças, aquilo que ele presenciava no meio da sociedade onde ensinava. Os paradigmas inflexíveis que ele colocara na sua vitrine teológica eram agora objeto de novas interpretações.


Estava realmente hesitante e confuso.

Lembrou-se do zelo de Saulo pela Lei. No afã de fazer prevalecer a Lei, o futuro disseminador do cristianismo, paradoxalmente, perseguia Cristo.

Em sua aflição chegou a perguntar para si mesmo: Nesse ponto, Cristo veio dificultar as coisas para o lado do homem?. Deus se humanizou para tornar mais complicada a vida do homem?

A frase fatal “de que agora se tornou mais difícil”, ─ martelava a sua cabeça.

Estremecido pela contradição humana, ele tentava apaziguar a sua alma, com exercícios e mais exercícios de imaginação. Continuou pensando, formulando perguntas e mais perguntas para si mesmo.


O fato de que Cristo viera resgatar a transparência, que havia se perdido, na relação entre os homens, no seu entendimento, tornara tudo muito mais difícil do que no tempo da Lei.
Cristo viera rasgar o véu que escondia a hipocrisia do homem, para expor a trama mental urdida “secretamente” sob a forma de desejos ilícitos ─ era isso que ele de maneira tênue começava a entender.

Um vendaval de perguntas sem respostas, golpeava a sua mente insone na fatídica noite em que ele resolveu mergulhar, mais profundamente, nas águas tenebrosas do abismo do seu ser.

Um rosário de interrogações encharcava o seu confuso cérebro:

O melhor de antes, significava que a Lei só punia o ato, e era cega para as intenções do coração?

O melhor de antes, era porque, a cada sacrifício levado ao altar expiavam-se os pecados, deixando o homem livre para pecar de novo?

O que ficou mais difícil hoje, com relação aos pensamentos pecaminosos, é que com Cristo, não podemos mentir para nós mesmos?


Depois de muito refletir ele chegou à conclusão de que antes de Cristo, o formalismo das representações, como um porão, escondia os recalques e as más intenções urdidas nos recônditos da mente.

Agora, tudo tinha que ser transparente, e as intenções do coração passaram a ter peso igual ao mal praticado. Mas o contraditório surgiu rápido em sua mente, ao lembrar de Caim, que planejara em seu coração o assassinato de seu irmão Abel, ocasião em que Deus tinha lhe dado uma chance, ao falar: “
[...] o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (Gênesis 4: 7). É ─ refletia ele ─ nesse caso houve um desejo urdido no coração de Caim, que se não tivesse sido concretizado, não haveria pecado. Não entendia o “porquê”, da intenção malévola, nesse caso, não ser considerada, em si, um pecado, como acontecia com o desejo impuro à respeito das mulheres.

O pregador com o coração carregado de ansiedade já não se entendia mais, debatendo-se internamente contra os muros dos seus pré-conceitos.

Foi naquela marcante noite que ele descera ao porão do seu próprio inferno. Disse para ele mesmo: “não vou mais pregar sobre esse tão enigmático tema!”.

Havia mulheres na sua igreja, que eram belas, e isso ele não podia negar. Bem ─ dizia para si mesmo ─, o perigo reside no fato de admirá-las demoradamente, e isso é uma questão de grau. Depois do achar belo, vem o admirar, e finalmente, de forma sutil, viria a amizade ─ onde tudo poderia resvalar para ilicitude.

Ele admitia que a graça e a misericórdia de Deus cobriam uma multidão de pecados, menos o pecado do “desejo impuro” em relação ao sexo oposto ─, mesmo que de forma involuntária isso viesse a acontecer.

Com a cabeça à mil, ele chegou a sentir saudades da relação Deus-homem do Velho Testamento. Como gostaria que voltasse o tempo de Moisés, onde a pena para o pecado do adultério só era validada quando se ia às vias de fato. Além do mais, pensava: “naquele tempo, não poderia haver lugar para o remorso, pois havia o tal do bode expiatório que ao receber os pecados de todos, desaparecia numa fuga desembestada e doida pelo meio do deserto?”.


