31 dezembro 2007

UMA MENSAGEM PARA "2008"




FELIZ ANO NOVO. Todo dia 31 de Dezembro, repetimos ritualmente e com inflexão, esta saudação que evoca dias auspiciosos para os nossos familiares e amigos, como se o ano vindouro, pudesse trazer num passe de mágica, uma mudança extraordinária ou milagrosa no profundo do nosso “ser”.

É no final do ano que voltamos a ser criança de novo. Aquela criança que temos dentro de nós irrompe efusivamente, e nós pulamos, cantamos, rimos e brincamos. É quando passamos a escavar todos os tesouros e artefatos arqueológicos infantis mais escondidos, e que como bálsamo, suavizam as agruras da vida. Ao mesmo tempo, o nosso “ser” adulto dirige todos os seus desejos a um outro Pai. Reverentemente, pedimos presentes, como: um ano melhor que o anterior, com maiores realizações, menos dificuldades e aflições. Os meninos adolescentes almejam que os anos passem rápidos para chegar à época de namoro, noivado e casamento. As garotinhas enjoam das bonecas, e ficam a desejar que os anos passem ligeiro, para que o seu príncipe encantado finalmente apareça.

Mas, e os velhos? Para os jovens, ávidos na fome de crescer logo, é um ano que chega; para os velhos tão viajados pelo mundo afora, é um ano que vai. Uma parte da oração de Moisés que está escrita no Salmo (90: 10), carrega bem nas letras, para aqueles que estão ultrapassando os sessenta: “A duração de nossa vida é de setenta anos, e se alguns pela sua robustez chegam a oitenta anos, o melhor deles é canseira e enfado, pois passam rapidamente e nós voamos”. Vale salientar aqui, que na época do fundador da religião hebraica, havia registros de pessoas que chegaram perto dos duzentos anos de idade, o que não acontece hoje. E para não ficar apenas no exemplo bíblico do profeta, vale lembrar que o poeta Fernando Pessoa, escrevendo sob a rubrica de um de seus heterônimos, disse uma vez, falando sobre a finitude da vida humana, no seu belo poema, “Aniversário”, “Já não faço anos, Duro”.

Não tenho dúvidas de que Cristo, o Grande Mestre, a cada ano que se aproxima, continua a saudar a humanidade com aquelas mesmas palavras que Ele pronunciou para seus discípulos há dois mil anos: “[...] no mundo tereis aflições. Mas tende bom ânimo! Eu venci o mundo.”( João 16:33). BOM ÂNIMO é o “gás” que nos dá energia suficiente para agüentar a crueza do viver. BOM ÂNIMO, não é como uma informação que vem de fora, é sim, algo que tem de nascer dentro de nós, algo que a gente tem de buscar em nós mesmos.

Devemos sempre lembrar, que não é o tempo que passa, somos nós que passamos por ele. Poderemos mesmo nas adversidades fazer esta travessia em PAZ, se tivermos bom ânimo. Nunca é demais lembrar, que somos como o fluxo e o refluxo das marés, ora estamos lá embaixo, ora estamos lá no alto, e o Bom Ânimo (Bom Pastor), como a “vara e o cajado de Davi (salmo 23)”, nos consola, mesmo que tenhamos de andar pelo vale da sombra da morte.

Que o BOM ÂNIMO não se afaste de nós, para que sejamos prósperos em 2008.

Crônica por : Levi B. Santos

Guarabira, 31 de Dezembro de 2007

24 dezembro 2007

PAI E FILHO DÃO UMA "ESPIADA" NUM NATAL DO 3º MILÊNIO

.................. O Natal na Praia de Guarujá- São Paulo (2007)




O Supremo Oleiro criador do mundo, juntamente com seu Filho, resolve dar uma olhadela no mundo do terceiro milênio. Escolhe uma cidade ao acaso para observar como estariam vivendo os homens, criaturas suas, dois mil anos depois que Ele decidira enviar o seu único Filho para tirá-los das trevas da ignorância. Deu São Paulo no sorteio que fizeram. Pai e Filho saíram dos seus aposentos sagrados para abrir uma das janelas do céu, aquela que dava para as bandas da América do Sul.

