21 agosto 2009

UM INCOMPARÁVEL CONTADOR DE HISTÓRIAS




Nos tempos de minha adolescência quando fazia o curso ginasial, lembro-me bem que o meu professor de Português dedicava-se com esmero incomum a nos ensinar como fazer uma redação, assim como nos incentivava insistentemente a ter gosto pela leitura. Ficaram retidas em minha memória as estórias instigantes que ele contava; eram contos que suscitavam reflexão. E ele assim perguntava: “Levi, qual a “moral da história” que você acabou de ouvir?”. Era nessa ocasião que eu levantava da carteira e de frente para meus colegas de classe, expunha ao meu modo o que tinha depreendido do que fora exposto.


Eu e meus colegas tínhamos que ouvir atentamente as minúcias do que o professor contava, para depois resumir numa pequena frase, tudo que o conto queria dizer. Tínhamos que descobrir a moral do conto lido em sala de aula. Na maioria das vezes, as histórias eletrizantes que eu ouvia, tinham dois lados, como as duas faces de uma moeda.


E assim fui aprendendo não só a ler passivamente com os olhos, mas principalmente a ler exercitando a mente. Foi ali, junto ao velho professor de redação, que surgiram as primeiras raízes da minha árvore interior. Nascera ali o hábito pela leitura, e, eu devorava com apetite incomum livros de aventuras e fábulas, romances, etc, os quais me fizeram ver, que não devia só ler por ler. Vi que podia viajar através da leitura, através do mundo da imaginação. Aprendi também a duvidar, pois nem tudo que os meus tutores falavam como verdades acabadas, tinham lá as suas razões de ser.


Hoje, cinco
décadas distantes daquelas saudosas aulas, me ponho a pensar Naquele que foi o maior contador de histórias de todas as épocas. As parábolas que Cristo deixou, têm uma moral muito mais profunda do que a "moral" das histórias contadas pelo meu velho professor de Português, porque elas tocam o meu interior, sondando instintos e desejos escondidos no fundo e escuro mar do meu inconsciente. Instintos esses, que às vezes, afloram a superfície de minha consciência sob a forma de afetos antagônicos.


Ponho-me a imaginar o que seria de nós, cristãos, sem essas belas histórias que os Evangelistas da Igreja Primitiva cuidadosamente deixaram registradas. O que seriam dos Evangelhos se não fossem as Parábolas que Cristo contou um dia?


Quero ressaltar aqui, dentre elas, uma daquelas histórias das quais ainda hoje tiramos lições nos campos da moral, da religião, da filosofia e da psicanálise ─ a "Parábola do Filho Pródigo". Essa parábola mostra de uma forma irretocável, o verso e o reverso, o lado direito e o avesso do belo bordado existencial humano, nela estão expressas a Lei e a Graça, o afeto do ressentimento e do arrependimento, como as duas faces da moeda que representam o homem frente as suas vicissitudes e contradições. É a história de dois filhos, que na verdade, são metáforas do nosso “eu” contraditório. Não creio que o Grande contador de história, Jesus Cristo, nessa emblemática parábola, tivesse a intenção de acusar quem quer que fosse.


A beleza e a profundidade dessa história só aparecem com todas as suas cores e nuances se a levarmos para dentro de nós mesmos. Só assim fazendo é que poderemos descobrir que no nosso coração podem habitar corolários antagônicos: de um lado o arrependimento, a misericórdia e a graça na pele do filho pródigo; do outro lado a face amarga da inveja, do ressentimento que se apodera de nós, como um sentimento de injustiça quando não somos reconhecidos pelos nossos próprios méritos ─ é o que simboliza o irmão do filho gastador, da parábola. De um lado, um descumpridor da Lei, que reconhece que não merece ser chamado mais de filho, e deseja ser agora um simples empregado do Pai. Do outro lado, um irmão que se considera melhor que o outro, confundindo santificação com submissão e repressão dos desejos básicos (tinha vontade de comer um cabrito assado com os seus amigos, mas nunca teve a coragem de expor isso para o seu Pai, talvez pelo medo de ser reprovado).


Todas as histórias
contadas pelo Mestre dos mestres têm no seu bojo uma parte de nós mesmos. Entender as Suas parábolas é o maior exercício que podemos realizar para nos conhecermos mais profundamente. As histórias que Cristo contou, que estão registradas nos Evangelhos, nos convidam a refletir ─ como na parábola do filho pródigo ─ sobre os dois herdeiros de um mesmo Pai, que apesar de tão antagônicos, tão paradoxais, podem habitar dentro de uma mesma alma.


A razão maior da releitura dessa significante parábola foi demonstrar que o homem é essa mistura de necessidades e instintos animalescos, como também é abertura para o que é Transcendente e Divino. O nosso humanismo reside na tensão ou no equilíbrio entre os dois herdeiros da parábola, que temos dentro de nós. O Pai “da parábola” deu provas de como se faz esse equilíbrio: “Recebeu com festa e danças o seu filho que havia se perdido, e ao mesmo tempo consolou o filho mais velho que se sentiu injustiçado e ressentido”.