No dia seguinte, com os olhos a denunciar que passara toda a noite acordado, prometeu para ele mesmo: “Doravante, ao abordar as minhas ovelhas, vítimas desse venenoso desejo, serei mais compreensivo e misericordioso”.





Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de junho de 2006

29 maio 2009

O Estandarte Gospel - VAI PASSAR...





A música Vai Passar do nosso grande ourives do palavreado, poeta e escritor Chico Buarque de Hollanda, foi composta em 1983 ─ época em que a Ditadura Militar dava seus últimos estertores. A chegada de um tempo novo, de esperança de que a página infeliz de nossa história fosse virada, inspirou essa canção, que se transformou no famoso hino das “Diretas Já!”.


Como cristão, ainda esperançoso de que um bloco carnavalesco denominado “neo-pentecostalismo” explorado de maneira infame pela mídia gospel, finalmente PASSE de uma vez por todas, resolvi fazer uma paródia, usando a letra do samba “VAI PASSAR”. Fiz simples alterações, para no mesmo espírito da letra original, enquadrar a “ópera bufa” que vem sendo executada dentro de “estranhas catedrais”. A paródia, por obedecer a mesma métrica do samba do velho Chico, pode ser cantada no mesmo ritmo e dentro da mesma harmonia.


Um lembrete ao caro leitor: esse samba, para ser executado com mais emoção, é bom que inclua além de sua voz, o som de um tamborim e de um violão.


VAMOS A PARÓDIA :


Vai passar nesse Brasil uma igreja popular
Cada cristão verdadeiro desse velho país essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram crentes imortais,
Que aqui sangraram pelos nossos pés,
Que aqui pregaram nossos ancestrais.
Mudaram do evangelho toda a sua história,
E sua Palavra transformada em escória
Por
muitos jovens santarrões.
Dormia a nossa Igreja Mãe tão distraída,
Sem ver que estava sendo corrompida
Por pregadores fanfarrões.
Seus filhos caminham cegos e dizem que são crentes,
Com amuletos feito penitentes
Dentro de estranhas catedrais.
E no arraial tinham direito a uma histeria fugaz,
Uma ofegante epidemia que nós chamamos reteté,
o reteté, o reteté.
Vai passar, palmas pra ala dos chorões famintos,
O bloco dos camaleões retintos
Com o seu “amor” comercial
Meu Deus, esse mal, com fé um dia desaparecerá;
Cai – cai, “unção” e cambalhota, não vai aqui mais habitar.


Ficarei na boa, olerê,
Ficarei na boa, olará,
O estandarte do ofertório geral vai passar.
Estarei na boa, olerê,
Estarei na boa, olará,
O estandarte do expiatório geral vai passar.


P.S.: Para ouvir o samba original do Chico que deu origem a esta paródia, CLIQUE AQUI


24 maio 2009

SENTIMENTO DE AMOR: O que há por trás?



Eu te amo meu amor”. Quantas vezes recitamos e ouvimos essa frase “clichê” pela vida afora. Quantas vezes a palavra “amor” está sendo repetida por esse mundão de Deus, agora mesmo, quando me debruço para escrever sobre o que sutilmente se encontra por trás desse tão falado e decantado afeto.

Quero falar do sentimento de amor que se confunde com o senso de “poder”. O poder intuitivo de dominar o outro, de tomar posse do outro. Afeto esse, que na maior parte das vezes não se torna consciente, por se encontrar escondido nas instâncias mais obscuras e profundas do nosso ser.

Será que ele mentiu quando disse que a amava tanto, que não podia viver sem ela?.

Será que traduzindo em miúdos, o “amor”, para o galanteador, não se resume a um mero sentimento de posse ─, o desejo possessivo de ter uma pessoa transformada em instrumento ou objeto em suas mãos?.

Às vezes, dizemos que amamos a esposa, o filho, o empregado de casa, ou mesmo um mendigo de rua, sem se ater a uma reflexão mais criteriosa. Reflexão essa, que pode simplesmente desembocar na constatação de que esse “amor” não passa de um sentimento de gratidão, por essas pessoas terem se tornado objetos de nossa dominação. Então, imaginamos que dominamos àquelas vidas, pelo simples fato de “amá-las” muito; na verdade, “as amamos” porque as dominamos.

