As algemas postas no poderoso Sr. Daniel Dantas por ocasião de sua emblemática prisão, produziram na corte de justiça máxima do país, uma inusitada reação, que tem tudo a ver com a nossa história. O legado sobre algemas, que todos nós brasileiros estamos familiarizados, através dos livros e filmes históricos é outro. Talvez um psicanalista explicasse melhor a causa do mal-estar que estas algemas provocaram nos senhores juízes do Supremo. Jung, um dos maiores estudiosos da alma humana diria que os dotados de poder reagiram de acordo com o seu próprio inconsciente. O “inconsciente” sendo a sede dos mitos, dos símbolos religiosos e dos padrões sociais e culturais de um povo, é sempre instado a dar uma resposta, quando fica diante de uma situação em que um modelo tradicional corre perigo, de ser usurpado em seu próprio significado.
Ao assistirem no horário nobre da TV, as cenas chocantes de uma alta personalidade da esfera social, de paletó e gravata, sendo vítima de um instrumento que não condizia culturalmente com o seu padrão social e político, os juízes, de um modo inconsciente, se sentiram na própria pele da vítima. Ali estava um homem igual a eles ─ das altas esferas do poder político ─ sendo “vilipendiado” publicamente. Sendo assim, tiveram uma reação natural em defesa da própria casta a que pertencem, e não poderia ser diferente.
Recordemos um pouco da nossa colonização. Qualquer estudante do primeiro grau ao ler ou ouvir a palavra “algema”, irá associar esse instrumento repressor ao tempo da escravidão, onde os pesados grilhões de ferro que limitavam a liberdade do indivíduo, eram destinados aos escravos e não aos seus senhores. As algemas combinavam perfeitamente com os pulsos musculosos e nus dos escravos, e não com os antebraços cobertos pela indumentária de puro linho branco reservada aos barões.
Hoje, o tratamento indigno do tempo da escravidão está destinado aos pobres e desvalidos que vivem à margem da sociedade. O caso “Dantas” suscitou todo um clamor vindo de cima, no sentido de coibir com veemência o uso das algemas na prisão de cidadãos que não oferecem perigo à sociedade. Evocando princípios humanistas, os ministros de uma tacada só preservaram os “arquétipos sociais” imprimidos nos tempos da “Casa Grande e Senzala.”
Os senhores do Supremo bem que poderiam citar Fernando Pessoa, no seu poema, Emissário de um Rei desconhecido: “sou emissário de um Rei desconhecido, eu cumpro informes e instruções do além[...]. Inconscientemente me divido entre mim e a missão que o meu ser tem. E a glória do meu Rei dá-me o desdém por este humano povo entre quem lido”.
Ao tentar maquiar a vergonha da indignidade desse vil instrumento de prisão, os juízes aproveitando-se do ensejo, legislaram rápidos para favorecer uma elite da qual eles mesmos fazem parte, sem que a sociedade tivesse a oportunidade de entender o motivo real da decisão, vinda das entranhas do "poder".
As algemas colocadas em um “joão-ninguém” não gritam e nem criam tanta celeuma quanto os grilhões atados às mãos de um megainvestidor ou banqueiro qualquer. Pelo contrário, a insensibilidade ao se algemar um desvalido, por fazer parte intrísseca de nossa triste história, já não suscita nas autoridades as mesmas reações de constrangimento.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 23 de Agosto de 2008
Um comentário:
Prezado Dr. Levi,
Creio que por estar longe do Brasil não estou por dentro de acontecimentos como este. Mas posso imaginar como se sentiram os amigos do individuo em pauta, e como voce falou muito bem, "os juízes aproveitando-se do ensejo, legislaram rápidos para favorecer uma elite da qual eles fazem parte...". Para mim, seria muito bom que eles todos lessem o seu blog, e espero também que voce continue sendo "uma voz" nesse Brasil tão carente de gritos de alerta. Parabéns!
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