24 abril 2008

O PORÃO ESQUECIDO


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Abri no peito, o entravado e velho portão,

Entrei no tempo passado, até então escondido.

Adentrei ao subsolo do frio e escuro porão,

Vi os empoeirados fragmentos esquecidos,

Pedaços de brinquedos revoltos pelo chão.

Restos de memória de um tempo bem vivido.




Meus olhos de idoso, pelo tempo, esmaecidos,

Brilharam como antes, quando ainda era criança.

Senti por um momento os olhos umedecidos,

Pressenti no coração, um rasgo de esperança,

Um sentimento gostoso, de rever algo querido,

Renovou a minha alma, de força e de pujança.




Num canto da parede, um cavaquinho de madeira,

Que alçou na minha mente uma bela e velha cantiga.

Noutro canto uma bola murcha coberta de poeira,

Relembrou-me as peladas na ruazinha antiga.

Me vi correndo ofegante, subindo a velha ladeira,

Os pés vermelhos queimando das pisadas em urtiga.




Durante uma noite inteira caminhei pelo passado,

Revirando no porão, meus baús de brincadeiras,

Me vi brincando de novo, a cada artigo encontrado.

E encontrando na bagunça, uma surrada baleeira,

Revivi minhas caçadas pelo mato encantado,

Atirando nas rolinhas, debaixo das pitombeiras.




Ah que saudades que tenho desse porão esquecido,

Desse recanto da alma que ficou em mim gravado,

Desse museu infantil, que me deixou entretido,

Desse saudoso lugar, meio triste, e abafado.

E nessa noite de sonhos, eu me sinto agradecido,

Ao voltar a ser menino no porão abandonado.



.........Versos por: Levi B. Santos

.........Guarabira, 24 de Abril 2008

17 abril 2008

ELA JÁ SENTE SAUDADE




Geralmente, a cada quinze dias, eu e minha esposa fazemos este trajeto: saímos de Guarabira e viajamos até à praia de Camboínha, em Cabedelo, onde residem o nosso filho George, a nora Mauriceia e a nossa neta Gabrielle. Nesses reencontros matamos a saudade dos tempos em que convivíamos juntos no mesmo ninho. Na verdade, o que mais nos deixa impressionados e felizes da vida nessas ocasiões, são as peripécias da sapeca neta de três anos de idade.

Propositadamente, ao adentrar a garagem do prédio toco a buzina do carro, e a Gabrielle ao reconhecer o apito do automóvel, desce do terceiro andar em disparada, percorrendo rapidamente os degraus do corredor, aos gritos: “chegô dotô Levi”. E ao me encontrar ainda na garagem do prédio retirando a bagagem, joga-se efusivamente nos meus braços. Após os abraços no avô, dirige-se em direção a avó, que também a abraça e beija carinhosamente, chamando-a de “minha princesa”.

Numa das visitas mais recentes que fiz ao apartamento em que reside o meu filho, a minha esposa não me acompanhou. A Gabrielle percebendo a ausência da sua querida avó,recebeu-me friamente, perguntando-me de imediato:

─ Vovô! Cadê a vovó Luza?

Ali mesmo, um pouco desconcertado racionalizei uma desculpa daquelas que comumente se diz de última hora, engabelando as crianças mais inocentes, e, no intuito de consolar a neta, que àquela altura já demonstrava certo ar de desapontamento, eu disse com desfaçatez:

─ Ela não pôde vir minha filha. Ouviu?

Foi nesse exato momento que observei no seu rosto um rasgo de desalento. Os seus olhos vazios, infundindo tristeza, desviaram-se para o “hall” silencioso e sombrio do apartamento. Fitando-me demoradamente, na sua sincera espontaneidade, disse-me uma frase emblemática, que os adultos tão bem sabem encobrir:

─ “Tava com saudade de vovó Luza” ─ respondeu ela reclinando levemente a sua cabeça sobre o meu peito.

Momentos depois, acomodado em uma cadeira de balanço, na sacada do apartamento, comecei a refletir sobre a última e significativa frase dita pela minha netinha. A saudade tão cantada e decantada em música, em ensaios, versos e romances, como um misto de tristeza, decepção e abandono, já estava ali presente numa pequena criatura de três anos de idade. Que bela e fascinante fase da vida é esta da criança, na qual, os sentimentos verdadeiros são expressos com a maior naturalidade, sem o ranço das etiquetas sociais que controlam e sufocam o interior do próprio ser, tolhendo a sua liberdade de externar o que sente. Quantas e quantas vezes, não disse para os meus filhos ainda pequenos: “Comporte-se dessa maneira! Não faça feio! Seja forte, não chore!”.

Ao observar a netinha falar com todo o seu sentimento a palavra “saudade”, não pude conter a emoção, me senti criança de novo, e voltei ao “ Jardim do Éden” dos meus queridos pais, os quais, mesmos sem entender nada de psicologia, deram sentido e forma aos meus sucessos e fracassos. Foram eles que, com seus risos e gritos de gigantes disciplinadores, domaram meus medos imaginários.

A tão significativa palavra “saudade” pronunciada de forma cândida pela pequena Gabrielle naquela tarde, fez instantaneamente voltar à lembrança, as minhas muitas leituras de Psicanálise.

