26 setembro 2009

ELES QUASE ABANDONARAM CRISTO




O acontecimento daquela manhã deixara os discípulos indignados, atemorizados e extremamente alvoroçados. Eles aproveitaram a ausência do Mestre que resolvera dormir aquela noite em casa do seu pai, o carpinteiro José, para em comum acordo se reunirem naquele local a fim de conversar sobre algumas atitudes de Cristo ─ justamente, àquelas que eles achavam não apropriadas para uma pessoa que se dizia ser Filho de Deus. O fato daquela manhã se constituíra na gota d’água que fizera extravasar neles o veneno da raiva.

Eles ficaram ressabiados com o caso de uma prostituta, considerada por eles, uma das mais imundas daquelas redondezas. Foi depois do julgamento em que Cristo fez a defesa dessa adúltera, que eles passaram, secretamente, a discordar do Mestre, pois, esperavam que o mesmo, nesse caso, ficasse do lado dos Homens da Lei na aplicação da pena justa para um pecado gravíssimo como esse, confessado pela própria vítima. Esse fato, somado àquele em que outra vil prostituta quebrara um valioso vidro de perfume para derramá-lo em Seus pés, concorreu para que eles confabulassem entre si, sobre o perigo e o precedente que Jesus estava abrindo naquele momento. Simão Pedro, o homem do “pavio curto” resolvera externar a sua indignação frente aos demais, com uma emblemática pergunta:

─ Vocês não estão notando que isso aqui está ficando uma casa da mãe Joana?

─ Como? Se explique melhor homem de Deus ─ falou João coçando a careca.

─ Ora, você está cego para as evidências! ─ respondeu Pedro elevando a voz.


─ Você não está vendo uma multidão cada vez maior de prostitutas, ladrões, bêbados, publicanos corruptos nos seguindo, por tudo quanto é lado, e ainda por cima, comendo e bebendo junto conosco? Onde isso vai parar, me diga João?

─ Tenha mais calma Pedro ─ falou Tiago. ─ Como é que você pensa que vai ser a sua igreja, se Cristo partir antes de nós?

─ Ah meu filho, para começar, só vai participar de minha igreja quem cortar o “pinto”(circuncisão). Este é o primeiro requisito para que o homem possa servir a Deus em minha instituição.

Bartolomeu espremido num canto da sala deu uma sonora gargalhada, e perguntou de bate pronto:

E qual seria o primeiro requisito para que a mulher possa participar de sua igreja, meu caro Pedro?

─ Prostituta ou adúltera não pisará os pés na minha igreja. Quanto às mulheres convertidas, àquelas que estiverem menstruadas, ficarão por esse período de tempo sem frequentar o templo, pois, na Lei de Moisés está escrito que a mulher fica imunda quando se encontra nesse estado ─ respondeu o apóstolo dos paradoxos.

João, o apóstolo que desfrutava de maior intimidade com Cristo, quis falar com Pedro secretamente, mas os outros discípulos não permitiram, dizendo em uníssono: “Se você quer falar alguma coisa importante, Cristo não está aqui entre nós, então, é melhor você desembuchar tudo que está escondido aí no coração?”.

Havia, de certo modo, uma ponta de ciúme entre eles e o discípulo do amor.

Com olhar meio desconfiado, João decidiu revelar o que ocorrera na noite em que ele fora chamado à residência do Mestre para tirar um espinho que estava profundamente encravado no seu pé, o qual estava causando-lhe um grande incômodo.

- Bem, Cristo não pediu reserva quanto a esse assunto, então eu vou contar tudo ─ falou João com aquela sua voz meiga e miudinha:

─ Deu um trabalho danado, retirar o espinho do pé de Jesus Cristo. Então depois de ter aliviado as dores do meu Mestre, ficamos ali até quase de madrugada a conversar, como dois irmãos ou amigos. Eu falava sobre a dureza da lei em alguns casos, como essa de não permitir a mulher entrar no templo menstruada, e que eu mesmo não entendia o “por quê” dessa proibição Foi nessa ocasião que Ele escorando-se em meu ombro disse:

─ João, meu discípulo amado, vou te dizer uma coisa ─ Eu vim para revelar tudo. Vim para desvendar o que há por trás de cada mistério. Eu vim santificar o que na Lei era considerado imundo. Quero que compreendas meu amado João, que mudando nossas próprias atitudes e transformando as situações pessoais nós também transformamos o mundo. Se tu já te viste tratando a menstruação como algo impuro, pare, pense e reconsidere que eu vim também resgatar a dignidade da mulher. Por isso, as adúlteras e prostitutas me seguem, e as trato como se fosse o seu próprio pai. Eu as amo como o meu pai me ama. Eu vim para que os corpos das mulheres fossem consagrados com todos os fluxos e humores neles contidos.

