14 setembro 2007

INDENIZAÇÃO POR BÊNÇÃO NÃO RECEBIDA




Uma reportagem escrita no jornal “O GLOBO” do dia 11 de setembro do corrente ano, despertou muito a minha atenção, especialmente, por ter o fato inédito ocorrido no nosso “sublime” e obscuro mundo religioso. Como uma “querela” trágico-cômica protagonizada no âmbito da fé, foi parar na mesa de um Tribunal de Justiça?

Vamos aos fatos.

A manchete no topo de uma das páginas do primeiro caderno de O GLOBO, jornal Carioca de maior circulação no País, trazia a seguinte frase: “Justiça manda Igreja devolver dinheiro de fiel”. Logo a seguir vinha o relato pormenorizado em duas grandes colunas, das quais extraí o “miolo” ou essência desse inusitado “bolo” para uma apurada reflexão minha e do leitor(a).

Pasmem:

“A igreja Universal foi condenada a devolver doação de dois mil reais, corrigidos desde janeiro de 1999, feita por um motorista do interior de São Paulo. De acordo com a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o fiel foi convencido a fazer o que não queria, com a promessa de que sua situação financeira melhoraria se entregasse o que tinha à Igreja. O desembargador relator da ação na quarta Câmara de Direito Privado sentenciou que o aconselhamento acabou por induzir o apelante a sofrer algum tipo de influência, a praticar ato por ele efetivamente não desejado”.

“Anteriormente, em primeira instância o Juiz Carlos Eduardo Lora Franco da primeira vara de General Salgado-SP, não reconheceu o direito do motorista Luciano Rodrigo, de ter o seu dinheiro de volta, por entender que o Pastor não forçou a vítima a fazer a doação. Ele tinha vendido um Del Rei por dois mil e seiscentos reais, entregando dois mil ao dirigente da igreja”.

“No recurso feito à quarta vara, o motorista alegou que a suposta doação não tinha sido espontânea, no que recebeu o aval dos desembargadores da quarta vara. Um dos julgadores sustentou em suas justificações que, se a preocupação da igreja fosse ajudar de fato o fiel a começar uma nova vida, mais próspero, o mais indicado seria que devolvesse o mais rapidamente possível, o dinheiro do arrependido chofer”.

“Por meio de sua assessoria os dirigentes da igreja disseram que vão recorrer da decisão. Cabe recurso. Os assessores jurídicos da instituição estão providenciando as medidas necessárias”.

O leitor, agora é meu convidado para conjeturar sobre quem estará com a verdade: o motorista, ou a Instituição Religiosa?

Como entrar no universo subjetivo e imaginário das vítimas? É difícil. Missão quase impossível.

É doloroso aceitar que em todo esse imbróglio, o nome de Deus se encontre imiscuído como co-participante de uma vil “querela”, uma vez, que só Ele teria o poder de distribuir as benesses ou bênçãos frustradas.

Pergunto eu, caro leitor:

─ Se, na verdade houve falta de fé por parte do fiel, o negócio ou contrato realizado poderia, ou não, ser anulado?

Digamos que o reclamante estava com intenção de realizar um investimento material e nada recebeu de "bônus", não seria o caso de devolver-lhe o principal, isto é, os dois mil reais?

Por outro lado, promessa “divina” não tem tempo estipulado para se realizar. A igreja poderia muito bem valer-se do caso de Sara, esposa do patriarca Abraão, cujo filho da promessa só veio vinte e cinco anos após ter sido proferida a profecia, tendo mais um agravante: o pai dos Hebreus já contava com noventa anos. Olhando por esse ângulo a igreja poderia ganhar no recurso impetrado, pois o reclamante só teve a paciência de esperar por apenas oito anos (de 1999 à 2007).

Já em favor do motorista há um argumento muito forte: não se pode ter uma certeza absoluta de que o Deus da Universal realmente estava a par do negócio efetuado, uma vez que, para esta emblemática comprovação, teria de constar nos autos o depoimento do próprio Deus em pessoa. Além do mais, na sua decisão, o juiz como um bom cristão, fatalmente irá concluir que Deus é Espírito, e Espírito pela Lei não pode depor. O tempo como "senhor da razão", é quem vai dizer. Aguardemos.

