26 janeiro 2010

A LEVEZA INSUSTENTÁVEL DE UM ENCONTRO


Martin Buber (1878 – 1965) nasceu em Viena, Austria, numa família judaica. Durante onze anos ensinou Filosofia e Religião na Universidade de Frankfurt. Junto com Franz Rosenzweig traduziu o Antigo Testamento para o Alemão. Depois emigrou para Israel e se tornou professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. No período pós-guerra empreendeu esforços para promover entendimento entre israelenses e árabes.


Foi numa Faculdade popular de uma cidade industrial no centro da Alemanha, que Martin Buber, por três noites seguidas falou sobre o tema: “Religião como realidade”, em que ele fazia a constatação de que “fé não era nenhum sentimento da alma humana, e sim a entrada do homem na realidade ─ na realidade inteira sem cortes nem abreviações".


Durante as discussões nessas três noites de palestras, a atenção de Buber foi despertada por uma coisa desagradável: grande parte dos ouvintes era constituída por simples trabalhadores e nenhum deles tomava a palavra; de modo que os que faziam perguntas e objeções eram quase sempre estudantes (pois a cidade possuía uma célebre universidade),


Somente no final da terceira noite de palestras foi que um jovem trabalhador aproximou-se do velho palestrante e disse: “Sabe, nós gostaríamos de nos intrometer na conversa. Se o senhor quisesse encontrar-se conosco, amanhã nós poderíamos discutir tudo”. Obviamente, Buber concordou.


No dia seguinte, era um domingo. Após o almoço, o professor foi ao local combinado, e então conversaram até a noite. Entre os trabalhadores havia um homem que já não era jovem, e para quem o olhar do idoso mestre, era constantemente atraído, porque essa pessoa escutava como alguém que realmente queria escutar e que estava ali preocupado não com a pessoa do mestre, mas com o que ele tinha a dizer. O rosto daquele homem tinha uma expressão de curiosidade impar, que fez Buber lembrar-se de um quadro de um antigo altar flamengo, que representava a adoração de pastores; comparando-o a um desses pastores que estava com os braços levantados em direção ao presépio.


Por fim esse dito operário abriu a boca e disse de maneira pausada e enfática:


“Eu tive a experiência de que não tenho necessidade da hipótese ‘Deus’ para orientar-me no mundo”. Pronunciou a palavra “hipótese” como se tivesse freqüentado as preleções de um importante naturalista que fora professor naquela cidade.


As breves palavras desse trabalhador atingiram o “seguro” ancião em cheio. Ele se sentiu desafiado e pressionado mais que por todos outros estudantes que lhes fizeram perguntas. Tentou refletir por uns instantes, nessa atmosfera que de repente se tornara tensa, e por fim, concluiu que deveria abalar a confiança do trabalhador nessa visão de mundo naturalista, com a qual ele se referia, ao citar os termos “mundo” e “orientar-me”.


Não podendo conter-se, o professor se derramou numa profusão de questionamentos:


─ Onde ficava esse mundo? Onde ficava a segurança desse mundo? Qual seria o “lugar” em que conseguiríamos pensar os mundos tão distintos das pessoas? Qual seria o “ser” que confere sustento a esse mundo?


Depois dessa saraivada de inquirições, a sala agora na penumbra, caiu num rígido silêncio.


Então o homem com rosto de pastor ergueu as pálpebras que haviam permanecidas fechadas o tempo todo, e disse, lentamente e com ênfase: “O senhor tem razão”.


O velho Buber parecia ouvir bem próximo ao seu ouvido o eco de uma voz: “nunca é tarde para aprender”. Tentou, tentou, porém, não conseguiu disfarçar o olhar perturbado em direção ao jovem trabalhador; foi quando perguntou para si mesmo:


“Que fiz eu?” “Era isso mesmo o que eu queria?”. Não teria sido o meu desejo levá-lo ao outro Pascal que não aquele do Deus dos filósofos? Não teria sido o meu anseio conduzi-lo ao outro, ao Deus que Pascal chama o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, aquele com quem podemos conversar e a quem podemos dizer “TU”?


