04 dezembro 2007

UM SONHO NATALINO



Faltava uma semana para o Natal. SONHEI que estava numa ampla varanda de uma casa de veraneio, em uma reunião festiva com três amigos. Cheio de felicidade, respirava profundamente uma brisa impregnada do odor dos velhos eucaliptos que circundavam o casarão. De repente um homem com farda dos “Correios” me entrega o Jornal “O DIA”, em cujo topo da primeira página eu pude ler em letras garrafais, a seguinte manchete: “POR FALTA DE ATENDIMENTO, MÃE DÁ À LUZ EM UMA COCHEIRA”. No sonho, os meus três companheiros divertiam-se ao som de músicas de ritmos esfuziantes, comendo e bebendo ao redor de uma mesa; naquela ocasião, só eu, me interessei por aquele triste e desumano depoimento jornalístico. Fui lendo vagarosamente o que o repórter tinha escrito em três extensas colunas: Uma gestante em trabalho de parto, após peregrinação por três maternidades, dá a luz a um filho em uma imunda estrebaria da Capital. Colheu-se informação de que a mesma foi recusada na primeira maternidade, por não possuir um plano de saúde, e que ao se dirigir a outro Estabelecimento de Saúde, não pode ficar, por falta de um Obstetra naquele momento. Quando finalmente encontrou uma Maternidade do SUS, onde pudesse ser atendida, foi constatada que a gestante, além de não ter feito pré-natal, recusou-se a revelar o nome do pai do futuro bebê, por isso, não foi possível confeccionar a ficha de atendimento que se fazia necessário, uma vez, que o sistema digital do SUS não estava programado para o registro de uma internação, sem a informação do pai da criança. Após mais de uma hora de espera na ante-sala da Casa de Saúde do Sistema Único de Saúde, a mulher M. J., de 30 anos de idade, contorcendo-se em dores, resolveu procurar outro local para ter o bebê. Ao passar por uma ruela na periferia da cidade, não mais suportando as dores, se acomodou em uma cocheira suja, e, junto a uma vaca e dois jumentos que ali se encontravam, trouxe ao mundo uma criança forte e chorona, através de um parto difícil, assistido apenas por seu companheiro J.A., de 33 anos de idade”.

Lembro-me de que no sonho eu tinha feito uma pausa para me ajeitar melhor no assento da cadeira, e sentia como que uma indignação dentro de mim, que crescia à medida que continuava a leitura da reportagem do Jornal: “uma pessoa que não quis se identificar, e que passava por perto, na ocasião do parto, relatou que ao ouvir os gritos lancinantes da mulher, se dirigiu ao local, e quase ficou sem fala ao ver uma criança nascendo em meio às fezes de animais misturadas a restos de vegetais. Afirmou ainda, que viu o acompanhante da parturiente cortar o cordão umbilical com um canivete, amarrado-o com uma “embira”, indo depois lavar a criança em um pequeno barreiro de água fétida e de cor escura, que servia para matar a sede dos três animais que ali viviam em completo abandono".

Recordo-me bem da parte do sonho em que eu ouvia uma melodia suave, uma daquelas músicas clássicas tocadas por orquestra sinfônica. E, nesse momento, eu via meus amigos se afastarem de mim com um ar de reprovação, dando a entender que não estavam suportando ouvir aquele tipo de “música”, considerada por eles como “música de enterro”. Quando acordei era madrugada alta, então, me pus a refletir sobre este significativo sonho, e senti que tudo estava relacionado com o verdadeiro Natal que se aproximava.

A realidade extrema do sonho com aquele parto realizado sem assistência médica e ao relento, arrancou de mim os ornamentos ou enfeites natalinos imaginários dos meus verdes anos, que eu guardara com tanto apego no porão sombrio do meu inconsciente.

Depois do sonho, eu comecei a recordar de fatos da minha meninice, quando não tinha a menor idéia da grandeza do Natal de Cristo, e chegava a brincar e rir com um arremedo de estrebaria, que tinha no seu interior um boneco de plástico (réplica do menino Jesus) envolto em panos, ornamentando um lado do púlpito de minha igreja. A minha pouca idade não me permitia entender o que era uma mulher ter uma criança em condições indignas. Não podia imaginar que Maria e José tinham sido vítimas de uma das maiores desumanidades já relatadas na Bíblia, dois mil anos atrás, quando humildemente procuraram e não encontraram uma casa para abrigo em meio a uma urgente necessidade. As palavras doces do Natal de minha infância, agora, deram lugar a palavras duras e ásperas, marcadas pela severidade de uma vida agitada que o mundo me ensinou.

A emblemática história desse sonho, despertou-me da letargia mental em que me encontrava, para que pudesse finalmente compreender que, a estas mesmas horas, deveria estar acontecendo casos iguais ao do casal da reportagem ─, lá na África, no Haiti, na Bolívia, ou quem sabe, aqui mesmo em minha cidade.

Amanhecia o dia, e o sentimento que me dominava era o de frustração, ao perceber que após dois mil anos de civilização, a “odisséia” dos pais do menino Jesus continuava a se repetir de forma ainda mais ultrajante: às barbas de uma moderna e insensível elite, que se diz, maior defensora dos direitos humanos.

Sete horas da manhã, um pouco atordoado pela noite mal dormida, levantei-me do leito a fim de preparar o meu desjejum. Pelas frestas da janela do quarto, a claridade do sol de verão já bastante forte, prenunciava um daqueles dias de intenso calor.

Após o café da manhã, fui surpreendido por uma coincidência que me deixou constrangido: a mensagem de um outro espírito natalino ecoava na rua, à frente de minha casa. Um locutor em um carro de som esbravejava numa altura infernal: “Esta é a única oportunidade para você ter o Natal mais feliz de sua vida. Corra agora mesmo às Casas Bahia e aproveite as verdadeiras loucuras de OFERTAS. É SÓ HOJE!, É SÓ HOJE!, gritava o estabanado radialista.

Infelizmente, para muitos, o Natal é sinônimo de correria desenfreada rumo às compras, e Dezembro tornou-se o mês de maior agonia, angústia e insensibilidade humana. É neste mês que os Hospitais redobram os atendimentos de urgência, sendo a “Síndrome Natalina” que deturpa o verdadeiro sentido do nascimento de Cristo, responsável pela quase totalidade dos internamentos.

Os muitos “meninos-Jesus” espalhados pelo Brasil afora, terminadas as festas natalinas, continuarão esquecidos e rejeitados por uma sociedade consumista e ávida de festas. Passado o enfadonho 24 de Dezembro, após nos empanturramos de guloseimas e bebidas, celebrando o Natal de Cristo às avessas ─, nos recolhemos tranqüilos aos nossos quartos, para no dia seguinte continuar a mesma “vidinha” de sempre.

Que o próximo SONHO seja menos angustiante e menos tumultuado; mais tranqüilo e reflexivo, para que possamos recuperar o verdadeiro sentido do Natal. .

.........Ensaio por: Levi B. Santos

.........Guarabira, 05 de Dezembro de 2007

6 comentários:

Anônimo disse...

Realmente esse texto nos leva a pensar sobre o verdadeiro sentido do Natal...
Gostei d+++

Unknown disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...

Obg pelo sonho e sua interpretação...rsrsrs. É, esse SONHO NATALINO vai ficar gravado em muitas memórias neste final de ano. Valeu!

Arivanio disse...

Não é à toa, que a "síndrome natalina" é também uma síndrome
depressiva. Levi, você como sempre
sensibilizando, os corações.