A inapreensível e inconquistável apresentação do Deus dos Judeus, nas suas múltiplas formas de revelação, incíta-nos a repensar o nosso “discurso”. A cada apreensão que fazemos, conhecemos umas de suas “faces”, sem chegarmos nunca a entender as inúmeras outras faces desse Deus.
Como um paradoxo de linguagem, o lado obscuro de Deus, às vezes denominamos de “diabólico”, como diabólico é tudo que foge a pequenez do nosso mundo de saberes, a que rotulamos de “princípios”. Então, na busca de preencher o vazio do Sagrado, exterioriza-se em nós a “resistência”, que sob uma forma emocionalmente agressiva, nos faz extrair pérolas como esta: “É diabólico porque foge aos nossos princípios”. E, em defesa destes princípios ficamos presos a nossa “parentela”. Deixamos de caminhar, de conhecer outras paragens, outros rostos, outras faces de um Deus que é movimento e recriação.
Para conhecermos mais este Deus, precisamos sair do fosso que construímos com muros tão indevassáveis, como é a nossa resistência ao que é novo, ao que é diferente. Tenhamos a coragem de Abraão que, contra tudo e contra todos, resolveu romper com o seu pequeno mundo e abrir-se para o desconhecido, preferindo o nomadismo de um Deus de “passagem” (palavra que está na raiz do nome Judeu), a ficar entranhado no aconchego do Lar, de horizontes tão curtos. Abraão não recusou, como não considerou “diabólico”, conhecer um Deus fora dos seus domínios.
O que devem ter imaginado alguns amigos do patriarca, vendo-o partir repentinamente rumo a um mundo desconhecido, em busca de um Deus revelado só a si. Naturalmente, devem ter cogitado o que qualquer um de nós, em tais circunstâncias, pensaria, se tivéssemos que nos defrontar com uma pessoa íntima, fugindo do nosso convívio sem nenhuma explicação. Racionalizaríamos tratar-se de um caso de “loucura” ou “coisa do diabo.”
É, às vezes não compreendemos atitudes aparentemente estranhas, tomadas pelo nosso próximo. E por não entendermos a razão de suas súbitas decisões, acabamos denominando de “diabólico”, uma das múltiplas faces de Deus.
Ao refletir sobre a odisséia de Abraão, talvez, no nosso imaginário, possamos vislumbrá-lo partindo para o desconhecido. Lágrimas para todos os cantos, e certos amigos, esperando ele desaparecer no horizonte, para sussurrarem de ouvido a ouvido, como se Deus não pudesse ouvir: “Isto só pode ser coisa do diabo!”.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de março de 2009
Um comentário:
Paz do Senhor!
Muito interessante a reflexão!
Parabéns pelo seu dom poético!
Deus abençoe!
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