Uma reflexão sobre o nosso valor máximo, que é a Religião, hoje, se faz necessária, pois vivemos em um mundo de constantes transformações e mutações nos mais diversos campos: da cultura, da ciência, da filosofia e da lingüística, entre outros. Somos um País, na sua grande maioria, “cristão”, divididos entre irmãos católicos e protestantes, que à maneira de duas tribos guerreiras e inimigas, estão a lutar, não com armas físicas, como antigamente se fazia, mas através de uma linguagem rebuscada e revestida de intolerância, que, às vezes, descamba para o emocionalmente agressivo.
Ora, sabemos de antemão, que não há na subjetividade de nossos pensamentos, uma linguagem capaz de definir o Divino. Nenhum homem ou comunidade poderá ter êxito ao pretender encerrar o que é “transcendente” em ritos e dogmas, como afirma com muita propriedade o escritor e estudioso da história das religiões, Roger Garaudy: “Essa auto-suficiência de limitar Deus é a própria negação da transcendência”.
Só realizando uma autocrítica, sem parcialidade, é que vamos entender que o “cristianismo”, desde o primeiro século, sofreu influência de raízes fortes da cultura judaica, grega e romana. Foi assim, que ele pôde sobreviver até os nossos dias. Os Poderes Políticos infiltraram nos ensinamentos de Cristo, suas idéias e seus conceitos. Uma prova disso aconteceu no tempo do Imperador Constantino, quando a igreja cristã foi alçada a religião oficial do Império Romano, e que para isso, teve que ceder em pontos estratégicos de sua doutrina, em troca do amparo legal para seus cultos. A partir daí, a religião e a política passaram a andar juntas. Esqueceram das palavras do Mestre: “Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
O Judaísmo, apesar de hoje ser professado por um pequeno número de adeptos ─, cerca de três por cento do número de cristãos ─ conseguiu como um fermento, levedar toda a massa religiosa ocidental. De modo que não temos hoje um cristianismo autêntico, e sim um simulacro. A lei mosaica e todo o ritual vétero-testamentário comandam o que se prega hoje, como Evangelho de Cristo. Fala-se então de uma tradição “judaico-cristã”. Para o professor de Humanidades e Ciências da religião da Universidade de Yale “Harold Bloom” (descendente de judeu), esta tradição é uma falácia. No livro: “A mais bela história de Deus”, Hélène Monsacré e Jean Schlegel mencionam a ruptura em relação ao judaísmo provocada pela mensagem, exemplos e comportamento de Jesus, deixando no ar as seguintes perguntas: “Por que Jesus rompeu com sua tradição e seu povo?” “Foi Ele, de fato, quem se afastou do judaísmo ou os primeiros cristãos estão na origem dessa ruptura?”.
Judaísmo e Cristianismo, na verdade, são duas instâncias irreconciliáveis, como bem demonstra o caso De “Saulo de Tarso”, que no zelo pela Lei de Deus, perseguia o próprio Cristo. A primeira vista, Saulo se encontrava diante de um verdadeiro paradoxo, pois no afã de defender o Judaísmo (religião do Pai), perseguia os adeptos do cristianismo (religião do Filho)
“Marc-Alain Ouaknin, rabino, filósofo e professor universitário, afirma que o essencial está na revelação da lei. A ética dos direitos do homem nasceu no Sinai. Desse ponto de vista, o cristianismo nada inventou”. Para ele, no cristianismo, Deus se fez homem. No Judaísmo, Ele se fez texto (Torá).
Ora, se não existe uma cultura “judaico-cristã”, o que há então de religião no mundo ocidental? A resposta será fatalmente esta: o que existe é um judaísmo dúbio revestido com uma capa ilusória, denominada: cristianismo, tendo em vista, que se continua a usar a lei mosaica como instrumento de intolerância e de julgamento, entre os inúmeros “seguidores de Cristo”.
Judaísmo e Cristianismo são antagônicos, desde o tempo do apóstolo Paulo, passando pelas cruzadas, quando se verificaram os primeiros massacres de judeus na Alemanha(1096), em Israel(1099) e na Inglaterra(1188). Segundo Renato Mezan, psicanalista e estudioso da História Judaica, "aqueles acontecimentos fizeram parte de uma barbárie indescritível, que chocou os espíritos civilizados da época, e que tinha como pretexto, recuperar os lugares sagrados, onde se desenrolara a História Sagrada. Foi nessa época que os judeus começaram a ser expulsos dos territórios cristãos, criando-se a figura do ‘judeu errante’. Como expiação pelo assassinato de Cristo, o judeu devia vaguear sem repouso, pelos quatro cantos da terra, até a nova vinda de Cristo.”
