06 maio 2011

UM DUELO INTERESSANTE



Amós Oz — pacifista israelense e defensor de um estado palestino, autor de 18 livros traduzidos em 22 línguas, em seu livro Contra o Fanatismo”, cita essa emblemática história do Talmude:

Dois rabinos, Jehoshua e Tarfon discordam sobre certa interpretação de um trecho da Torá. Discutem por sete dias consecutivos, sem comer, sem beber e sem dormir. Tendo piedade deles, temendo que viessem a morrer discutindo sem parar, o próprio Deus resolve intervir, dizendo:

“O rabino Jehoshua está certo, o rabino Tarfon está errado”.

O rabino perdedor então olha para o céu e diz:

“Deus Todo-Poderoso, Você já deu a Torá aos homens! Por favor fique fora dessa briga!”.

O autor do livro (Amós Oz), assim completa:

E nenhum raio o fulminou, nem enxofre foi lançado sobre ele! De fato, depois do que creio ser uma hesitação momentânea de assombro, Deus diz: “Meus filhos Me derrotaram”

Esse conto bem humorado tem muito a dizer aos crentes de todas as religiões. Tem a dizer que, embora os textos sagrados se apresentem tão cristalinos a uma primeira vista, todos devem saber que eles são passíveis de muitas interpretações.

Após esse rápido preâmbulo, veja, através do vídeo abaixo, como o Islã está tão próximo da tradição cristã. Chega até surpreender, o fato do cristão e do muçulmano serem por demais parecidos na estranheza ao judeu ortodoxo:


7 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

levi, muito bom o texto e o vídeo. esse cabo-de-guerra para impor ao outro o seu deus e a sua fé precisa terminar, para o bem da humanidade.

Levi Bronzeado disse...

Caro Edu


Estava lendo agora mesmo, uma reportagem da Veja de ontem, que traz subsídios valiosos sobre esse duelo religioso que parece interminável. Trago um trecho do artigo de Ana Claudia Fonseca e Duda Teixeira, da equipe de redatores desse semanário, que assim se referiram a esse mundo dividido entre “eles” e “nós”:

“Os judeus dizem em tom de brincadeira que perderam Jesus Cristo por uma falha de relações públicas. Afinal, o carpinteiro de Nazaré nasceu de família judia e, mesmo tendo um gosto especial em espinafrar os sábios dos templos, bem que poderia ter sido apenas mais um na longa linhagem dos profetas hebreus. Deu errado. O cristianismo estabeleceu-se como uma religião independente do judaísmo. Os cristãos e judeus por sua vez, bem que poderiam dizer que perderam Maomé pelas mesmas razões. O profeta criador do islamismo falou com Deus pela intermediação do anjo Gabriel, aquele mesmo que comunicou a Maria da sua sagrada concepção do menino Jesus, e apareceu a Daniel para explicar o significado de suas perturbadoras visões. Ou seja, não fossem os descaminhos das desastrosas relações públicas entre os homens judeus, cristãos e muçulmanos, estariam hoje desfrutando a harmonia de suas raízes comuns e não procurando sarna para se coçar nas entrelinhas de seus textos sagrados, aquela mistura de exaltação, poesia, proselitismo, regras culinárias e de uso de trajes que os profetas receberam como revelações divinas”

A IMPECÁVEL FALA, DISSE TUDO...

Eduardo Medeiros disse...

levi, de fato, a redatora mandou muito bem. como religiões vindas da mesma raíz podem ser inimigas?

deixo para você pensar e quem sabe, escrever um ensaio para essa pergunta.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Também achei muito interessante o conto e o vídeo. E de fato eu concordo que não devemos querer impor a nossa razão ao outro.

Ser feliz ou ter razão?

Curiosamente isto me faz lembrar alguns conselhos para uma boa relação amorosa quanto às mulheres que é abrirmos mão de ter razão e sermos felizes com nossas esposas.

Acontece que, enquanto os religiosos discutem entre si sobre quem teria razão, acho bem mais proveitoso focarmos na solução dos problemas da humanidade. Temos aí uma preocupante crise ecológica diante de nossos olhos, além de fomes, guerras, desemprego e tantas outras coisas que poderiam ser tratadas através da cooperação mútua entre os povos.

