12 setembro 2006

OS PRESENTES ─ NOS MEUS SESSENTA ANOS




Oito horas da manhã. Após um plantão médico, encontro-me rodeado pelos presentes que Deus me deu nestes sessenta anos de idade e trinta de casado. Todos com cara de sono para um café surpresa.

Quantos pais, com esta minha idade, gostariam, mas, por motivos os mais variados se encontram impedidos de ter presentes como estes diante de si.

Não posso aquilatar, se é bom ou prejudicial para os filhos, tê-los debaixo do mesmo teto. Uma coisa eu sei: o pão que recebo tem dado para todos. Concordo com minha esposa Luza, quando diz: “Deus não deixará o justo desamparado, nem a sua descendência mendigar o pão”.

O meu primeiro presente recebido está aqui ao meu lado. Luza ─ Mulher de fé inabalável que contagia os nossos corações de uma imorredoura esperança, sem a qual não teríamos força para enfrentar as lutas de cada dia. A sua frase predileta, dita com tanta ênfase é esta: “Deus ainda vai me dá a oportunidade de ver meus filhos realizados. Disto não tenho dúvida”. A sua fé contrabalança a dureza de meu ceticismo. A sua sensibilidade é o contraponto de minha lógica e razão. É quando fica mais claro entre nós, que a razão e a fé têm de andar juntas.

O meu segundo presente: George. “Sobejo da morte”, como era chamado pelos pediatras do AMIP, quando de seus longos períodos de tratamento hospitalar. Superou tudo e venceu. Terminou seu curso superior. Continua lendo e estudando muito, aguardando o seu lugar ao sol. Ultimamente tem sido meu incentivador, auxiliando-me nas redações de minhas crônicas. Caladão. Já deu grande prova de fé e determinação em momentos difíceis de sua vida. Vive atualmente o encantamento de ser Pai de uma menina fora de série.

O terceiro presente: Glauber. Também um pedaço de mim, pelas suas tiradas de humor e presença de espírito inigualável. Alegrando sempre o ambiente e nos tirando da monotonia. Por acaso: rir não é o melhor remédio? Homem de uma paixão avassaladora. Sonhador e idealista. Faz projetos mirabolantes que, às vezes, pensamos que não vai dar certo, mas nos rendemos, pois através da INTERNET ele resolve tudo nos mínimos detalhes, deixando-nos boquiabertos. Sentimentalista que é, está hoje numa dúvida atroz: entre continuar gozando das delícias do lar paterno, ou enfrentar um longínquo mundo desconhecido (Argentina).

O quarto presente: Thiago. Uma porção de mim, pelo seu espírito rompedor. Também passei por esta fase. Ele teve a coragem de numa igreja de estilo conservador, adotar um tipo de música de ritmo moderno. Por isso mesmo, nesse meio, ele se tornou um espelho para os jovens de sua idade. Sabe dosar bem o estudo na escola onde exerce sua liderança e os trabalhos espirituais. Herdou uma fé muito parecida com a da mãe.

O quinto presente: minha nora Mauricéia. Deixou o aconchego familiar, para fazer de minha casa o seu novo lar. É bem-vinda. Sabemos que cada família tem o seu modo de ser. Ela está sendo a ponte entre nós e a sua família. Sendo desta forma responsável pela iniciativa de um rico aprendizado, que estamos usufruindo com os seus. Aqui fica um conselho para ela e George: não deixem que o egoísmo paire sobre vocês, impedindo-os de colherem os frutos de uma interessante experiência à dois.

O sexto presente: Ana Gabrielle. O meu xodó, e o de todo mundo aqui em casa. É ela que tira do sério este velho chato e sisudo. Sou duas vezes pai. E criança de novo ao tentar entender este pequeno ser, que se inicia na arte da linguagem. Sabe Deus, o porquê de só vir atender aos anseios de uma mãe (Luza) por uma filha, no início da terceira idade.

Apesar, da avó está um tanto abatida, pois, já está entrando pela terceira semana de uma virose. Mesmo assim não tem medido esforços em cuidar com muito carinho e dedicação de sua querida neta, observando ensimesmada as sua travessuras e cenas de ciúme.

Diante de todos estes vivos presentes, outros seriam perfeitamente descartados.

MUITO OBRIGADO.

(Crônica lida durante o café surpresa, em 11/09/2006)



06 setembro 2006

CONJUGAR ─ NO MEU TEMPO DE CRIANÇA







Eu daria tudo que tivesse,

Para voltar aos tempos de criança...

Que saudade da professorinha

Que me ensinou o bê-a-bá.

“Trechos da canção de Ataulfo Alves”:

(Os meus tempos de criança)



À beira dos meus sessenta anos de idade, uma saudade imensa me invade o coração, ao lembrar das concorridas e alegres sabatinas de conjugação de verbos. Recordo, como se fosse hoje. Eu e meus coleguinhas conjugávamos quase todos os verbos. Entre eles, lá estava o emblemático verbo “mentir”. Sem alvoroço e com muito respeito, perfilados diante da velha professorinha, recitávamos a conjugação do verbo ‘mentir’ no presente do indicativo:

Eu minto

Tu mentes

Ele mente

Nós mentimos

Vós mentis

Eles mentem

A professora concluía com a sua rouca voz: PERFEITO MENINOS!