Por vezes, aprisionamos nossos filhos em gaiolas douradas, e dizemos para nós mesmos: “é para sua proteção”. Racionalizamos que essa preocupação natural é “amor”. No entanto, essa percepção não passa de uma dominação ou propriedade.

O resultado é que quando o filho cresce, o que fica plantado nele é o receio de amar, pois o amor para ele, subtende-se, que é ficar preso e obstado. O amor que trava a liberdade não é amor, é possessão.

Infelizmente, em nossa cultura tratamos os outros como mercadoria. Achamos que para adquiri-los basta que eles fiquem dependentes de nós. Erich Fromm ─ o grande humanista da filosofia clássica alemã, escreveu: “Só há um sentido para a vida: o próprio ato de viver”.

Poderemos até pensar que a educação ensina a amar. Educar como se doma um animal, nunca vai fazer nascer na criança o sentimento do amor. Não podemos negar que, na grande maioria das vezes, o que as crianças aprendem na escola, são modos de representação para indicar para sociedade que elas gostam e aprovam aquilo que foi infundido em suas mentes. Tanto os pais, como os professores ensinam a criança a ser indiscriminadamente amistosa, como os trejeitos ensaiados de como sorrir e tagarelar.

Então, em suma, o que se esconde por trás desse amor artificialmente imprimido?

Escondem-se a jovialidade e a cordialidade adquiridas e expressas no que denominamos: “bons modos sociais”, ditas em outras palavras: “reações condicionadas”. E nós, os pais, ficamos na incumbência de ligar e desligar o interruptor dos nossos autômatos filhos.

Por outro lado, a religião corrobora com todo esse mecanismo de dominação, ao ensinar a esconder os próprios sentimentos. Os atos psíquicos originais da criança, através de subornos, são substituídos por meros clichês de convivência social. Sem poder expressar os seus sentimentos, o ser em formação vai se adaptando a um regime de escravidão psicológica dentro de um mundo ilegítimo e estéril.

Ela, a criança, aprenderá no mínimo, que AMAR, é ter que dominar o outro, e submetê-lo aos seus próprios poderes.

Como haverá lugar para o amor, se o mais alto valor humano é o sucesso? Como haverá lugar para o amor se em nossa vida diária o objetivo principal é nos transformarmos em um mero instrumento de competição dentro de uma máquina que nós mesmos construímos? É no meio dessa engrenagem chamada “sociedade” que tudo se confunde: desejo se confunde com fé; dependência se confunde com benevolência; ações egoístas se confundem com amor e altruísmo.

Vivemos dentro dos meandros de um amor utilitarista que depende da aprovação alheia ─ que faz o homem perder a sua identidade, alienando de si mesmo. É essa alienação constituída pela indiferença a si próprio e aos outros, que faz deitar raízes maléficas em toda a nossa cultura secular.

Não há dúvida de que há muita inverdade e artificialidade por trás daquilo que tão “humanamente” denominamos de “amor”.

O escolástico Hugo de São Victor (século XI), à respeito do amor desinteressado, assim se pronunciou: “[..]Pois o que é amar, senão querer possuir a quem se ama? Na realidade não procuras outra coisa em troca de teu amor, e no entanto procuras e desejas algo naquilo mesmo que amas”.

O Apóstolo Paulo no final de seu memorável sermão sobre o amor, disse: “Agora vemos em espelho, de maneira obscura [...];” (I Coríntios 13 :12)

Está escrito: “o amor é paciente, é benigno. O amor não inveja, não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal. O amor não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo suporta, nunca falha [...]” (Coríntios 13). Nesse mesmo capítulo fala-se de fé e esperança. Esperemos então esse verdadeiro sentimento pleno de amor. “Um dia o veremos face a face” ─ disse o apóstolo Paulo, resignadamente.