De uma coisa eu tenho quase certeza: não seria aceita pelos veneráveis juízes, por ocasião do recurso, uma suposta palavra em nome de Deus, dita pelos pastores, que desta forma estariam se autofavorecendo. Como supostos “servos de Deus” estariam legalmente impedidos de apelar para o seu Senhor (parte interessada) .

Esse processo vai se tornar realmente uma pedreira para os magistrados.

Caso a assessoria jurídica da igreja seja derrotada no seu recurso impetrado, estará aberto um precedente muito perigoso, daí o seu interesse imenso em ganhar a causa. Já pensou: todo aquele que colaborar com o intuito de ser próspero em pouco tempo, e não for atendido, entrar com um processo contra a instituição religiosa a que pertence? Com certeza, a avalanche de processos dilapidaria paulatinamente o patrimônio da denominação religiosa.

Dentre os vários argumentos para a igreja livrar-se desta briga, existe um bastante genial, se alegaria que tudo funcionaria à maneira de uma loteria, como as da Caixa Econômica Federal. Os perdedores, isto é, os de má sorte, não tinham do que reclamar. Citaria-se por cima, o velho ditado popular: “quem não arrisca não petisca”.

Por outro lado, os advogados da igreja poderiam alegar que a contribuição se trataria de uma doação espontânea e não onerosa ─, negócio jurídico em que uma parte cede fração de seu patrimônio em espécie ou não, com liberalidade, sem estipular um benefício em favor do doador. No último caso, ao gemer os últimos estertores, a igreja poderia afirmar que se trataria de uma obrigação de “meio”, e não de “fim”, como a obrigação que o advogado tem de defender uma causa, sem, no entanto, garantir o êxito de determinado direito. Porém, o advogado do motorista poderia se sair muito bem contrapondo-se ao argumento dos defensores da igreja, alegaria que o seu constituinte teria feito com os pastores, um contrato verbal de troca da sua oferta por futuros benefícios, e, realçaria a sua controvérsia com a célebre frase de São Francisco de Assis: “é dando que se recebe”.

Quando coisas desta natureza chegam a acontecer em lugares que deveriam ser sagrados, realmente podemos afirmar como se costuma dizer no meio religioso: “chegamos ao fundo do poço”, na banalização do que deveria ser Divino. Nunca é demais lembrar um fato acontecido há dois mil anos: os evangelhos relatam com cores fortes, a maneira como Jesus entrou decididamente no templo, a fim de expulsar os que usavam o espaço sagrado para trocas comerciais em nome da fé.

Hoje, quando as negociatas em nome de Deus chegam de forma ignominiosa aos Tribunais, é tempo de se indignar e bradar as palavras de Cristo (Marcos 11, 17): “[...] a minha casa será chamada casa de oração para todas as nações! Mas vós a fizestes covil de ladrões”.

Crônica por: Levi B. Santos

Guarabira, 14 de setembro de 2007

Um comentário:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Muito bom seu texto, Levi! Essa questão de devolver ofertas é complicada e pode abrir precedentes para inúmeras irresponsabilidades além de gerar conflitos que seriam interpretados como "perseguição religiosa". Penso que uma pessoa maior de idade e civilmente capaz não pode ser inocentada numa situação dessas. Moralmente a conduta desses "pastores" é reprovável, mas também o ofertante em tela parece que foi tentado pela própria cobiça em querer enricar. Melhor que as pessoas aprendam a ter bom senso e deixem de ser trouxas.

No julgamento de um caso desses, há que se verificar a questão da prodigalidade do indivíduo, o que tornaria o sujeito relativamente capaz. Porém, é preciso que uma decisão anterior o considere pródigo pois uma instituição que recebe doações não pode ser vítima do comportamento de quem somente depois seja considerado pródigo. Claro que, no caso da IURD e de outras "igrejas", elas estimulam esse lesivo comportamento nos seus frequentadores. E aí temos que verificar se alguns na seita não estariam submetidos a um processo de lavagem cerebral.