Eu daria tudo que tivesse,
À beira dos meus sessenta anos de idade, uma saudade imensa me invade o coração, ao lembrar das concorridas e alegres sabatinas de conjugação de verbos. Recordo, como se fosse hoje. Eu e meus coleguinhas conjugávamos quase todos os verbos. Entre eles, lá estava o emblemático verbo “mentir”. Sem alvoroço e com muito respeito, perfilados diante da velha professorinha, recitávamos a conjugação do verbo ‘mentir’ no presente do indicativo:
Eu minto
Tu mentes
Ele mente
Nós mentimos
Vós mentis
Eles mentem
A professora concluía com a sua rouca voz: PERFEITO MENINOS!
Com quanta sem-cerimônia e espontaneidade conjugávamos este verbo, que hoje se constitui uma tarefa tão temida por parte de nós adultos, principalmente em época de eleição. É quando mandamos a gramática às favas, em prol dos nossos interesses, muitas vezes escusos. Não podendo abolir o verbo, tornamo-lo defectivo. Melhor dizendo, o conjugamos para os outros e não para nós. Hoje, vergonhosamente conjugamos o verbo mentir desta forma:
Eu ......?..........
Tu mentes
Ele mente
Ah! Se a professorinha estivesse viva, diria: PARA O CASTIGO, TODOS!
Antes, quando criança, não tínhamos medo, nem preconceito, em dizer: “eu minto”. Já hoje, a conjugação deste verbo sem defecção torna-se muito perigosa, pois diz uma triste e dura verdade que pode nos prejudicar em nossas negociatas. Recalcamos a primeira pessoa do singular e do plural para um lugar chamado “inconsciente”. Inconsciente este, tal qual um porão esconde crimes não ditos e desejos inconfessáveis.
Cabe aqui, citar o pensamento do grande filósofo francês Paul Valéry: “Os homens se diferenciam pelo que dizem, e se parecem pelo que escondem”.
Como é difícil ser criança de novo, e recitar sem medo o verbo “mentir” como fazíamos diante da professorinha que nos ensinou o “bê-a-bá”.
Razão de sobra teve Jesus Cristo ao dizer para adultos, como nós: “Deixai vir a mim as criancinhas, pois das tais é o Reino de Deus”.
Vejamos um exemplo da linguagem verdadeira e espontânea da criança frente à mentira do adulto:
─ Vovó! Como é que as crianças nascem?
─ É a cegonha que as traz no bico, meus netinhos!
Pedrinho vira-se para Mariazinha e diz:
─ O que você acha? Contamos para ela?
Um comentário:
Na era Collor, O P.C. Farias depois de tanta pressão resolveu conjugar o mesmo que o verbo "mentir" na primeira pessoa do plural, no presente do indicativo: "Nós todos somos hipócritas!" Disse em pleno horário nobre no JN da globo. Logo depois apareceu morto.
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