Peçamos a Deus que nos dê de sua graça e estenda a sua misericórdia sobre nós, pois, somos reles humanos, vendidos como escravos ao pecado. Quanto mais lutamos para conhecer esse amor em toda a sua plenitude ─ do qual Cristo foi portador ─ mas afundamos dentro de nossa desprezível pequenez. “A minha graça te basta, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” ─ foi a resposta Divina dada a Paulo num momento em que ele se deixou levar pelo “poder” da exaltação.

Mas, finalmente, o que há por trás desse sentimento de amor que permeia nossa vida de relação? Será que existe em nós uma verdade latente que resistimos em aceitá-la? Será que não estamos a confundir o sentimento de amor com os nossos discursos amorosos, provisórios e às vezes antagônicos, em relação ao outro? Será que por trás desse discurso afável, de belos gestos e belas palavras, não se escondem odiosos pensamentos e os mais repulsivos intentos? Será que o poder racional de convencimento, que manejamos tão bem, não é uma “meia verdade” que se oculta por trás do nobre sentimento de amor, que tanto se fala, se canta, e se declama em versos, ensaios e prosas?



“...porque o AMOR é forte como a morte, e duro como a sepultura o ciúme.”
(Cantares de Salomão 8: 6)




Ensaio por Levi B. Santos
Gurabira, 23 de maio de 2009



19 maio 2009

PARA QUE CRISTO AFINAL?




Bem, não sei se foi sonho, visão, ou se foi fruto de minha imaginação. Mas que eu vi, vi. Vi um membro da igreja “O Céu Aqui e Agora” com uma Bíblia em suas mãos. Notei que o Livro Sagrado que ele carregava, tinha volume muito reduzido. Chegando mais para perto dele, pude observar que a sua Bíblia não continha o Novo Testamento.


Fiquei muito curioso, e resolvi abordar o portador do referido livro:

─ Moço! Sua bíblia está faltando a parte principal. A parte que fala da história de Cristo.

Fiquei pasmo e estático com o sermão que ele me pregou como resposta, o qual, passo a relatar aqui na íntegra:



Se em minha igreja, através de sacrifícios, eu me relaciono diretamente com Deus ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho o “Manto Sagrado da Prosperidade” para tocar, e tal qual uma vara de condão, adquirir tudo de “bom” que existe na terra, além de transformar o meu saldo bancário de devedor em credor ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho comigo o exército dos “Trezentos e dezoito”, que pelejam por mim ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho a “Escada do Sucesso” para escalar e alcançar os píncaros da prosperidade financeira ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho o “cajado de Moisés” para me fazer atravessar os “mares vermelhos” da vida ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho a “água do Rio Jordão” para curar sarnas, lepras, psoríases e outras dermatoses de origem demoníaca ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho o “Óleo do Jardim das Oliveiras” para curar as minhas cefaléias e depressões ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho a “Rosa Ungida” para me trazer a paz de espírito ─, para que Cristo afinal?

.Se eu tenho a água do “Mar da Galiléia” para usar como colírio, a fim de tirar a concupiscência dos olhos ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho semanalmente a “Sessão do Descarrego”, que me limpa de todo o pecado ─, para que Cristo afinal?

Se eu tenho, com uma simples contribuição monetária - o direito de participar da “Fogueira Santa de Israel” e receber instantaneamente tudo que almejar ─, para que Cristo afinal?

.Se eu tenho a qualquer hora, quem tire os meus “encostos” que atrapalham a minha vida familiar ─, para que Cristo afinal?



Depois de expor o seu rosário de práticas, evidenciando a desnecessidade de recorrer a Cristo, o moço desapareceu subitamente de minha visão. Fiquei então a matutar com os meus botões.

Foi a partir desse encontro emblemático, que eu pude entender a razão pela qual, na visão daquele jovem, tudo tinha que ser pago: “é que ele realmente não conhecia ainda as ‘Boas Novas’ do Evangelho, onde tudo é de graça, por graça e pela graça”.