Que vontade tremenda, sentiu o velho professor, de permanecer ali na Fábrica conversando com aquele homem, tornando-se seu colega, convivendo com ele, conquistando sua confiança, mas não podia aquiescer a seu coração, pois, precisava viajar na manhã seguinte, para uma nova palestra em outra Faculdade.


Apenas retribuiu o olhar do jovem operário, e partiu...



“Envelhecer é uma coisa maravilhosa quando a gente não esquece o significado de começar” (Martin Buber)



Levi B. Santos

Guarabira, 26 de janeiro de 2009




FONTES: 1.“Eclipse de Deus” – Martin Buber; ( Verus Editora – edição 2007 - pag. 8 à 10)

........2.“Teologia da Cultura” – Paul Tillich. São Paulo: (Fonte Editorial. Edição 2009 – ..........................................................................................Pag. 243 à 255)

16 comentários:

Unknown disse...

Mestre Levi, permita-me:

A pedido do verdadeiro Nureda; Segue o comentario que fez no meu Blog:

Jair dos Santos, ou deveria chamá-lo de furacão?

Jair, houve um propósito para eu o verdadeiro Nureda, iniciar esta despedida justamente contigo.

Estou saindo do meio de vocês, pessoas tão magníficas, pois minha missão, acredito, já fora cumprida.

Peço-lhe Jair dos Santos:

Não desista de escrever seus poemas, pois embora eu nos os comente mais, sempre estarei lendo-os.

Não deixe o Esdras se perder em seus pensamentos tão "subjetivos",pois aquele garoto ainda será um grande escritor. Eu ficarei orgulhoso de vê-lo dando autógrafos no lançamento de um de seus livros, talvez ele até assine um pra mim, mas não saberá que sou eu.

Busque mais almas para essa CONFRARIA Jair! Não deixe que eles se dispercem, não permita que se agridam, não tolere que não se amem.

Vou para outras salas tentar dar continuidade à minha missão. Talvez não encontre o amor que encontrei nesta, mas vale à pena tentar.

Adeus Jair!

Copie este comentário e passe aos outros confraternos, pois não mais voltarei.

Ass. Noreda Somu Tossam

Levi B. Santos disse...

Meu caro amigo Jair

Que coincidência extraordinária, hein?

Assim que o Nureda desapareceu, um texto em sua homenagem foi publicado por mim (pura intuição), do qual, voce ainda não deixou o seu parecer.

Na foto que encabeça a postagem, você pode ver Nureda(o mais velho), abraçando o Márcio.

Realmente emocionante...

Abçs,

Levi B.Santos

Edson Moura disse...

Leví, meu mestre bronzeado. Mas que bela homenagem ao nosso recem conquistado e recem perdido amigo. Certamente onde ele estiver...se é que não está bem aquí, dentro da gente, ele estará lendo essas linhas que você escreveu com maestria.

Desisti de tentar descobrir quem é esse tal Noreda Somu Tossam, mas sei que ele existe de verdade. Mesmo que seja uma personagem, ele é o desejo oculto de seu criador. Talvez nunca descubramos quem ele é...pois não gosto de falar dele no tempo passado, uma vez que ele ainda está tão presente.

Obrigado Leví por ser, dos confraternos...o mais sensato.

Não tenho comentado muito por aí,como bem percebeu...é que os cacos do Edinho ainda estão se juntando. Mas sempre leio os seus textos em primeira mão...no meu e-mail.

Abração mestre Bronzeado!

Unknown disse...

Ma-gis-tral;

Esta palavra descreve perfeitamente a sutileza do Nureda.

Em pensar que o chamo de Tsunami...rsrsrs

Parece contraditório chamá-lo de sutil, mais é assim a manifetação de um Tsunami;

Inicia-se pequeno, quase imperceptivel, em seu epicentro está sua grande força avassaladora.

Depois lentamente desaparece como se nada tivesse acontecido.

Assim são os fenômenos.

Eduardo Medeiros disse...

Noreda, o mistério dos mistérios...tá até parecendo aqueles seriados enigmáticos como o Lost, onde nada é o que parece.