O dia 24 de Dezembro de 2007 iniciara com uma manhã de sol escaldante. O Pai pede a seu Filho que comece a sua minuciosa observação pela periferia dessa grande cidade (a mais populosa do continente sul-americano), justamente na hora do grande “rush”, em que intermináveis filas de automóveis engarrafados nas diversas estradas, se movem à passos de tartaruga em direção as poucas praias já entupidas de gente, do litoral paulista.

O Pai nota o cenho franzido do filho, um sinal de desaprovação pelo que estava presenciando, e pergunta:

─ Diz-me a razão de tua brusca mudança de semblante, meu Filho?

─ Meu Pai, vou lhe dizer uma coisa: nem durante a minha estada na terra eu vi coisa igual. Vejo pais desesperados, ao volante dos seus carros. Muitos com as faces avermelhadas e molhadas de suor. Filhos chorando, agoniados com o calor infernal, as mãos a tapar os ouvidos para amenizar a barulheira das buzinas a todo volume. Ali mais na frente, posso ver um desastre horrível com muito feridos e mortos. Um pouco mais adiante, vejo quatro casais sendo assaltados; um ao reagir, foi morto na hora, em frente a três filhos menores de idade. Meu Pai, isso é um caos. Observo que as outras pessoas que vêm logo atrás em seus carros, parecem não se incomodar com a gravidade dos acidentes, passando pelas vítimas sem fazer alarde como se a violência presenciada diuturnamente tivesse arrancado de si a sensibilidade. Agora eu lhe pergunto meu querido Pai: Por que tanta correria e agonia, como se o mundo fosse acabar de uma hora para outra?

─ Ah Meu filho, toda esta confusão e correria louca é para comemorar o teu Natal, o teu aniversário.

─ Quer dizer meu Pai, que eu sou a causa de todo este caos? ─ pergunta resignadamente o filho.

─ Não! De maneira alguma! Logo que saíste da terra, o Diabo se pôs a distorcer a nossa mensagem de redenção para o homem. A tua pungente trajetória na terra, onde não tivesse nem onde repousar a cabeça, deu lugar a este patético festival de deleites que menosprezam o espírito.

─ Esse tal de aniversário, eu não conheço. Desde que eu me entendi de gente, não me lembro de ter tomado parte em uma comemoração dessa natureza. Engraçado! Estou vendo agora, um grande templo muito bem ornamentado, com árvores reluzentes, muita gente bem vestida, uma estrebaria eletrônica com uma bela criança em um luxuoso berço, animais artificiais se mexendo automaticamente. Tudo muito belo e arrebatador. Tudo diferente do que o meu pai e minha mãe me contaram, quando eu tinha cinco anos de idade. Eles me falaram que eu tinha nascido em uma paupérrima cocheira, em meio às fezes de animais. Lembro-me do que meu pai José falou, que não havia nem água potável por perto para fazer a higiene minha e a de minha mãe. Lavaram-me com a água barrenta de um velho e sujo poço que os animais usavam para matar a sede. Algumas pessoas que passavam pela estrebaria na ocasião do parto, disse-me minha mãe, não deram a mínima para o que estava ocorrendo.

─ O que vês agora? ─ pergunta o Pai para o seu Filho debruçado sobre o parapeito da janela celeste, que se abrira.

─Vejo um imenso prédio(um shopping) de muitos andares, superlotado de gente carregando embrulhos de variados volumes, envolvidos em papeis de sedas multicoloridas. Vejo também muitos velhinhos de barbas longas e muito brancas, trajando roupas vermelhas com gorros em suas cabeças. Cercados de crianças e adultos, eles distribuem objetos, ao som de violinos e sinos. Quem são estes meu Pai?