Inconscientemente, aquele ser tão precoce fornecera a senha, para que ali, eu pudesse recordar o que os postulados do psicanalista Francês Jacques Lacan diziam sobre o desenvolvimento psicológico da criança no âmbito da família. Esse estudioso da afetividade humana, foi o primeiro a receber da lingüística uma valiosa contribuição, encontrando nela o esteio que iria desvendar o que realmente se escondia por trás dos sentimentos experimentados pelo bebê, ao ser privado do seio materno ─ no então chamado “desmame”. Jacques Lacan, ao fazer uma releitura das obras de Freud, trouxe à atualidade conceitos irrefutáveis, provando que o sentimento de perda, o sentimento de privação de um prazer na criança, se inicia muito cedo ─, no final do primeiro ano de vida, quando o bebê deixa de amamentar. Ao ver-se privada do ato prazeroso da sucção, a criança funda em seu ser, de uma maneira inconsciente, a tão propalada SAUDADE. Quando a mãe oferece a “chupeta” ao seu nenem, está estabelecendo a primeira ficção, fabricando a primeira ilusão, que de certa forma funcionará como um “consolo” (termo usado antigamente para o que hoje denominamos “chupeta”).

Quem nunca observou uma criança sugando com ruidosa avidez a sua chupeta enquanto dorme profundamente? Porventura, não estaria ela sonhando com o real? Ou estaria ela no seu débil imaginário, iludindo-se com uma réplica, a fim de saciar o seu primitivo prazer oral?

No ato de amamentar, a criança recebe o leite, e ao mesmo tempo realiza o mais primitivo de todos os desejos: “o gozo de sugar”. O sentimento agudo da saudade, da solidão, da privação, nasceu, portanto, de um desejo vedado lá no início da nossa existência. Após a interdição dessa função, a criança inconscientemente passa a procurar a restauração da unidade perdida de si mesmo. É nessa ocasião que entra em ação o imaginário infantil, com suas fantasias, alegorias e fantasmagorias. A saudade, este saudoso afeto, irá acompanhar o ser humano pela vida afora, e como um desejo profundo, irá dar vigor as artes, a ciência e a religião ─, verdadeiras dádivas do amor oferecido às civilizações.

O homem que foi capaz de construir a cultura, não pode ignorar que vive sob o peso de seus próprios recalques. A velha saudade que nasceu com a primeira perda, foi engendrada em nossas mentes, a semelhança de um rio caudaloso de inverno, que vai levando tudo de roldão, rompendo os seus próprios limites, e que, só é aplacado pelo choro, pela esfera do Divino, da música, da poesia, dos ensaios, e dos "reencontros".

A emblemática frase, dita de forma tão melancólica pela pequena Gabrielle naquele memorável dia, além de ter sido a razão maior dessa minha breve incursão pelo terreno científico da gênese da saudade, teve o condão de transportar-me para a longínqua infância de estudante do curso primário em Alagoa Grande – Pb. Fez-me evocar uma poesia de Casimiro de Abreu, que eu adorava recitar, mas infelizmente, a minha mente já cansada pelo peso dos anos, só guardou dela, este pequenino fragmento:

...............“Oh que saudades que eu tinha

................Da aurora de minha vida,

................Da minha infância querida

................Que os tempos não trazem mais”.




Ensaio por: Levi B. Santos

Guarabira, 17 de Abril de 2008

12 abril 2008

POR QUEM CHORA O VIOLÃO



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....................
Se és assim tão duro p´ra chorar,

....................Tens uma arte divina de expressão,

...................Que alivia a alma em seu deserto,

....................Quando os olhos não atendem ao coração.

....................Há um instrumento ali, de ti bem perto:

....................Entoa nele, então uma canção.

....................Caminharás! Disto estou bem certo,

....................Na voz pungente do teu violão.




...................No silêncio das noites mal dormidas,

...................Puxa as tensas cordas, tira uma canção.

...................A melodia eclodirá em “Tom Menor”,

...................Chorará por ti, o sonoro violão.

...................Mesmo sem poço de lágrimas no deserto,

...................Tens as mãos, e tens teu coração,

...................E nesta divina arte de tocar,

...................Os teus reclames desaparecerão.




.........................Mas quem sabe, se das cordas retirares,

.........................Mesmo triste, uma perfeita melodia,

.........................Então um raio de alegria nascerá,

.........................Augurando para ti um novo dia.

.........................Acordarás bem melhor das tuas dores,

..........................Pois aquilo que no teu peito ardia

......................... Transformou-se em força e esperança,

..........................Expulsando a aflição que te invadia.




..........................Se os temores quiserem te assustar,

..........................E a ansiedade quiser te dominar,

..........................Toma o instrumento, exerce o teu dom,

..........................E um novo hino principias a tocar.

..........................E nesta noite, já então refeito,

..........................Tua voz fraquinha, o silêncio quebrará,

..........................E em harmonia dupla com o violão,

..........................Espargirás a PAZ por todo o teu lar.


.................................(Versos dedicados a um amigo violonista)

.................................Guarabira, l2 de Abril de 2008