07 fevereiro 2010

FREUD ─ Um Refém da Religião




Freud, apesar de ter sido considerado pela maioria dos religiosos, um fora da gaiola do Judaísmo, nunca renegou as suas origens: ingressou no pacto judaico, tendo sido circuncidado uma semana após o seu nascimento. Em 1925, aos 69 anos de idade, não achou necessário reprimir algumas verdades nele latentes, quando com visível desprezo respondeu aos correligionários que o haviam procurado para se proteger da onda de antissemitismo da época: “Eu também continuo judeu”.

A sua babá católica arrastava-o sempre para a igreja. Conta-se que o menino Freud quando voltava do Templo para a sua casa rezava e contava o que fazia o Deus Todo-Poderoso.

Se os sentimentos de Freud em relação aos pais eram intricados, a fé deles no filho parecia ser absoluta. No seu aniversário de 35 anos, seu pai lhe deu uma Bíblia em hebraico com a seguinte dedicatória: “Foi no sétimo dia de sua vida que o Espírito de Deus começou a conduzi-lo ao saber”.Uma constatação irrefutável assomou a consciência do Pai da Psicanálise, quando ele, já com idade muito avançada (81 anos) em uma de suas últimas obras, “O Futuro de uma Ilusão”, discorreu sobre “o que era verdadeiro em religião”. Dizia ele:

Quão invejáveis, para aqueles de nós que são pobres de fé, parecem ser aqueles investigadores que estão convencidos da existência de um Ser Supremo! Para esse grande Espírito, o mundo não oferece problemas, pois ele criou todas as suas instituições. Quão amplas, exaustivas e definitivas são as doutrinas dos crentes, comparadas com as laboriosas, insignificantes e fragmentárias tentativas de explicação que constituem o máximo que somos capazes de conseguir!”.

........Durante 30 anos Freud manteve um diálogo profícuo com o Pastor Oskar Pfister, através de inúmeras cartas. O Pastor e Teólogo protestante assim se referiu a seu amigo: “Se me perguntassem sobre o lugar mais aprazível da terra, eu responderia: Informem-se na casa do professor Freud!”. Assim escreveu Freud em uma de suas vastas correspondências a Pfister: “Nos sabemos que por caminhos diferentes, lutamos pelas mesmas coisas para os pobres homezinhos”

........Uma prova de que Freud não abandonou suas raízes presas à religião judaica está nesta resposta que ele deu a Max Graaf, pai do menino Hans (seu cliente): Se não deixar seu filho crescer dentro do Judaísmo, vai privá-lo das fontes de energia que não podem ser substituídas por nada. Não o prive dessa vantagem.”

........Jacques Lacan, que fez a releitura das obras de Freud, reconhece que o pai da psicanálise foi marcado profundamente pela leitura precoce da Bíblia. Foi dentro do contexto do Velho Testamento que ele foi buscar os elementos e pontos de partida da ética, da estética, da religião e da política do povo judeu, tão essenciais na descoberta do vasto e desconhecido mar do inconsciente, que com muito amor e denodo explorou em toda a sua vida.

.........Freud nutria um fascínio tremendo por Roma, cidade que visitou por cinco vezes. Antes de uma dessas viagens ele sonhou com Roma a urbe eterna do Catolicismo (a temida Roma cristã) . Ele que dedicara ao seu maior herói, Moisés, um denso livro - (Moisés e o Monoteísmo), por fim teve um sonho em que pode realizar o desejo de ver de longe a Terra Prometida, a Jerusalém Eterna que jamais poderia esquecer. Esse seu Salmo preferido, de número 137, nunca saiu de sua memória:



........Se eu de ti esquecer, ó Jerusalém,

.........que se resseque a minha mão direita,

.........Apegue-se a língua ao meu palato

.........Se não me lembrar de ti,

.........Se não te alçar Jerusalém,

.........Ao cúmulo da minha alegria!”.




.........Por Levi B. Santos

.........Guarabira, 07 de fevereiro de 2009


.............FONTES:

.............................1. Moisés e o Monoteísmo - Volume XXIII da coleção Freud (Editora Imago)

.................................2. Freud – Uma Vida Para o Nosso Tempo – Peter Gay (Editora Cia das letras)

.................................3. Freud e a Judeidade Betty Fucs (Editora Jorge Zahar)

.................................4. Cartas entre Freud e Pfister (Editora Ultimato)


15 comentários:

Anônimo disse...

Olá Levi

Muito interessante esta sua observação sobre a influência da religião na obra de Freud.