Todos os discípulos, agora numa balbúrdia danada, queriam falar de uma só vez. Mas Pedro, o discípulo mais afoito saiu-se a frente com essa pergunta:

─ Já que estavas falando com o nosso Mestre sobre a dignidade da mulher, não vais tu me dizer que devemos perdoar a adúltera mais que uma vez! Se explique sem demora, meu caro João?

─ Fiz exatamente essa pergunta a Cristo e veja bem o que ele me respondeu: "pecar é cair num abismo meu amado discípulo, e ninguém faz isso por querer, a não ser que esteja louco. E Eu acho que até nesse ponto o louco não erraria. O que disse está dito: 'Setenta vezes sete!' "

Exclamações indignadas partiram de todos os lados. Diziam: "Se o mestre continuar pregando dessa maneira, estaremos correndo um enorme risco ao acompanhá-Lo!. Do jeito que ele está tratando a mulher, logo logo ela vai querer tomar todas as nossa forças! Se cedermos, a audácia delas não terá limites!"

Um dos discípulos elevou a sua voz, dizendo: "De minha parte eu farei greve! Tudo que a natureza me destinou em idade e força eu renunciarei, para não gozar os prazeres do amor junto a uma mulher!"

Naquela noite não conseguiram dormir. Com exceção de João e Judas, todos pensaram em abandonar Cristo, pois, consideravam que Ele estava passando dos limites, em sua série de escândalos.

Passado muitos dias, os discípulos encontravam-se reunidos no mesmo local, falando alegremente sobre um mistério que Cristo conseguira desvendar para eles. O mistério que tanto alvoroço causara tempos atrás, a ponto de fazê-los desistir da caminhada com o seu Mestre, agora, tinha um nome: “Escândalo da Graça” - que é loucura para quem nunca o experimentou.



Ensaio parabólico por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de setembro de 2009

11 comentários:

Teóphilo Noturno disse...

É pena que hoje em dia as pessoas tenham perdido o limite entre a maravilhosa graça e o completo desrespeito, tratando o nome do Mestre no meio de qualquer coisa, nem se importanto com as palavras que empregam ou a roupa que vestem.

Podemos tudo n'Aquele que nos fortalece, porém apesar de tudo nos ser lícito, nem tudo nos convêm!

Em fraternal abraço e em breve volto à vida de blogueiro!

Levi B. Santos disse...

Prezado Teóphilo


O meu propósito foi o de mostrar os bastidores do mundo dos discípulos.
O ensaio dá a ideia de que nem sempre o que eles conversavam entre si, eram tratados da mesma forma quando estavam na presença de Cristo.

Esse meu ensaio lembra muito os cultos em que eu tomei parte, quando no pátio da igreja,após o evento, muitos que estavam no púlpito, diziam baixinho de ouvido a ouvido:
"Eu não gostei da pregação por isso e aquilo...
Outro opinava: "eu só não concordei com isso que ele falou...
E por aí vai...

É através daquele papo "em off" pós-culto que muitos revelam o que na verdade têm internamente, e que no pátio(fora do recinto sagrado) sentem-se mais à vontade para fazer as suas ponderações e críticas.

Um abraço fraternal

Levi B. Santos

Jailson Freire disse...

Prezado Levi. Uma reflexão intrigante. Gosto de intrigas que provocam em meu coração questionamentos.
Tenho escrito muitos textos que falam de amor de Deus e de graça incondicional, talvez eu, melhor que muita gente, sabe o que significa graça de Deus (sem querer ser demasiadamente dramático).

"Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama." (Lucas 7 : 47

Levi B. Santos disse...

Prezado amigo Jailson


Primeiro quero agradecer o seu lúcido comentário.

Em segundo lugar, quero externar a minha concordância com você, nesse ponto: Adoro aquilo que provoca questionamentos,(no bom sentido). São eles, os questionamentos , que nos levam a renovar o nosso entendimento, para entender que a vida é dinâmica e não algo parado e fixo.

O propósito do meu ensaio foi esse: mostrar os discípulos em suas atitudes legalistas, correndo o risco de com seus “tabus”, se afastarem de Cristo.