─Desde os tempos de Moisés, meu filho, eu luto para não criarem uma imagem de mim, pois toda imagem será sempre uma idéia falsa do que represento para a humanidade. Duzentos e oitenta anos após a tua morte, filho, um tal de São Nicolau que ajudava os pobres deixando saquinhos de moedas nas chaminés das casas, tomou o meu lugar. No teu Natal filho, tudo agora gira em torno desse homem, de vestes escarlates e de saco vermelho em punho. É este “Papai Noel”, que inteligentemente usado pela “mídia comercial”, engana pais incautos que deixam os seus filhos acreditar na maior mentira já exposta na data magna da cristandade. Aliás, a data do teu nascimento não foi 25 de Dezembro. Neste dia se celebrava a maior festa pagã do mundo greco-romano. Resolveram fundir o profano e o sagrado em uma só data para satisfazer interesses espúrios do Império.

─ Peço que continues descrevendo o que mais contemplas nessa metrópole, que é uma das maiores do mundo em número de “cristãos” ─ insiste o Pai ante o Filho sobressaltado.

─Estou vendo agora um gigantesco prédio com uma grande placa no alto: “INCOR”. Chegam a todo o momento, carros de cor branca com sirenes ligadas. Nesses automóveis vejo pessoas estiradas em macas, sendo apressadamente levadas por “homens de branco”, para dentro do prédio.

─Ah, deixe eu lhe explicar ─ diz o Pai interrompendo a narração do Filho. Esses carros brancos de sirenes estridentes chamam-se ambulâncias, e os homens de branco a carregar macas, são médicos e enfermeiros levando os enfermos da “Síndrome Natalina” para o que eles chamam de Hospital. Normalmente são atendidos neste lugar cerca de dez a quinze enfartados por dia. Só que no dia do teu Natal, a média é de oitenta a cem atendimentos desse tipo de urgência. Tudo isso é resultado da falta de paz, aliada aos prazeres praticados em excesso, que estouram veias e arrebentam corações.

O ar do Filho era de intensa tristeza ao ver tanta deturpação da mensagem de Boas Novas que Ele ensinara com tanto amor, acolhendo em sua árdua missão todos como irmãos, da mesma forma que uma galinha junta os seus pintos. Não fora para aquilo que estava agora a ver, que ele doara todos os seus anos na Terra.

A noite caía sobre a grande metrópole quando Pai e Filho decepcionados decidiram não assistir as cenas das ceias de Natal nas residências. Fecharam então a janela que dava para o Brasil, e se recolheram aos seus aposentos celestes. Ficaram a olhar um para o outro, por longo tempo, numa silente linguagem. Em dado momento, o Pai coloca a sua mão direita sobre o ombro esquerdo do Filho, e fala impetuosamente:

─ O nosso projeto continua de pé, meu Filho!. A esperança de que a verdadeira LUZ afugente de vez as trevas da ignorância não morrerá nunca.

Lá embaixo, na grande cidade, o borbulhar do mar de luzes e cores cintilantes a brilhar na noite fria, executava um espetáculo inesquecível para os olhos. Dentro das casas, após a tradicional comemoração do Natal, as almas se recolhiam silenciosas ao vazio existencial de sempre.


Ensaio por: Levi B. Santos

Guarabira, 25 de Dezembro de 2007

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11 dezembro 2007

É TEMPO DE CONVERSA "ON LINE"



O avanço tecnológico no mundo das comunicações tem acarretado alguns transtornos, ao exigir de nós uma constante reciclagem na difícil e multifacetada área digital. Para que possamos entender a linguagem cibernética que nos cerca em todos os sentidos, temos que nos render e forçosamente aprender a manejar esta complicada arte: a da computação. Mas, esse é o preço que temos de pagar pela dádiva de ter tudo às mãos, sem sair do lugar.

Na solidão de nosso gabinete, tendo à frente uma tela e sob as mãos um teclado, nos contatamos com qualquer pessoa em qualquer local do planeta. Sem o calor humano da conversa “cara a cara”, nos valemos de letras, números, figuras e desenhos animados, para demonstrar as nossas emoções “via satélite”.