Se ele realmente não voltar mais, o importante foi a marca que ele deixou na Confraria.

Mas Levi, se algum de nós é noreda, somente você poderia sê-lo!

Que permaneça pois o mistério!

Unknown disse...

Entender o que significa Começar é uma coisa difícil de se fazer, muitas vezes queremos estar no lugar do mestre e não do discípulo.

Maravilhosa mensagem.

Marcio Alves disse...

Mestre Levi

Essa foto de sua postagem representa bem a minha (nossa) despedida do Nureda.
Ele se foi, ao mesmo tempo em que fica.
Se vai sua pessoa, mas fica as recordações daquele que conseguiu em um comentário sintetizar de forma brilhante, todas as nossas caracteristicas peculiares.

Mas a vida continua, e tenho certeza que o Nureda não somente nos ensinou como também aprendeu conosco.

Pois nunca nos esqueçamos que: “Ninguém é tão pequeno que não tenha algo para ensinar, e ninguém é tão grande que não tenha algo para aprender”.

Abraços

Esdras Gregório disse...

Levi, antes de mais nada quero dizer que gostei muito sua parábola do Haitiano, pois ela falou muito mais do que todos os artigos do assunto.

Pois poucas palavras podem dizer muito mesmo, com bem mostra esse seu ultimo ensaio.

Existe circunstancias em que uma só palavra já faz toda uma diferença para o resto da vida

Mas não são palavras pesadas e momentos tensos mas sim momentos marcados pela a leveza de um encontro.

Levi B. Santos disse...

Aos Amigos da Confraria dos Fora da Gaiola


Assim como o grande mestre Buber da historieta que postei se surpreendeu com um simples operário que o colocou em cheque, um dia, o mesmo poderá acontecer com o sábio Nureda. Esperemos...

O certo é que cada um de nós se deixou passivamente ser capturado e individualizado pela LEVEZA INSUSTENTÁVEL do linguajar do Nureda de J. Lima e Gresder.

Nos deixamos ser anestesiados pelo Nureda de muitas faces, que disse coisas agradáveis, que lá no fundo, estávamos loucos e ávidos para ouvir.

Em certos momentos senti que o Nureda, através da sua lábia, não estava vendo os entes que estavam a sua volta, senão como máquinas que são avaliadas e utilizadas para o bem de sua causa.

Quem sabe se na sua inspirada e profunda compaixão, ele (ou eles) não está jogando ou brincando com os nossos sentimentos.

No fundo, o que o Nureda quis demonstrar com o seu intercâmbio eletrizante, foi o de que
“Cada um de nós vive no seio de um duplo EU”.

Disso eu não tenho a menor dúvida.


Abraços a todos Nuredienses, ou Noredienses

Levi B. Santos

Esdras Gregório disse...

Com certeza eu não criei o Nureda, apenas tentei com um golpe de mestre imortalizá-lo.

O Nuredá é muito nobre, jamais ia se revelar usando o seu perfil, se o José Lima é ele mesmo, vai se definhar em seu orgulho rsrs pois nem eu estou acreditando nele.

Mas com essa ultima do Edson minhas suspeitas voltam para ele novamente, pois as partidas se coincidem.

Abraços do Nureda.

Anônimo disse...

Querido Mestre Levi,

Demorei mas cheguei!! rs..

Parabéns pelo maravilhoso texto, que por sinal muito reflexivo, e nos leva a refletir algumas coisas sobre as quais nunca paramos para analisar.

Mas confesso, que o que mais me chamou a atenção foi a frase final “Envelhecer é uma coisa maravilhosa quando a gente não esquece o significado de começar” (Martin Buber).

Nós envelhecemos não quando chegamos na época dos "cabelos brancos", mas envelhecemos quando deixamos de acreditar, e confiar que um novo começo, quando algo não dá certo, é a melhor escolha.

Que nunca "envelhecemos" a ponto de não desejar mais, de ousar...de lutar e exigir mais de nós mesmos.

Outro exemplo, é o Nureda, seja ele real ou fictício, mas creio que nem em ficção é possível transparecer uma alma tão boa como à deste "personagem". Ele apareceu para mostrar que o AMOR é a base de todos nós.