Realmente, é difícil não imaginá-la lembrando da importância que os judeus dão a sua cultura, em todos os aspectos.

Muito legal saber também das relações de amizade de Freud com um pastor protestante, o que demonstra que também o Cristianismo fazia parte dos "parâmetros" (desculpe, não achei termo melhor) que de alguma forma o orientaram a interpretar determinadas descobertas suas no campo do comportamento humano.

Forte abraço.

Levi B. Santos disse...

Prezado Isaias

Indubitavelmente, a Psicanálise é filha do Judaísmo e do Cristianismo. Sem os elementos e conceitos dessas duas fontes ela jamais existiria.

Como você mui apropriadamente frisou: "é dificil não imaginar a influência religiosa na obra de Freud - lembrando da importância que os judeus dão a sua cultura".

Ele estudou os fatos e mitos bíblicos como ninguém jamais o tinha feito. Passou praticamente toda a sua vida sondando e explorando os mistérios da alma humana.


A nossa geração só tem a agradecer.


Abçs,

Levi B. Santos

Marcio Alves disse...

Mestre Levi

Legal saber e conhecer um pouco mais sobre Freud, e, pode ver também a influencia que tanto o Judaísmo quanto o Cristianismo exerceram sobre ele.

Realmente a bíblia é uma fonte inesgotável de riquezas simbólicas e literárias, fornecendo também subsídios para a psicanálise.
Pois através dela, conhecemos a historia de Deus, que na verdade era a historia de como os homens “viam” Deus, e, mais ainda, vemos a própria historia do homem.

É por isso e outras coisas que me dei conta que preciso estudar um pouco da psicanálise!!!!

Abraços

Antônio Ayres disse...

Nobre amigo Levi:

Realmente, muito bem construídas e embasadas essas suas observações verdadeiras sobre a vida de Freud.

Se me permite acrescentar algo, tenho a convicção de que outros homens confessadamente ateus também tinham vínculos (que até alguns deles pensavam ser indesejáveis) com a religião.

Entre eles, além de Freud, estão Marx, Nietszche e o próprio Sartre.

Quanto a você, meu amigo, se ainda não fez, penso que deve fazer um curso de formação em Psicanálise, pois, apesar de seres um médico ginecologista, és também um psicanalista nato.

Um abraço!

Eduardo Medeiros disse...

Como eu disse no último comentário da postagem anterior, apesar de ter "saido da gaiola" ainda sou membro de uma igreja batista.

Creio que jamais poderei renegar a cultura cristã na qual fui formado, apesar de todas as releituras que costumo fazer.

Esdras Gregório disse...

Não somente Freud, mas também Spinoza, Kafka, Durkeim, Heisten, Marx e outros homens de ciência e saber tiveram sua origem do sangue e da alma judaica.

Talvez nem mesmo o povo alemão, Frances ou inglês produziram tão grande quantidade de homens tão poderosos, pois contando com Moises, Davi Jesus e Paulo o maiores homens desta terra vieram do sangue de Abraão.

Levi B. Santos disse...

Caro Marcio

Concordo com você.

A história de Deus é a história do homem e sua relação com o Sagrado.

É a história de Deus contada pelo homem.

É a história do homem diante do "Grande Outro", do Sublime, do Tremendo.

É a história das grandes e indomáveis forças psíquicas que habitam o ser humano.

Abçs,


Levi B. Santos

Marcio Alves disse...

Mestre Levi

Falando de psicanálise, estou lendo um livro maravilhoso de romance que mistura psicanálise com filosofia.
O nome do livro é “Quando Nietzsche chorou” do psicanalista Irvin D. Yalom.

É um romance fictício em que ele põe no mesmo cenário para dialogar, simplesmente o Freud, Nietzche e Josef Breuer!!! Já dá para perceber as riquezas e profundidades que sai destes encontros fictícios, mas ao mesmo tempo fascinantes!!!!!!!

Não sei se já leu, e se leu, qual é a sua avaliação desta obra que esta me deslumbrando?
Se não, deveria ler, pois é magnífico!!!

Abraços

Levi B. Santos disse...

É meu caro Eduardo

Lá na gaiola alimentava-me da comida preparada pelo dono, com muito esmero. Não precisava voar para apanhar comidas rústicas lá fora, pois, sem nenhum esforço tinha tudo de bom ao bico, desde que cantasse repetidamente a música que meu patrão tanto adorava.

Enfim era um passarinho forte de belas plumas que muitos adoravam ver.

E agora?