Dias atrás, meus dois filhos mais novos, enfim, me convenceram a entrar no “MSN”, aliás, eles mesmos digitaram tudo: nome, senha, e um outro e-mail (hotmail). Fui testar o tal de “msn” (eu não sei nem o que significa esta sigla), lá pelas vinte e duas horas. O meu primeiro “bate-papo” foi com George (meu filho mais velho), que se encontrava em Cabedelo-PB. O resultado da estréia nessa modalidade de interação, foi uma baita de uma ressaca no dia seguinte. Parecia que eu tinha bebido a noite inteira. Eu tinha me empolgado tanto com o troço, que quando fui olhar o relógio, eram três da manhã. Conclusão: MSN é perigoso para maiores de sessenta anos de idade, pois se fica muito tempo sentado, com os olhos recebendo uma carga de luminosidade muito grande. Tudo isso, somado ao esforço extra realizado para se concentrar, pode prejudicar a saúde frágil dos mais idosos.

Ensinaram-me que, para não perder tempo no bate-papo a dois, eu devia ficar navegando por outros sites, enquanto meu interlocutor de outra localidade pensava e digitava a sua mensagem. Eu entendia que devia treinar bastante os meus neurônios para depois tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Disseram-me que para rir eu tinha que digitar: “rsrsrsrsrsrs”; para dar uma gargalhada eu tinha que teclar dessa maneira: “kkkkkkkkkkk”. Para demonstrar alegria eu tinha que clicar numa “carinha” com os cantos da boca para cima; para tristeza: um rosto com as comissuras dos lábios repuxados para baixo. E assim por diante.

No meu primeiro teste tive uma longa e produtiva conversa com George. Discorremos sobre coisas sérias do nosso cotidiano. Falamos de religião, filosofia, política e até ensaiamos alguns pensamentos incompletos e meio poéticos. E não é que gostei de filosofar “on line”!. O que a gente conversa através da digitação, tenho a impressão que fica mais firmemente gravado em nosso cérebro. Parece, que as palavras ditas no “tête-à-tête” são como rajadas de vento que passam por nós e vão embora logo, e desse modo, em pouco tempo, são relegadas ao esquecimento; ao passo que as frases pensadas e depois digitadas na tela, parecem deixar marcas indeléveis na nossa consciência, tal qual um espelho riscado por um diamante.

Percebi que a troca de mensagens “on line” tem uma grande vantagem: é a de você poder voltar no tempo, e, em “of line” rever toda a conversação desde o início. Acho que num futuro muito próximo, haverá a publicação de livros, retirados diretamente do “msn”. Imagine o que é começar uma conversa às vinte horas e encerrá-la às quatro da madrugada, com a certeza de que o “bate-papo” dará um bom livro depois.

Outro grande benefício da conversa “on line”, é a de que, no calor das emoções, não há o perigo de uma luta “corpo-a-corpo”. Quando muito, o descarrego da raiva terá o teclado como saco de pancadas.

Como tudo na vida tem o seu lado negativo, as travadas do computador e as falhas de carregamento na internet são os principais motivos de irritação, pois tiram momentaneamente a inspiração do digitador. Esses fatos não tinham a menor possibilidade de acontecer nos tempos idos de minha “pena” com bico “escarrapichado”, em que eu a imergia em um tinteiro de liquido azul anil, para, de um modo áspero, escrever em um papel poroso e amarelado. A borracha de apagar, era um “mata borrão” ─ espécie de pedaço de madeira de base curva, envolvida com papel absorvente. Nesse tempo eu ainda nem sonhava com a futura e revolucionária máquina de datilografia. Nessa época, minha “internet” eram os Correios e Telégrafos, na praça central de Alagoa Grande (brejo Paraibano). A cada três semanas recebia uma ou duas cartas, e enviava outras aos meus primos e amigos na Capital do Estado. Era indescritível a emoção que sentia no momento de abrir as correspondências. Nelas depositava todas as expectativas alimentadas durante todo mês. A leitura delas me envolvia num magnetismo de venturosa felicidade, que nem de longe, a máquina digital até agora conseguiu me proporcionar. Naquele tempo era impensável a violação de uma correspondência, a qual depois de fechada e selada tornava-se algo sagrado, e, apenas ao destinatário estava reservado o acesso.