NOTA DO AUTOR: Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência, pois eu juro que tudo que ouvi do personagem inventado, é a mais pura verdade.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 19 de maio de 2009

12 maio 2009

NASCIDO E CRIADO NO"EVANGELHO"

Foto do editor do Ensaios & Prosas entre os seis e sete anos de idade. As "asas" simbolizam a "santidade" projetada sobre ele.



Nunca ninguém havia encontrado algo que desabonasse a sua conduta de “menino crente”. Desde os primeiros anos de “banco” em sua igreja, era um exemplo de criança dedicada e obediente. Do jeito que a sua mãe o colocava no assento, ele permanecia sem se mexer durante todo o culto. Ficava tão impassível em seu lugar, que a um primeiro olhar, mais parecia uma estátua. A mãe se orgulhava quando todos sem exceção diziam: “esse menino é um santo, faz gosto mesmo de ver”.

Chegara à adolescência, sem ter recebido uma só repreensão de seus mestres da escola dominical. Era tido como um verdadeiro gênio das hostes divinas. Todos ficavam abismados com a sua capacidade de decorar textos. As pessoas ao seu redor extasiavam-se ao vê-lo recitar os comentários das lições bíblicas da escola dominical, decoradas em seus mínimos detalhes.

O Pastor eufórico dizia para a mãe do menino-prodígio: “Como é bom ter um filho nascido no evangelho, que nunca provou das coisas do mundo”. “Esse, minha irmã ─ vai longe” ─ dizia com muito orgulho. “Fique certa: Se a irmã o criar assim, separado do mundo, sem deixar ele se misturar com essa molecada imunda das ruas, a senhora vai ver Deus fazer maravilhas extraordinárias através dele. Disto eu tenho absoluta certeza” ─, concluía o entusiasmado ministro eclesiástico, mergulhado em seu paraíso utópico.

A casa do “menino que nascera crente” era todo o dia, visitada por parentes e outros que não faziam parte de sua grande família. A sua parentela era imensa, correspondendo, mais ou menos, a sessenta por cento de toda a igreja.

Certa vez, o Pastor em visita a sua casa, disse para sua mãe: “Olhe minha irmã, toda vez que eu prego sobre a parábola do filho pródigo, eu me lembro do seu filho. Vejo Deus mesmo, apontando para o seu filho, como se estivesse a dizer: Esse nunca procederá como o filho pródigo, pois foi criado dentro da doutrina santa e imaculada”.

Às vezes, o menino ouvia alguns admiradores dizerem: “Este foi escolhido desde o ventre da mãe para a obra do Senhor”.

Nunca passara por sua cabeça contestar algo, ou ir de encontro ao que se pregava como recado divino. Era enfim um robô passivo à serviço do Rei.


Foi por volta dos seus 9 anos de idade que um acontecimento surpreendente fizera desmoronar o seu mundo ilusório de santificação. Os “filhos pródigos da vida” ou moleques de rua como eram considerados por sua grande família “cristã”, desmascararam a esquisita história da cegonha contada desajeitadamente em seu meio. Foi um choque, ficar sabendo através do linguajar rude dos meninos de rua (os perdidos), a verdade escondida pelos seus, sobre como tinha sido gerado e vindo ao mundo.


Não era mais um anjo, pois perdera as suas asas. Agora, se sentia “um igual” entre os meninos mal educados de rua. As falsas certezas apreendidas desmancharam-se instantaneamente, dando lugar à desconfiança. Ao perceber que fora enganado, deixou de voar junto aos seus queridos pais, e, o único remédio que encontrou para aliviar as feridas feitas de maneira dolosa, foi sair da inocência do “Jardim do Éden”, caminhando com os seus próprios pés.


Agora, livre das amarras das asas angelicais, ele refletia sobre o avesso da parábola do filho pródigo. Ao ler e reler essa emblemática história bíblica chegou à conclusão de que, por caminhos tortuosos, o seu Pastor tinha alguma razão no que falava. É que, a continuar com o seu virtuosismo, ele estava fadado pela meritocracia eclesiástica, a ser o eterno irmão mais velho da “parábola do filho pródigo” , aquele rapaz exemplar, obediente e cheio de virtudes exteriores, mas que lá no fundo ardeu-se de ressentimento e inveja, ao ver o seu desordenado irmão ser perdoado graciosamente pelo Pai.