Com quanta sem-cerimônia e espontaneidade conjugávamos este verbo, que hoje se constitui uma tarefa tão temida por parte de nós adultos, principalmente em época de eleição. É quando mandamos a gramática às favas, em prol dos nossos interesses, muitas vezes escusos. Não podendo abolir o verbo, tornamo-lo defectivo. Melhor dizendo, o conjugamos para os outros e não para nós. Hoje, vergonhosamente conjugamos o verbo mentir desta forma:

Eu ......?..........

Tu mentes

Ele mente

Nós .......?...........

Vós mentis

Eles mentem

Ah! Se a professorinha estivesse viva, diria: PARA O CASTIGO, TODOS!

Antes, quando criança, não tínhamos medo, nem preconceito, em dizer: “eu minto”. Já hoje, a conjugação deste verbo sem defecção torna-se muito perigosa, pois diz uma triste e dura verdade que pode nos prejudicar em nossas negociatas. Recalcamos a primeira pessoa do singular e do plural para um lugar chamado “inconsciente”. Inconsciente este, tal qual um porão esconde crimes não ditos e desejos inconfessáveis.

Cabe aqui, citar o pensamento do grande filósofo francês Paul Valéry: “Os homens se diferenciam pelo que dizem, e se parecem pelo que escondem”.

Como é difícil ser criança de novo, e recitar sem medo o verbo “mentir” como fazíamos diante da professorinha que nos ensinou o “bê-a-bá”.

Razão de sobra teve Jesus Cristo ao dizer para adultos, como nós: “Deixai vir a mim as criancinhas, pois das tais é o Reino de Deus”.

Vejamos um exemplo da linguagem verdadeira e espontânea da criança frente à mentira do adulto:

─ Vovó! Como é que as crianças nascem?

─ É a cegonha que as traz no bico, meus netinhos!

Pedrinho vira-se para Mariazinha e diz:

─ O que você acha? Contamos para ela?

05 setembro 2006

DO SENADO ROMANO À NOSSA REPÚBLICA




Estamos numa época em que escabrosos escândalos estão a macular de forma tremendamente vergonhosa as nossas instituições políticas. Em pleno século XXI, podemos concluir que nada mudou debaixo do sol, parafraseando o Rei bíblico Salomão. Um acontecimento irrefutável, de mais de dois mil anos, se torna necessário vir à tona em momentos cruciais como o que estamos a vivenciar. Assistimos, cabisbaixos, a desmoralização da casa que deveria ser a mais sólida trincheira em defesa da ética e da moral.

Marco Túlio Cícero (101 A.C.), o maior dos oradores políticos romanos, fez um discurso memorável contra “Catilina” (personagem do Senado Romano que prevaricava contra a Lei). Esse ignóbil senador da república, através de manobras clandestinas no momento em que as coisas em Roma andavam confusas, tramava de maneira infame contra as leis de sua própria República.

Faltavam sessenta e dois anos, para o início da Era Cristã, quando Cícero fez o emblemático discurso, que nos impressiona pelo que tem de comum com a nossa história política atual.

Eis alguns trechos do brilhante discurso proferido por aquele corajoso senador romano:

“Oh deuses imortais! Em que País do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso? Em que cidade vivemos nós? Estão aqui dentro do nosso número, venerandos senadores, neste Conselho, mais sagrado e mais respeitável da face da terra, aqueles que tramam a morte de todos nós, aqueles que trazem no pensamento a destruição desta cidade, e até a do mundo inteiro. É a estes, que eu como Cônsul tenho a minha frente, e lhes peço conselho acerca dos interesses do Estado, a eles que deveriam ser passado o fio da espada, é que eu nem com a palavra dirijo ainda”.
“E agora, que vida é esta que levas Catilina? Desejo neste momento falar-te de modo que se veja, que não sou movido pelo rancor que eu te deveria ter, mas por uma compaixão que tu em nada mereces. Entraste a pouco neste senado. Quem, dentre esta tão vasta assembléia, dentre todos os teus amigos e parentes, te saúda? Se isto, desde que há memória dos homens, a ninguém aconteceu, ainda esperas que te insultem com palavras, quando te encontras esmagado pela pesadíssima condenação do silêncio”?

Hoje, quando um mar putrefato de sórdidos procedimentos invade com tamanha força as nossas instituições políticas, para nossa reflexão, faz-se necessário relembrar aqui, trechos de um discurso proferido no Senado Federal, em 1914, por aquele que foi um dos maiores oradores de nossa história, “Rui Barbosa”:

“A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal de nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo o nosso descrédito é a miséria suprema desta pobre nação”.
“A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem, cresta em flor o espírito dos moços, semeia no coração das gerações que vem nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas”.
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver se agigantarem os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Este discurso, hoje, bem que poderia estar afixado com letras garrafais em uma enorme placa na entrada do nosso Congresso Nacional.