Nos dias atuais, a correspondência virtual pode acarretar imensos transtornos aos usuários da "internet", pelo fato de um terceiro, poder imiscuir-se sorrateiro no meio do "papo", quebrando desta forma o sigilo entre os interlocutores. Um exemplo bem recente aconteceu entre dois Juízes do Supremo Tribunal Federal, os quais tiveram as suas futricas "on line" captadas pelas lentes poderosíssimas dos fotógrafos, em meio a sessão de indiciamento dos "mensaleiros petistas". Audiência que foi transmitida ao vivo para todo Brasil pela Televisão.

Contudo, revendo os prós e os contras, não posso deixar de bater palmas para o MSN. Neste mundo caótico e violento em que estamos vivendo ─ quando ao se sair de casa não se sabe se volta ─ a comunicação solitária “on line”, não deixa de ser um alento para nossas almas desejosas de uma boa e proveitosa conversa, longe do perigo que ronda as ruas.



Ensaio por: Levi B. Santos

Guarabira, 12 de Dezembro de 2007

04 dezembro 2007

UM SONHO NATALINO



Faltava uma semana para o Natal. SONHEI que estava numa ampla varanda de uma casa de veraneio, em uma reunião festiva com três amigos. Cheio de felicidade, respirava profundamente uma brisa impregnada do odor dos velhos eucaliptos que circundavam o casarão. De repente um homem com farda dos “Correios” me entrega o Jornal “O DIA”, em cujo topo da primeira página eu pude ler em letras garrafais, a seguinte manchete: “POR FALTA DE ATENDIMENTO, MÃE DÁ À LUZ EM UMA COCHEIRA”. No sonho, os meus três companheiros divertiam-se ao som de músicas de ritmos esfuziantes, comendo e bebendo ao redor de uma mesa; naquela ocasião, só eu, me interessei por aquele triste e desumano depoimento jornalístico. Fui lendo vagarosamente o que o repórter tinha escrito em três extensas colunas: Uma gestante em trabalho de parto, após peregrinação por três maternidades, dá a luz a um filho em uma imunda estrebaria da Capital. Colheu-se informação de que a mesma foi recusada na primeira maternidade, por não possuir um plano de saúde, e que ao se dirigir a outro Estabelecimento de Saúde, não pode ficar, por falta de um Obstetra naquele momento. Quando finalmente encontrou uma Maternidade do SUS, onde pudesse ser atendida, foi constatada que a gestante, além de não ter feito pré-natal, recusou-se a revelar o nome do pai do futuro bebê, por isso, não foi possível confeccionar a ficha de atendimento que se fazia necessário, uma vez, que o sistema digital do SUS não estava programado para o registro de uma internação, sem a informação do pai da criança. Após mais de uma hora de espera na ante-sala da Casa de Saúde do Sistema Único de Saúde, a mulher M. J., de 30 anos de idade, contorcendo-se em dores, resolveu procurar outro local para ter o bebê. Ao passar por uma ruela na periferia da cidade, não mais suportando as dores, se acomodou em uma cocheira suja, e, junto a uma vaca e dois jumentos que ali se encontravam, trouxe ao mundo uma criança forte e chorona, através de um parto difícil, assistido apenas por seu companheiro J.A., de 33 anos de idade”.

Lembro-me de que no sonho eu tinha feito uma pausa para me ajeitar melhor no assento da cadeira, e sentia como que uma indignação dentro de mim, que crescia à medida que continuava a leitura da reportagem do Jornal: “uma pessoa que não quis se identificar, e que passava por perto, na ocasião do parto, relatou que ao ouvir os gritos lancinantes da mulher, se dirigiu ao local, e quase ficou sem fala ao ver uma criança nascendo em meio às fezes de animais misturadas a restos de vegetais. Afirmou ainda, que viu o acompanhante da parturiente cortar o cordão umbilical com um canivete, amarrado-o com uma “embira”, indo depois lavar a criança em um pequeno barreiro de água fétida e de cor escura, que servia para matar a sede dos três animais que ali viviam em completo abandono".