Muitos adeptos do cristianismo, ainda hoje, não conseguem se desvincular da influência judaica. Para os seus, prega o amor e perdão; para os de fora prega o jugo da Lei. Assimilaram com o passar do tempo, grande parte da essência da lei mosaica, que sob a forma de uma espada, ainda hoje é usada para excluir aquele que foge de sua doutrina. Em contrapartida, o evangelho de São João, por ser duro contra os judeus, é tido como anátema pelo Judaísmo ortodoxo. Os Judeus de uma maneira geral, não suportam o que está escrito em João 1.17: “Pois a lei foi dada por intermédio de Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”.
Maria Rita Kehl, escritora e psicanalista, no seu livro "Sobre Ética e Psicanálise" faz uma abordagem interessante sobre a perda da tradição religiosa, afirmando: “a Reforma Protestante criou uma nova relação dos homens com seus semelhantes. Ela veio individualizar a relação dos homens com a palavra de Deus, isto é, com a verdade, tornando-os mais responsáveis pela salvação da alma, ao propor o fim da tutela das autoridades eclesiásticas sobre as manifestações de fé. A quebra do poder absoluto da igreja Católica como detentora da verdade do Pai, possibilitou a emergência de uma multiplicidade de saberes, forçando os homens a uma interpretação pessoal dos textos sagrados A partir daí, o homem é quem decide”. “Onde existe a escolha, a verdade já não é mais UMA”.
Com a emergência do individualismo cristão, o homem ficou mais livre para formar grupos com experiências transcendentais as mais diversas, que numa estranha contradição tornou-se um antivalor, pois a convivência com o diferente trouxe mais problema que solução. A modernidade que veio com a Reforma, decretou a falência das autoridades encarregadas de dizer o que era certo e o que era errado, emancipando o homem para um livre pensar. Esta liberdade trouxe consigo o seu preço: uma infinidade de cultos ao “sagrado” baseado na exclusão do outro semelhante. Estava aberta a porta para os mais mesquinhos sentimentos, que estavam antes recalcados ou reprimidos no inconsciente humano. O maniqueísmo: “do bem está conosco, e o mal está com os outros”, grassou no meio cristão. A partir daí, o cristianismo dá uma grande derrocada, usando os instrumentos da Lei de Moisés, para se impor aos demais. A vingança e o ressentimento passaram a ser a tônica. Amaldiçoar voltou a ser uma palavra muito usada. Nunca se leu tanto o livro de Êxodo, para citar, como exemplo. Não há nada mais atraente para o ser humano, que o desejo de juízo sobre o outro.
A Igreja Católica, a grande prostituta (Babilônia), como passou a ser denominada pelos Protestantes, fez de tudo, para não perder o seu poderio, inclusive, usando dos mesmos meios cruéis contra os insurgentes.
Um dos fatores de maior discórdia entre católicos e protestantes, continua a ser a prática de adoração dos ídolos (imagens de escultura). Para corroborar, esta assertiva, os protestantes recorrem frequentemente a um dos pilares básicos do Judaísmo, citando Êxodo 20.4: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima dos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.” Foi justamente este preceito, que fez com que os judeus não se destacassem na arte da pintura e da escultura. Já os cristãos (da Reforma), não se sentem constrangidos em ornamentar os seus templos com imagens da natureza, como: rios, mares, peixes, árvores, sol, estrelas e anjos, etc. Dessa forma, numa espécie de maniqueísmo, obedecem só a primeira parte do versículo (Êxodo 20.4), esquecendo, que as outras representações imaginárias do restante do mandamento, são também proibitivas. Justificam-se, manobrando a Escritura a seu bel prazer.