Curiosamente os árabes já foram muito mais abertos no passado. Já foram mais liberais do que os europeus no período medieval e tinham uma ciência mais desenvolvida.

Mas como disse um amigo meu, "pensar é transgredir, porém, o mau uso das lições judaicas exigiu a obediência cega, ao invés de encaminhar o Homem a patamares mais elevados do pensamento".

Segundo ele, "a finalidade da criação do cristianismo está relacionada a uma disputa cultural e a uma aspiração política centenária. Havia um adversário a ser superado [os judeus]. Devido a isso a necessidade de domínio sempre prevaleceu à necessidade da educação, de uma educação madura que fizesse justiça a história do helenismo. O medo de perder fez com que os gregos perdessem a mão. É verdade, eles (os gregos pensantes) sempre foram ateus e em perfeito acordo com a definição antropológica de cultura, na qual a religião era apenas um dos componentes culturais de cada grupo. Aliás, Einstein coloca essa questão de forma muito clara, quando separou o Deus cultural de Israel da Inteligência cósmica, que serviu de base para o Logos grego. Sendo a sofisticação do pensamento infinita, chega um momento em que ele foge do alcance do homem comum".

Considerando em parte o que ele colocou, eu diria que muitas das vezes a causa de todo este emborrecimento religioso que se vê até os dias atuais, causando guerras entre as culturas, tem sua raiz no desejo do homem em dominar o próprio homem. Então a luta pelo poder e controle das pessoas produzem cada vez mais ignorância e desentendimento.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Segue um artigo de um judeu que fala sobre a relação entre religião e ciência, mas que pode também aplicar-se sobre quem tem ou não a razão:

http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/feCiencia/home.html

Abraços.

Levi B. Santos disse...

Rodrigo

O testo do site que você indicou (Entre a Fé e a Ciência) é realmente irretocável, em todos os aspectos.

Vou guardá-lo em minha pasta de favoritos.


"Curiosamente os árabes já foram muito mais abertos no passado. Já foram mais liberais do que os europeus no período medieval e tinham uma ciência mais desenvolvida.

O trecho do seu comentário fez-me lembrar do "Acordo de Omar" - assinado entre o segundo califa, Omar e o chefe religioso dos cristãos de Jerusalém. Os conquistadores garantiram que, para cristãos, judeus, haveria total liberdade de culto em seus lugares santos. Esse acordo foi respeitado durante quatrocentos anos.

Outro exemplo:

No califado de Córdoba os crentes das três religiões viveram harmoniosamente, lado a lado por mais de oitocentos anos.

Revendo tudo isso, dá para se pensar ou concluir que regredimos. Concorda, Rodrigo?

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

"Revendo tudo isso, dá para se pensar ou concluir que regredimos. Concorda, Rodrigo?"

Em termos!

Houve uma regressão ao fundamentalismo islâmico apoiado pelos USA na época da Guerra Fria. Pois tratava-se de uma estratégia inteligente dos norte-americanos permitir que ditadores radicais que fossem aliados da OTAN contrários à URSS chegassem ao poder. E não apenas por razões políticas, mas também econômicas tendo em vista a exploração do petróleo naquela região.

Contudo, o mundo árabe está mudando. Uma nova geração de jovens de 30 anos pra baixo clama por democracia, o que preocupa muito os USA e também as potências européias porque, se os povos muçulmanos começarem a decidir de forma livre o futuro de seus países, o controle indireto dos Estados Unidos naquela região estará ameaçado.

Observe também que hoje o Egito está influenciando decisivamente na questão da Palestina e isto se torna um problema para a política adotada pelo Estado de Israel.

Enfim, não me posiciono de um modo tão pessimista em relação à história humana embora ela seja um oceano de probabilidades. E acho que o retrocesso faz parte da dialética já que não tomamos banho duas vezes no mesmo rio e uma tese faz surgir sua antítese gerando a síntese.

Abraços.