Martin Buber (1878 – 1965) nasceu em Viena, Austria, numa família judaica. Durante onze anos ensinou Filosofia e Religião na Universidade de Frankfurt. Junto com Franz Rosenzweig traduziu o Antigo Testamento para o Alemão. Depois emigrou para Israel e se tornou professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. No período pós-guerra empreendeu esforços para promover entendimento entre israelenses e árabes.
Foi numa Faculdade popular de uma cidade industrial no centro da Alemanha, que Martin Buber, por três noites seguidas falou sobre o tema: “Religião como realidade”, em que ele fazia a constatação de que “fé não era nenhum sentimento da alma humana, e sim a entrada do homem na realidade ─ na realidade inteira sem cortes nem abreviações".
Durante as discussões nessas três noites de palestras, a atenção de Buber foi despertada por uma coisa desagradável: grande parte dos ouvintes era constituída por simples trabalhadores e nenhum deles tomava a palavra; de modo que os que faziam perguntas e objeções eram quase sempre estudantes (pois a cidade possuía uma célebre universidade),
Somente no final da terceira noite de palestras foi que um jovem trabalhador aproximou-se do velho palestrante e disse: “Sabe, nós gostaríamos de nos intrometer na conversa. Se o senhor quisesse encontrar-se conosco, amanhã nós poderíamos discutir tudo”. Obviamente, Buber concordou.
No dia seguinte, era um domingo. Após o almoço, o professor foi ao local combinado, e então conversaram até a noite. Entre os trabalhadores havia um homem que já não era jovem, e para quem o olhar do idoso mestre, era constantemente atraído, porque essa pessoa escutava como alguém que realmente queria escutar e que estava ali preocupado não com a pessoa do mestre, mas com o que ele tinha a dizer. O rosto daquele homem tinha uma expressão de curiosidade impar, que fez Buber lembrar-se de um quadro de um antigo altar flamengo, que representava a adoração de pastores; comparando-o a um desses pastores que estava com os braços levantados em direção ao presépio.
Por fim esse dito operário abriu a boca e disse de maneira pausada e enfática:
“Eu tive a experiência de que não tenho necessidade da hipótese ‘Deus’ para orientar-me no mundo”. Pronunciou a palavra “hipótese” como se tivesse freqüentado as preleções de um importante naturalista que fora professor naquela cidade.
As breves palavras desse trabalhador atingiram o “seguro” ancião em cheio. Ele se sentiu desafiado e pressionado mais que por todos outros estudantes que lhes fizeram perguntas. Tentou refletir por uns instantes, nessa atmosfera que de repente se tornara tensa, e por fim, concluiu que deveria abalar a confiança do trabalhador nessa visão de mundo naturalista, com a qual ele se referia, ao citar os termos “mundo” e “orientar-me”.
Não podendo conter-se, o professor se derramou numa profusão de questionamentos:
─ Onde ficava esse mundo? Onde ficava a segurança desse mundo? Qual seria o “lugar” em que conseguiríamos pensar os mundos tão distintos das pessoas? Qual seria o “ser” que confere sustento a esse mundo?
Depois dessa saraivada de inquirições, a sala agora na penumbra, caiu num rígido silêncio.
Então o homem com rosto de pastor ergueu as pálpebras que haviam permanecidas fechadas o tempo todo, e disse, lentamente e com ênfase: “O senhor tem razão”.
O velho Buber parecia ouvir bem próximo ao seu ouvido o eco de uma voz: “nunca é tarde para aprender”. Tentou, tentou, porém, não conseguiu disfarçar o olhar perturbado em direção ao jovem trabalhador; foi quando perguntou para si mesmo:
“Que fiz eu?” “Era isso mesmo o que eu queria?”. Não teria sido o meu desejo levá-lo ao outro Pascal que não aquele do Deus dos filósofos? Não teria sido o meu anseio conduzi-lo ao outro, ao Deus que Pascal chama o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, aquele com quem podemos conversar e a quem podemos dizer “TU”?
Que vontade tremenda, sentiu o velho professor, de permanecer ali na Fábrica conversando com aquele homem, tornando-se seu colega, convivendo com ele, conquistando sua confiança, mas não podia aquiescer a seu coração, pois, precisava viajar na manhã seguinte, para uma nova palestra em outra Faculdade.
Apenas retribuiu o olhar do jovem operário, e partiu...
“Envelhecer é uma coisa maravilhosa quando a gente não esquece o significado de começar” (Martin Buber)
Levi B. Santos
Guarabira, 26 de janeiro de 2009
FONTES: 1.“Eclipse de Deus” – Martin Buber; ( Verus Editora – edição 2007 - pag. 8 à 10)
........2.“Teologia da Cultura” – Paul Tillich. São Paulo: (Fonte Editorial. Edição 2009 –