Por falar em ídolos, direcionemo-nos para a cidade de Éfeso, berço do Filósofo Heráclito, que viveu quinhentos anos antes de Cristo. Foi lá que o apóstolo Paulo, ao contemplar a grande idolatria, dos Efésios, adoradores da grande deusa Diana, promoveu um dos seus grandes embates, contra este tipo de pecado. Interessante, é que Paulo numa lucidez espiritual incomum, ao se dirigir aos habitantes convertidos ao cristianismo, escreveu desta maneira: “Pois bem sabeis isto: Nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo”.( Efesios 5. 5). Paulo, coincidentemente, ou propositadamente, quis mostrar aos ex-idolatras, e agora cristãos de Éfeso, uma outra idolatria, quem sabe, mais perigosa, que nasce no coração do homem. Admoestou-os, pois este tipo de ídolo, por ser sutil, se instala sorrateiramente na mente contaminando os pensamentos. Estes ídolos sim, podem ser comparados a traves nos olhos. Sem que se tome consciência do ídolo interno, se parte para tirar os ciscos (ídolos visíveis) dos olhos dos outros. São estes lampejos de espiritualidade, que nos fazem admirar a sabedoria do apóstolo dos gentios.
O Ph.D em teologia, Russell Norman Champlin, em sua exaustiva e robusta obra de quase cinco mil páginas (“O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo”), nos dá uma elucidação, com base no grego, à respeito da palavra “idólatra” usada por Paulo naquela ocasião: “No Antigo testamento havia alusão direta à adoração idólatra. Quando no Judaísmo posterior, cessou a idolatria aberta, os Rabinos passaram a interpretar esse conceito de forma mais ampla, fazendo-o referir-se a pecados arraigados, sobretudo a cobiça. E tal interpretação é própria, visto que tais pecados, mormente o da cobiça, se entronizam no coração como se fossem ídolos, sempre indicando alguma modalidade de egoísmo, de tal modo, que o próprio eu, é o deus adorado.”
Uma grande corrente de judeus ortodoxos aprisionou Deus em uma instituição, que para vivenciá-Lo, se fazia necessário adotar uma série de rituais, tradições e sacrifícios. Esqueceram que a Sua palavra se tornou errante, exorbitando o espaço exíguo de suas mentes petrificadas. Os horizontes curtos de sua visão, os deixaram sem entender o sentido de um Deus feito homem.
Na atualidade, o que vem causando sensação no meio religioso é a mensagem de certas correntes ditas “cristãs”, que à maneira de um disfarçado judaísmo, enveredaram pelo caminho perigoso da banalização dos símbolos bíblicos. As subdivisões institucionais religiosas que primam por esse filão, são tantas no intuito de abarcar o “sagrado”, que as pobres almas com sede de justiça, se sentem desorientadas, sem saber onde encontrar guarida, ouvindo de todos os lados, mensagens as mais estapafúrdias e inimagináveis, pelo rádio, jornais, televisão e carros de propaganda, que mais parecem a gritaria louca dos camelôs oferecendo os seus produtos, em meio ao tumulto das feiras.
O que se vê hoje, são profissionais da “fé” usando de mil artifícios, a fim de aumentar os seus rebanhos em progressão geométrica. Algumas almas aceitam as “verdades” apelativas, dirigidas a elas através de ameaças apocalípticas. Outras, à procura de alívio para as suas doenças, adquirem tudo que lhes vem às mãos, até sabonetes fabricados com gorduras derretidas de ovelhas de Israel, oferecidas publicamente pelos supostos guardiões de Deus. Areias do deserto da “terra santa” são comercializadas, a fim de ser espalhadas pelos cômodos das casas, para afastar maus fluidos. Frascos com águas do rio Jordão, para pingar entre as pálpebras, a fim de tirar a concupiscência dos olhos, entre outras cavilações, que em respeito aos de boa índole, aqui deixamos de mencionar. Executam, enfim, uma paródia ordinária, deturpando e abusando dos elementos fascinantes do judaísmo arcaico.
É em meio a esta banalização do “sagrado”, que nos vem à lembrança um Cristo indignado a expulsar os vendilhões do templo. Hoje, em analogia ao que ocorria no antigo templo, comercializam réplicas de símbolos judaicos, com supostos poderes de afastar espíritos imundos, à semelhança dos amuletos usados tradicionalmente no mundo pagão.
Este horrendo espetáculo teatral vem transformando o que resta do cristianismo primitivo, em uma mera comédia, que a cada representação, comprova a irreconciliabilidade da mensagem dos evangelhos com os “pressupostos” do Judaísmo ortodoxo.
Ante um mundo que fez da mensagem de Cristo o maior e mais caro espetáculo da terra, aqui fica um conselho de Paulo,
Ensaio por: Levi B. Santos
Guarabira, 25 de Setembro de 2007