E eu vejo assim também, que o AMOR que temos por nossas vidas, permita-nos perceber que nesta vida, nunca é tarde para começar a viver de verdade!!

Beijo.
Graça e Paz!!

J.Lima disse...

Levi.
Quero agradecer-lhe pelo texto escrito.
Achei maravilhosa essa exposição sobre o Martin Buber, aliais tenho esse livro mais ainda não li.

(Esta na fila, talvez esse comentário venha apressar a leitura).

Na realidade estou lendo menos livros devido a gastar mais tempo lendo os posts dos blog!

Estou lendo o livro: RASTREANDO OS DEUSES, O lugar do mito na vida moderna de James Holis, um livro de uma coleção Amor e psique da editora Paulus.(talvez você já leu. Rsss).

Quanto ao Nureda, não quero des-mitologizar o mito, ele só sobreviverá se a semelhança de Aquiles enfrentar o risco de deixar de existir para ser imortalizado! Hahahahahaha.

Agora analisando o perfil de todos uma coisa é certa o nureda entende um pouco de psicanálise, somente um psicanalista ou alguém que tem conhecimento da psique humana pode detectar através dos escritos traços da personalidade de cada um com maestria como ele fez!

Quem não é o Nureda sabe que não é...

Agora Gresder quanto ao seu comentário de que

“O Nuredá é muito nobre, jamais ia se revelar usando o seu perfil, se o José Lima é ele mesmo, vai se definhar em seu orgulho rsrs pois nem eu estou acreditando nele”.

Querido amigo lembra da primeira vez que você foi ao IBICAMP, que chegou como um doido, perguntando: “È aqui que trabalha o filósofo?” hahaahahahahhaha, e destrambelhou a falar sem parar.

Ai fomos lá para cima tomamos um café e durante mais de 40 minutos conversarmos sobre diversos assuntos de teologia, filosofia etc...

Pois é no final eu disse que você estava muito acima de mim e realmente acho isso, você tem uma cultura incrível!

Mas depois ficou meio pasmo ao ler o artigo “Cristianismo da culpa e a culpa no cristianismo!” Você disse:

“Estão ótimos os textos, e agora tenho certeza de que você me bajulava quando dizia que eu era mais intelectual que você, não existe superioridade, mas igualdade em modos distintos de ver; e como isso é bom!”.

Pois é meu amigo surpresas acontecem...
Haahahahahahahhahahha.

Levi, nem sempre comento todos os seus textos, mas estou lendo o máximo, pois vejo que posso adquirir mais conhecimento de psicanálise e você escreve de forma excelente!

Abraço Nerudianos para todos da confraria.

Marcio Alves disse...

J. Lima que negocio é este de ficar enganando o Gresder?
Estou muito chateado com você, pois você fala o que, o Gresder não é, ou seja, que ele esteja acima de você!!!
Fracamente heim ô J. Lima, desse jeito o Gresder vai acreditar em você!!!!
Hahahahahahahahahahhhahahahahah

Anônimo disse...

Paz do Senhor!

Estou fazendo em meu blog uma pesquisa de opinião sobre o tempo em que estamos vivendo (dizem que é de unção, milagres, etc. Será?)
Peço que participe.
Basta deixar um comentário sobre o assunto na postagem mais recente.

Obrigada e que Deus abençoe!

Antônio Ayres disse...

Caro Levi:

Limito-me, a propósito deste seu instigante tema, deixar apenas este pequeno trecho poético:

"Saudade

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido".

PABLO NERUDA

glauciasemfalas disse...

Alguns sentem a necessidade do toque para ter a certeza da existência.

A FÉ, muitos a têm como intangível, como então a sentem tão profundamente?

As notas musicais são tangíveis, sentimos cada uma delas, batendo, tocando, não somente ouvimos, mas sentimos;

Como as cores não são somente vistas, mas sentidas.

A FÉ é tangível, é sentida, mas é certeza de coisas que não vemos, mas sabemos, porque sentimos.

Esse foi o encontro mais maravilhoso que já tive em minha vida.