Ele, enfim, abriu os olhos para enxergar o óbvio: não queria mais ser a cópia de um anjo, a exalar santidade através da mudez de seu comportamento exemplar. Não mais seria uma criatura arrogante e intolerante com os de fora, nem mais espargiria o veneno do ressentimento contra os desprestigiados, sem méritos e sem virtudes , os quais, pelas suas próprias condições, tinham tudo para serem alcançados pela graça e misericórdia Divinas. Aliás, graça e misericórdia, ele só conhecera de ouvir falar, pois, ao ser forjado e projetado para ser um anjo, jamais poderia entender a história de um Deus deixando o seu trono para provar em sua própria carne, da ambivalente fragilidade humana, e só assim, poder salvar os que tinham se extraviados pelos descaminhos do mundo.


A fotografia no topo desse ensaio revela claramente o olhar atemorizado do menino que, no dizer dos seus, “nascera no evangelho”. Sobre os seus ombros pesava o fardo da “santidade” regada pelos seus tutores, que ao invés de projetarem sobre ele a graça redentora de Cristo, transformaram-no na figura de um anjo submetido aos caprichos humanos.

A expressão vaga do menino, na foto, é a de quem realmente não pode corresponder ao que o Pastor e seus jovens pais tanto esperavam.


Olhando, agora, para o seu passado longínquo, ele não podia de maneira nenhuma negar que ali estampada na foto, estava a fiel imagem de quem se sentia realmente desamparado, triste, e ameaçado por temores vindos não sei de onde.


Analisando a sua imagem de menino de ontem, o velho de hoje não pode deixar de reconhecer que a fotografia, apesar de estar encardida pelo tempo, revela com cores fortes a contrariedade de quem foi forçado na infância a representar um “eu” irreal.


Ao continuar observando demoradamente o seu retrato de 55 anos atrás, por um instante, sentiu-se como o personagem principal de uma estéril peça teatral eclesiástica.


Estava tão absorto na concentração de sua antinatural imagem infantil, que em sua imaginação, via pender sobre os seus ombros, duas enormes asas angelicais. No entanto, a sua fisionomia triste emoldurada na foto, mais que tudo, revelava um coração bem distante de toda aquela antiga artificialidade religiosa, em que foi criado e exposto, para gáudio de uma platéia ávida de um “sacrossanto” perfeccionismo doentio e inumano.




Ensaio biográfico por Levi B. Santos
Guarabira, 12 de maio de 2009


11 maio 2009

SELO - Grandes Pensadores da Blogosfera



Recebi de meus grandes amigos e parceiros de link Teóphilo Noturno, Rodrigo Melo e Leonardo Gonçalves,
o honroso selo ao lado, que foi idealizado pelo Rodrigo Magalhães do blog “Pensamentos Sobre a Vida”.

As regras pedem que eu indique outros cinco blogs para serem agraciados com esta premiação.

Cada premiado deverá seguir a seguinte norma:


● Entrar em contato com os blogs premiados

● Montar uma postagem explicativa, nos moldes desta;

● Ter o link do blog que o indicou;

● Manter o link do selo direcionando para este post;

● Apresentar os blogs homenageados.


Aí vão os 5 blogs de pensadores amigos, que escolhi para receber o selo “Grandes Pensadores da Blogosfera”:


Poemas e Poesias

Despertai Ceifeiros

Crônicas de um Observador

Veshame Gospel

Bereianos



Sou grato pelo triplo presente, apesar de não me considerar um grande pensador.


Levi B. Santos

09 maio 2009

DIA DAS MÃES ─ “ELA SÓ QUER OUVIR A TUA VOZ”.






Logo na noite que antecede o dia das mães, meu carro dá o prego. Lá estão na mala, objetos bem acondicionados em embalagens coloridas com laços de fita, que não chegarão às mãos de minha mãe na data escolhida para ela.