Recordo-me bem da parte do sonho em que eu ouvia uma melodia suave, uma daquelas músicas clássicas tocadas por orquestra sinfônica. E, nesse momento, eu via meus amigos se afastarem de mim com um ar de reprovação, dando a entender que não estavam suportando ouvir aquele tipo de “música”, considerada por eles como “música de enterro”. Quando acordei era madrugada alta, então, me pus a refletir sobre este significativo sonho, e senti que tudo estava relacionado com o verdadeiro Natal que se aproximava.

A realidade extrema do sonho com aquele parto realizado sem assistência médica e ao relento, arrancou de mim os ornamentos ou enfeites natalinos imaginários dos meus verdes anos, que eu guardara com tanto apego no porão sombrio do meu inconsciente.

Depois do sonho, eu comecei a recordar de fatos da minha meninice, quando não tinha a menor idéia da grandeza do Natal de Cristo, e chegava a brincar e rir com um arremedo de estrebaria, que tinha no seu interior um boneco de plástico (réplica do menino Jesus) envolto em panos, ornamentando um lado do púlpito de minha igreja. A minha pouca idade não me permitia entender o que era uma mulher ter uma criança em condições indignas. Não podia imaginar que Maria e José tinham sido vítimas de uma das maiores desumanidades já relatadas na Bíblia, dois mil anos atrás, quando humildemente procuraram e não encontraram uma casa para abrigo em meio a uma urgente necessidade. As palavras doces do Natal de minha infância, agora, deram lugar a palavras duras e ásperas, marcadas pela severidade de uma vida agitada que o mundo me ensinou.

A emblemática história desse sonho, despertou-me da letargia mental em que me encontrava, para que pudesse finalmente compreender que, a estas mesmas horas, deveria estar acontecendo casos iguais ao do casal da reportagem ─, lá na África, no Haiti, na Bolívia, ou quem sabe, aqui mesmo em minha cidade.

Amanhecia o dia, e o sentimento que me dominava era o de frustração, ao perceber que após dois mil anos de civilização, a “odisséia” dos pais do menino Jesus continuava a se repetir de forma ainda mais ultrajante: às barbas de uma moderna e insensível elite, que se diz, maior defensora dos direitos humanos.

Sete horas da manhã, um pouco atordoado pela noite mal dormida, levantei-me do leito a fim de preparar o meu desjejum. Pelas frestas da janela do quarto, a claridade do sol de verão já bastante forte, prenunciava um daqueles dias de intenso calor.

Após o café da manhã, fui surpreendido por uma coincidência que me deixou constrangido: a mensagem de um outro espírito natalino ecoava na rua, à frente de minha casa. Um locutor em um carro de som esbravejava numa altura infernal: “Esta é a única oportunidade para você ter o Natal mais feliz de sua vida. Corra agora mesmo às Casas Bahia e aproveite as verdadeiras loucuras de OFERTAS. É SÓ HOJE!, É SÓ HOJE!, gritava o estabanado radialista.

Infelizmente, para muitos, o Natal é sinônimo de correria desenfreada rumo às compras, e Dezembro tornou-se o mês de maior agonia, angústia e insensibilidade humana. É neste mês que os Hospitais redobram os atendimentos de urgência, sendo a “Síndrome Natalina” que deturpa o verdadeiro sentido do nascimento de Cristo, responsável pela quase totalidade dos internamentos.

Os muitos “meninos-Jesus” espalhados pelo Brasil afora, terminadas as festas natalinas, continuarão esquecidos e rejeitados por uma sociedade consumista e ávida de festas. Passado o enfadonho 24 de Dezembro, após nos empanturramos de guloseimas e bebidas, celebrando o Natal de Cristo às avessas ─, nos recolhemos tranqüilos aos nossos quartos, para no dia seguinte continuar a mesma “vidinha” de sempre.

Que o próximo SONHO seja menos angustiante e menos tumultuado; mais tranqüilo e reflexivo, para que possamos recuperar o verdadeiro sentido do Natal. .

.........Ensaio por: Levi B. Santos

.........Guarabira, 05 de Dezembro de 2007