O meu intento foi mostrar o moralismo dos discípulos em confronto com Cristo, que não via inconveniência alguma em andar junto àqueles que faziam parte da escória da humanidade.

Todos os discípulos , menos o Mestre, ficaram extremamente indignados (é bíblico) com atitude da prostituta do vidro de alabastro.

Que esse ensaio sirva de alerta para não enveredarmos no infantilismo mental de, em benefício de um código moral, esquecermos de que a igreja proclama a Graça de Deus, e o moralismo ou legalismo que se introduz no seu meio, se constitui na própria negação da Graça.

A graça, não pode de maneira nenhuma ficar condicionada aos nossos julgamentos, pois ela não vem de nós, vem de DEUS.


Um grande abraço,

Levi B. Santos

guiomar barba disse...

Vc trouxe para nós a verdadeira tradução do Cristo que se fez humano, gente, que ouve, que discute, que pondera, dar opinião e ensina compreendendo perfeitamente a alma humana com suas enfermidades e sede de acertar, me fez lembrar os livros: A Cabana e O Vendedor de Sonhos.
eu amo este Jesus! Abraços.

Levi B. Santos disse...

Prezada Irmã Guiomar

Agradeço o seu comentário.

Você resumiu muito bem o que eu queria demonstrar com a história inventada sobre os bastidores das conversas “secretas” entre os discípulos.

Criei um ambiente sem a presença física do Mestre, para que justamente os discípulos externassem entre eles, as suas dúvidas, suas incompreensões , preconceitos e resistências à respeito daquilo que mais tarde iriam conhecer ─ O “escândalo da graça”.

Ainda bem, que encontrei em você, uma pessoa que não enxergou no ensaio, nenhum desrespeito a figura de Cristo.

Gostaria que outros que lessem essa história inventada para suscitar reflexão, não se chocassem tanto com a forma popularesca do diálogo. Por acaso, não somos assim, quando estamos conversando amigavelmente em nossos bastidores?

Que Deus nos ilumine, para que possamos compreender que quando nos chocamos com determinadas coisas, na verdade, são os nossos próprios olhos que nos escandalizam.


Saudações fraternas
Levi B. Santos

Danilo disse...

O pau comeu por sua causa tambem. Leia os comentarios no post da cama...

Esdras Gregório disse...

Eu já tinha lido o quinto evangelho de Tomé, o evangelho apócrifo de Judas eu não sei aonde tem pra vender, mas não sabia que existia um “evangelho” de Levi. Rsrsss

Essa ai do Pedrão de cortar o "pinto" foi forte em??? Tem gente que não pode passar por aqui! Rsrsss

Agora me diz quem é esse ai: “eu renunciarei, para não gozar os prazeres do amor junto a uma mulher! “

Você gosta de conto e poesia? Passa lá no meu blog que você vai ver como foi à primeira relação amorosa de Adão e Eva após a queda.

Levi B. Santos disse...

Prezado Gresder


Ainda bem, que você faz parte do grupo que entendeu a moral da história.

A quebra de paradigmas por Cristo há dois mil anos ainda é vista como escândalo, na modernidade, entre os saudosistas da Lei.

Imagine Gresder, o que deve ter passado pela cabeça dos simples discípulos, ao verem o Mestre, ao vivo, quebrando paradigmas de uma maneira que eles jamais tinham pensado que um dia fosse acontecer.

Foi por isso, que eu criei essa história dos discípulos reunidos sem a presença de Cristo, Justamente, para suscitar a reflexão de que eles eram homens iguais a nós (nem melhores, nem piores).

Bem, na minha narrativa (forçada de barra) teve até um que queria ficar eunuco, revoltado com o apoio de Cristo às sedutoras prostitutas. (rsrsrsrs)


Um abraço e apareça sempre

Levi B. Santos

P.S.: Já deixei um recado lá no teu blog.

Ricardo Mamedes disse...

Caro amigo, estou te seguindo. Dê uma passada no meu blog (www.ricardomamedes.blogspot.com). Na verdade Jesus tem ficado em segundo plano para grande parte dos "crentes" de hoje. Infelizmente, estão anulando a cruz de Cristo e desconstruindo a doutrina salvífica da graça.

Levi B. Santos disse...

Prezado Ricardo Mamedes

Sou grato pelo seu comentário e sua visita a este recanto do Google.

Deixei um recadinho lá no seu blog.
A partir de agora, sou um seguidor seu.

Um abraço fraternal,

Levi B. Santos