06 setembro 2006

CONJUGAR ─ NO MEU TEMPO DE CRIANÇA







Eu daria tudo que tivesse,

Para voltar aos tempos de criança...

Que saudade da professorinha

Que me ensinou o bê-a-bá.

“Trechos da canção de Ataulfo Alves”:

(Os meus tempos de criança)



À beira dos meus sessenta anos de idade, uma saudade imensa me invade o coração, ao lembrar das concorridas e alegres sabatinas de conjugação de verbos. Recordo, como se fosse hoje. Eu e meus coleguinhas conjugávamos quase todos os verbos. Entre eles, lá estava o emblemático verbo “mentir”. Sem alvoroço e com muito respeito, perfilados diante da velha professorinha, recitávamos a conjugação do verbo ‘mentir’ no presente do indicativo:

Eu minto

Tu mentes

Ele mente

Nós mentimos

Vós mentis

Eles mentem

A professora concluía com a sua rouca voz: PERFEITO MENINOS!

Com quanta sem-cerimônia e espontaneidade conjugávamos este verbo, que hoje se constitui uma tarefa tão temida por parte de nós adultos, principalmente em época de eleição. É quando mandamos a gramática às favas, em prol dos nossos interesses, muitas vezes escusos. Não podendo abolir o verbo, tornamo-lo defectivo. Melhor dizendo, o conjugamos para os outros e não para nós. Hoje, vergonhosamente conjugamos o verbo mentir desta forma:

Eu ......?..........

Tu mentes

Ele mente

Nós .......?...........

Vós mentis

Eles mentem

Ah! Se a professorinha estivesse viva, diria: PARA O CASTIGO, TODOS!

Antes, quando criança, não tínhamos medo, nem preconceito, em dizer: “eu minto”. Já hoje, a conjugação deste verbo sem defecção torna-se muito perigosa, pois diz uma triste e dura verdade que pode nos prejudicar em nossas negociatas. Recalcamos a primeira pessoa do singular e do plural para um lugar chamado “inconsciente”. Inconsciente este, tal qual um porão esconde crimes não ditos e desejos inconfessáveis.

Cabe aqui, citar o pensamento do grande filósofo francês Paul Valéry: “Os homens se diferenciam pelo que dizem, e se parecem pelo que escondem”.

Como é difícil ser criança de novo, e recitar sem medo o verbo “mentir” como fazíamos diante da professorinha que nos ensinou o “bê-a-bá”.

Razão de sobra teve Jesus Cristo ao dizer para adultos, como nós: “Deixai vir a mim as criancinhas, pois das tais é o Reino de Deus”.

Vejamos um exemplo da linguagem verdadeira e espontânea da criança frente à mentira do adulto:

─ Vovó! Como é que as crianças nascem?

─ É a cegonha que as traz no bico, meus netinhos!

Pedrinho vira-se para Mariazinha e diz:

─ O que você acha? Contamos para ela?

Um comentário:

Anônimo disse...

Na era Collor, O P.C. Farias depois de tanta pressão resolveu conjugar o mesmo que o verbo "mentir" na primeira pessoa do plural, no presente do indicativo: "Nós todos somos hipócritas!" Disse em pleno horário nobre no JN da globo. Logo depois apareceu morto.