Na manhã de domingo, dia das mães, com certeza, a casa, amanhecerá toda em desalinho, tudo fora do lugar, provocado pela balbúrdia da véspera. Mas, por incrível que pareça, estou a experimentar um fio de silêncio, no alvorecer desse dia, só quebrado pelo tilintar de pratos sendo lavados na pia da cozinha, e pelo cantar dos pardais em bando pelo quintal. È neste clima que me arvoro a escrever sobre MÃE. Como diz o adágio popular: “todo mal na vida traz um bem” ─ o incidente do carro me inspirou este ensaio.

Dia das mães, em conseqüência, também é o dia dos filhos. Dia em que eles perguntam para si mesmos: “Este ano, o que eu vou dar para ela?”.

Ainda bem, que este dia não é comemorado na véspera. Dia este, em que o corre-corre louco das pessoas a se baterem umas nas outras, suadas e angustiadas, nos traz mais transtornos que paz de espírito. Na dúvida sobre o que a mãe vai TER no seu dia, enfrentamos engarrafamentos fenomenais, até batidas de automóveis, tudo isto acompanhado por um barulho ensurdecedor dos alto falantes a misturar aquelas emotivas e velhas canções aos apelos comerciais insistentes e repetitivos, onde o que mais se ouve é: “demonstre o seu amor para com sua mãe, e leve este lindo objeto com preço especial para este dia”.

A mãe já tão cansada pelo peso da idade, não merecia uma véspera tão barulhenta e artificial como esta, em que os filhos já sabem o que as mães vão TER, após um sufocante entra e sai das lojas.

A referência feita aqui ao “frenesi” das compras, tem o intuito de levar a uma reflexão mais profunda, pois é no mundo do TER, no mundo dos objetos, que os filhos estão envolvidos, quando, na verdade, ela, a mãe, não diz, mas lá no seu íntimo, ela gostaria mais de estar no mundo do SER. É que tudo, que é de objeto presenteado, será possivelmente guardado em um guarda roupa, um armário, ou em uma gaveta, não aliviando a carência de gratidão que a acompanhará até o próximo “dia das mães”.

Dia das mães é todo dia, porque não há um dia sequer que ela não se lembre, e não peça a Deus por seu filho.

Ofereçam a ela essas duas opções, para ver qual ela escolherá:

1. Um caro presente enviado via malote pelos correios

2. Um ALÔ ao telefone, perguntando como ela está.

Para uma mãe, não há dinheiro que pague a fala daquele que saiu de suas entranhas. E é o telefone, neste dia, o mais valoroso instrumento, a que ela recorrerá para ligar para ele, a fim de poder ouvi-lo dizer à distância: “Diga mãe, o que a Senhora quer?”.
Ao que ela responderá na mais sublime frase de Mãe ao telefone:

“Queria só ouvir a tua voz, estava com tanta saudade”.



Ensaio por Levi. B. Santos.
Guarabira, 09 de maio de 2009



04 maio 2009

DAS TREVAS PARA A ESCRAVIDÃO ECLESIÁSTICA




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Dessa vez ele não resistiu. Disse para si mesmo: “hoje eu saio dessa prisão”.

O cárcere do sentir-se culpado e amedrontado por tudo o que tinha praticado desde a sua mocidade constituía-se em sua maior e tormentosa treva. Na sua imaginação, o que o mantinha ainda vivo, eram as penitências que realizava para expiar uma culpa, que a cada dia aumentava mais, tal qual uma bola de neve.

Tinha ouvido por diversas vezes, através do rádio, em praças públicas, nas feiras, nos templos, os pastores falarem: “Deus é amor, Ele já fez tudo por você”. “Ele carregou todas as tuas culpas na cruz do calvário” “Se aceitá-Lo você estará liberto do fardo da culpa”.

Continuava sem entender como expiar tantas culpas que carregava consigo, sem dar em troca algo de si a Deus.

Procurou uma igreja para se congregar.

─ Enfim ─ disse ele ─, irei provar dessa libertação que não está associada a nenhuma sorte de sacrifício.

