Em nossos relacionamentos pessoais estamos constantemente exercendo racionalizações sobre o outro. Quer conscientemente, quer inconscientemente, estamos a valorizar certos ideais ou verdades pré-estabelecidas que nos são de suma importância. Temos os nossos valores que se confrontam com os ideais do outro. Muitas vezes, aquilo que mais prezamos, é desprezado pelo nosso semelhante, por nossos familiares, ou nossos amigos. Às vezes, os nossos valores parecem-nos tão importantes e inquestionáveis que chegamos a pensar que todas as pessoas deveriam aceitá-los.
Cada pessoa é um ser único neste mundo, tem a sua própria história de vida, tem a sua própria “visão de mundo”. Devemos refletir que ninguém é obrigado a sentir o que sentimos, da forma como sentimos. Os julgamentos que fazemos são puramente subjetivos, pois cada um percebe de modo diferente as suas convicções. Às vezes, colocamos o outro em um patamar inferior, por não conseguir perceber ou se expressar a nossa maneira sobre determinados sentimentos ou idéias. Não é por acaso, que somos apanhados de surpresa toda vez que subestimamos ou superestimamos o nosso próximo. É de nossa própria índole este maniqueísmo de pensamento: “Ele é bom ou mau?” “Está certo ou errado?” “É superior ou inferior?”. É entre estes dois pólos, entre estes dois extremos, que realizamos a maior parte do nosso jogo de julgamento de valores.
Subestimamos o outro quando o julgamos incapaz de ter determinada virtude. Superestimamos o outro quando o achamos inatingível em suas qualidades ou virtudes.
Os julgamentos que engendramos cotidianamente em nossa mente, a respeito do outro, trarão como conseqüências as inevitáveis “SURPRESAS”, que de acordo com nossas racionalizações, denominamos de Surpresas agradáveis ou Surpresas desagradáveis. Diante de algumas surpresas ficamos tristes; diante de outras ficamos alegres.
Entre os inúmeros exemplos, colhi um, para demonstrar como um julgamento por “superestimação” pode nos proporcionar uma “surpresa desagradável”:
Uma pessoa sofreu uma grande decepção que lhe deixou arrasada, quando soube que um ‘casal exemplar’, na mais sublime concepção conjugal da palavra, cometeu uma gigantesca insensatez. Esta surpresa lhe trouxe um gosto amargo, pois julgava o “perfeito casal” supracitado, acima de qualquer suspeita. Nesse caso, a elaboração de um julgamento prévio, em nível pré-consciente, fez o sujeito da ação, projetar no outro um ideal inatingível. A imagem do casal foi se solidificando paulatinamente, como se estivesse sobrepondo argila, camada sobre camada. Quando aquilo que se tem a respeito do outro, como imagem definitiva, desmorona, traz sempre em conseqüência uma surpresa desagradável. No centro de tudo está a superestimação, a qual é sempre fruto de um falso julgamento.
Não é bom fazer do nosso próximo um baluarte de segurança, ética e moral, imaginando que nunca poderemos alcançá-lo, pois aquilo que a gente coloca tão alto se desmancha no ar, podendo ocasionalmente nos levar de roldão. Ficamos frustrados por um dano imaginário, tristes por ter perdido um referencial que estava se vivenciando como algo real. O casal da história acima tinha se tornado um símbolo da “verdade aparente” do outro.
A queda ou fraqueza daquele que nos servia de referencial nos traz um sentimento de tristeza; um sentimento de que algo dentro de nosso ser se perdeu. A superestimação engendrada quando se atribuiu uma perfeição inumana a dois simples mortais (o casal da história) foi responsável pela surpresa desagradável.
Com a perda daquilo que idolatrávamos vai embora uma máscara que possuíamos, e que tanto prezávamos, pois era com ela que nos víamos no espelho do nosso relacionamento humano. Ao arrancar esta máscara de nosso rosto, sentimos a dor, de que com ela, foi embora um pouco de nossa pele. A surpresa decorrente de um julgamento por algo que superestimamos, dói demais.
Quando tomamos consciência do falso julgamento que provocou em nós essa tristeza, nos refazemos, renovando nosso pensamento para prosseguir pelo mundo afora procurando não nos surpreender tanto. Façamos nossas as palavras de parte do segundo versículo, do capítulo doze, da carta de Paulo aos Romanos: “...Mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento.”
Um outro tipo de SURPRESA é a que nos agrada, nos causa alegria, e levanta nosso “ego”, a qual, também, não deixa de ser fruto de um falso julgamento engendrado no mais recôndito de nossa mente. Esta é por subestimação, contrária àquela que foi por superestimação.
Para explicar a surpresa por subestimação tomemos entre os demais casos, este como exemplo: “um dos nossos filhos que considerávamos relapso nos estudos decide-se prestar um exame dificílimo. Racionalizamos logo em nossa imaginação, que o mesmo por não ter capacidade, não vai ter um bom desempenho, e um belo dia tomamos conhecimento de que o mesmo conseguiu ser aprovado. Então saímos logo a propagar a tão grata surpresa”. Fomos surpreendidos. Porém esta surpresa não incorreu em tristeza, como no primeiro caso do ‘casal perfeito’. De inicio a sensação que nos invade é de vergonha, pois julgávamos o filho incapaz. Só depois de uma reflexão apurada, é que temos a humildade de reconhecer que algo de bom veio de onde menos se esperava. É sempre assim: só esperamos algo de bom daquele “bem direitinho”, daquele “bem comportado” que reza pela nossa cartilha. A subestimação, no caso do filho considerado incapaz, adveio de uma projeção de nossa fraqueza em nosso próximo, fruto que foi, de nossa própria baixa auto-estima “Então nos flagramos dizendo: ‘não esperava nunca que ele fosse aprovado’. Se parássemos para pensar melhor, veríamos que primeiramente subestimamos aquele filho, para em conseqüência sermos surpreendidos por ele. Diante desta surpresa, nos alegramos, porque aquilo que pensávamos que era fraco, era forte ─ numa analogia ao que Paulo falou aos Corintios (... pois quando estou fraco, então é que sou forte). Somos desta forma, sempre traídos quando fazemos juízos de valores em relação ao nosso semelhante. Não temos a capacidade de realizar justo julgamento, pois, julgamos pelo que vemos e pensamos e não pelo que existe no coração do outro.
Quanto nos causa prazer citar a parte final de Apocalipse 20:4: “... e foi lhes dado o poder de julgar”. Por enquanto, para nós mortais isto é impossível. Na outra vida, talvez possamos exercer esse dom com justiça e sobriedade, sem aquele tempero de vingança que até em sonhos permeia nossas ações nesse mundo competitivo e hostil.
Ensaio por: Levi B. Santos