Quantas vezes, aqui ou acolá, queremos nos desvestir e enxotar para bem longe o filho gastador e perdulário, para ficar só com aquele bem certinho e cumpridor dos seus deveres? Quando estivermos nesse dilema, recordemos o que aconteceu com o apóstolo Paulo, quando ao experimentar o ápice do paradoxo existencial humano, bradou dilaceradamente: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?” (Romanos 7: 24)


Dois mil anos
se passaram e a parábola do Pai e seus dois filhos, relatada pelo maior contador de histórias, ainda reverbera dentro de mim. Toda vez que eu a releio, me vejo por dentro, o bastante para recolher-me a minha insignificância.



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 21 de agosto de 2009

7 comentários:

Yehudith Zeituni disse...

Caro Levi,
Que fantástica conotacão! Com certeza cada um de nós no nosso mais interior se comporta como o filho gastador e como o filho ressentido.... Ainda bem que nosso Pai sabe lidar com cada situacão....
Amigo, que D-us continue lhe inspirando.

Shalom! Shalom!

Yehudith.

Levi B. Santos disse...

Prezada Yehudith


É isso mesmo cara amiga, quão interessante se torna essa emblemática parábola, quando a tomamos para nossa própria reflexão.

O que senti ao reler essa significante história?
Senti algo me puxando para baixo, tornando-me mais humano, mais “pé no chão”, principalmente naqueles momentos em que tento alçar vôos altíssimos.


Sou grato pelo seu comentário,

Levi B. Santos

Luis Paulo Silva disse...

Irmão Levi, PAZ!

Realmente, parece que combinamos os temas de tantos textos dos nossos blogs.
Muito edificante esta reflexão, e me levou a meditar num ponto que embora não sendo citado explicitamente, nas entrelinhas me fez entender que os dois lados não se tratam de um lado bom e outro mal da alma humana. São dois lados defeituosos.
O personagem que merece louvor nesta parábola é o pai, que tendo dois filhos tão complicados, não poupou metade dos seus pertences para ensinar uma grande lição aos seus filhos, mesmo ao que pensava já saber tudo.

Um forte abraço!

Luis Paulo Silva.

Antônio Ayres disse...

Caro amigo Levi:

Muito importante,criativa e didática, a sua releitura desta parábola, sob uma ótica psicanalítica.

Veja, o próprio Freud conceituou a neurose como sendo o resultado de um conflito psíquico entre o desejo e a censura.

Podemos fazer perfeitamente um paralelo de sua exposição com a conhecida tópica freudiana das instâncias psíquicas do ID, EGO E SUPEREGO.

Você nos mostrou o filho pródigo como o símbolo do ID,que representa o desejo (de prazeres, emoções,instintualidade, etc); o filho mais velho, como o representante do SUPEREGO (o crítico ferrenho, castrador e punitivo).

E, finalmente, o pai, como sendo o representante do EGO (racional, equilibrado e sensato), que apaziguou e reconciliou o ID com o SUPEREGO, de uma forma misericordiosa, saudável e feliz.

O médico judeu Sigmund Freud, apesar de ateu, conhecia muito bem a Bíblia.

Mas, não teve o "insight" de outro médico alagoagrandense que, além da Bíblia, conhece a REVELAÇÃO nela contida, através da encarnação do VERBO, "que habitou entre nós".

Parabéns, amigo!

Que seus "insights" continuem inspirando e edificando a fé de todos os seus leitores, entre os quais, honrosamente, me incluo.

Um grande abraço.

guiomar barba disse...

Gloriosa sua postagem!
Que Deus nos dê a sabedoria, tolerância e amor abundante daquele pai que soube como agir com seus dois preciosos filhos...

Que eu nunca esqueça de dizer: Miserável mulher que sou...

Vc é o cara! rsrsrs Abraço.

Levi B. Santos disse...

Prezado Luis Paulo

Você de maneira hábil expressou brilhantemente toda a essência do ensaio.

É bom tê-lo sempre por aqui.
Um abraço fraternal,

Levi B.Santos




Caro Tony


O seu comentário enriqueceu sobremodo o ensaio por mim postado.

A tradução psicanalítica que você fez da parábola do filho pródigo foi, sem nenhuma dúvida, irretocável.

Quero lhe dizer que aprendi muito com a inserção sábia de sua parte, quando você descreveu as instâncias do Ego, Superego e Id ─ como que simbolizando o Pai, o filho rigoroso, e o filho gastador da parábola.

Depois de tudo isso, como posso dizer que a Psicanálise e a religião são inimigas ou antagônicas?

Fica aqui o meu muito obrigado.


Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

Prezada irmã Guiomar

Seu sucinto comentário resumiu muito bem tudo o que eu queria dizer, quando você escreveu: "Que Deus nos dê sabedoria, tolerância e amor..."

Essas três virtudes vindas da parte de Deus, são essenciais para que possamos entender que, às vezes em nossa vida de relação agimos como o filho ressentido (a Lei a todo custo);
outras vezes nos comportamos como o filho gastador e irresponsável, que depois se arrepende e alcança misericórdia (salvo através da
graça)

Como disse mui apropriadamente Luis Paulo em seu comentário: "O personagem que merece louvor nesta parábola é o Pai..."


Saudações fraternais,


Levi B. Santos