Por cinco anos conseguira muitas amizades e um bom relacionamento no meio religioso em que sem muitos problemas foi inserido. Galgara alguns postos na hierarquia da igreja. Vivia um trabalho tão intenso que raramente tinha tempo para fazer uma reflexão, ou uma retrospectiva sobre toda a transformação que vinha vivenciando.

Apreciava sempre em seus sermões, historiar como tinha sido a sua conversão:

─ Logo na primeira semana de crente ─ dizia enfronhadamente ─, tinha feito as suas maiores renúncias: jogado fora o cigarro, o baralho, deixado de beber e farrear até altas horas da noite.
Decorridos dez anos de atividade eclesiástica, ele tinha se acostumado a uma frenética rotina, que denominava de “divina”. Não perdia um culto. Sentia-se como se estivesse sendo cobrado por Deus quando por algum motivo perdia as reuniões na sua igreja. Foi por esse tempo que começou a se dedicar ao exercício da meditação em suas madrugadas insones.

Certa vez, em uma de suas profundas reflexões, chegara até pensar que não era um convertido, isto é, que não tinha nascido de novo. Mas, nessas ocasiões em que a dúvida sorrateiramente assomava a sua alma, algo em si dizia: “Se deixaste de fumar, de beber é porque és um crente”. Ele então se acalmava.

Na verdade, em suas horas de desvelamento, ele já vinha vislumbrando que algo não estava batendo com o verdadeiro evangelho de Cristo.

Primeiro ele notou que a igreja estava com dois tipos de pregações: para “os de fora”, ela tinha um espécie de sermão evangelístico tipo “Deus te ama”, “Deus te aceita do jeito que estás”. Para “os de dentro”, os sermões eram quase sempre ameaças doutrinárias, tipo: “Cuidado irmão! Deus é fogo consumidor”; eram ordens e mais ordens: “não faça assim, Deus pode requerer”.

Foi então por esse tempo, que ele descobrira a razão de sua tão alta ansiedade. Vivia se mortificando, se sacrificando cada vez mais, à medida que se achava culpado por não ter alcançado aquela virtude que ainda lhe faltava. Chegava a orar por horas seguidas, intercaladas por dois ou três dias de jejum durante a semana.

Na sua visão atrofiada pela neurose eclesiástica, agora, ele não via só dez mandamentos, via mais de trinta, requerendo dele mais esforço, mais empenho, mais desprendimento. Ele ainda não acordara para entender que aquilo que pensava que era amor, na verdade, era apenas uma artificialidade com seu rol de aspectos exteriores. Aquela preocupação doentia em produzir para Deus, não passava de outro tipo de escravidão.

Para completar o quadro, ele começou a sentir medo, medo de errar, medo de tomar decisões erradas. Algumas vezes, o que surgia em sua imaginação o deixava ainda mais culpado e tenso. Perguntava constantemente para si mesmo: “Crente pode isso?” “É pecado tal coisa?”. Começou a se cobrar mais. Era tão intensa a sua vida espiritual, que já não tinha nem mais tempo para o lazer com sua esposa e filhos. Achava-se tão culpado que sentia como se a ira de Deus estivesse pesando sobre sua cabeça. Quanto mais ouvia sermões de admoestações, mais longe ficava da imagem perfeita de Deus. Por não poupar os seus erros, o sentimento de culpa ia lhe sufocando mais, a cada dia que passava. O ritual, mesmo que meticulosamente por ele executado, não era suficiente para trazer paz a sua consciência embotada pela necessidade premente de práticas expiatórias.

Ele agora se via naquela figura temerosa de criança, recebendo ordens severas do pai. Sua vida de crente parecia mais a de uma criança adotada e insegura.

Talvez, um dia, quem sabe, ele viesse a ter consciência de que as suas práticas religiosas, não passavam de uma penitência inútil pelos erros cometidos em sua vida pregressa. Um dia, talvez, ele pudesse despertar da letargia religiosa que o prendera em uma outra prisão que, tal qual a de antes o tinha condenado a viver de sacrifício em sacrifício, tentando apagar uma culpa, que só Cristo como verdadeiro amigo e irmão poderia redimir.

Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8 : 36)



Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 05 de maio de 2009