Agora, aprendi outros cantos heréticos, outros trejeitos. Há alguns dias, fiquei triste ao ver o meu antigo patrão dizer para mim: "volte a cantar como antigamente, que você terá comida boa à vontade e uma bela gaiola prateada para descansar e ser visto e elogiado por muitos".

Nada respondi, pois de que adiantaria, se a minha voz já não era a mesma.

Tentei forçar o canto do Pajé, mas nada saiu, apenas alguns sons dissonantes de “Bossa Nova”.

Eduardo Medeiros disse...

Levi, muito bom esse teu comentário cheio de metáforas e simbolismos, bem ao meu gosto rsssssss

Alguns gostam de estar na vitrine da gaiola, mesmo que no fundo, quisessem mesmo ser mais independentes.

Também queriam que eu cantasse canto gregoriano, mas eu só conseguia cantar rock anos 60...rssss

Eduardo Medeiros disse...

Marcinho, evidente que o levi já leu o livro. Eu também estou acabando de lê-lo e realmente é muito bom.

Freud - um refém da religião... esse título é bem apropriado ao personagem. Criticou o deus-pai judaico mas nunca renegou a sua cultura religiosa.

Edson Moura disse...

Levi meu mestre Bronzeado!

Confesso que comecei ler Freud...(ou Fróide como costumo chamá-lo para que os meus ouvintes associem a fonética), aos 16 anos de idade, pois na época era um jovem cético que não acreditava em Deus, e gostava de afrontar os crentes que tentavam me evangelizar. (confesso isso pra minha vergonha)

Mas depois que me converti aos 22 anos, deixei de lado este pensador, e prometi pra mim mesmo que jamais falaria dele novamente. E aqui estou eu...mordendo a língua rsss!

Deixe-me explicar qual era o meu pensamento sobre Freud, “Fróide” até bem pouco tempo atrás, antes de conhecer a você mestre!

“Fróide”, o fundador da moderna psicanálise afirmava que Deus é uma ilusão infantil. Acreditava que toda religião reduzia-se a processos psicológicos e que em nome da ciência, a religião deveria ser abandonada por ser uma doença, uma neurose. Estudou medicina em uma época em que a ciência natural era vista como a única solução para todos os problemas. Fróide acreditava ainda que no futuro quando acabasse toda a ilusão religiosa, a humanidade estaria em condições de, com a ajuda da ciência e da razão crítica, construir a harmonia total. Porém esta era uma utopia que jamais se concretizaria (até aqui pelo menos, rsss). Fróide também manifestou grande oposição a Deus e a fé cristã. Na verdade a postura de Fróide foi incoerente entre o que dizia sobre a religião e o que fazia pois em seus últimos cinco anos de vida parece que voltara às suas raízes judaicas ao estudar o Judaísmo e escrever um livro como resultado destes estudos.”

Veja Levi! Meus conceitos sobre o Freud ou Fróide rss, já não são os mesmos graças a você, pois tenho constantemente aprendido a reavaliar todos os livros que li na minha juventude. O pior é que alguns livros que eu sempre me orgulhei de ter lido, como “crente”, hoje tenho até vergonha de citar rsss.

Valeu por clarear minhas idéias com seu belos ensaios!

Abração de um jovem que te admira muito!

Elídia :) disse...

Que surpresa agradável, seu blog...Gostei muito e peço licença para comentar algo. Como apaixonada por psicanálise, concordo com seus comentários sobre a importância freudiana à psicologia e suas ramificações. Porém, todos sabemos que os conceitos freudianos há muito estão ultrapassados, e, a visão romantizada dessa figura mais-que-importante à história da psicologia e psicanálise deixa obscurecidas algumas passagens da vida deste. Acho importante e útil a informação, mas não o venero, cometeu muitos equívocos teóricos, alguns dos quais retratou-se no fim da vida, outros tantos, muitos de seus alunos que o superaram infinitamente acabaram por desmistificar. Freud era um homem como qualquer um de nós, sujeito às mesmas vicissitudes, obsessões, paixões, e tenho minhas dúvidas quanto à sua religiosidade, pois até onde sei, e baseado em sua obra, ele era ateu. Ter amizade com pastores como alguém citou acima, e ser oriundo de família judaica não exime de sua postura, os valores religiosos que foram-lhe assimilados, embasaram em muito sua obra, mas como disse, seu ateísmo é latente em sua vasta obra.

Levi B. Santos disse...

Prezada Elídia


Sinto-me gratificado ao saber que você gostou desse recanto. Espero que apareça mais vezes.

Quanto ao seu comentário, concordo que a releitura de Freud através de Lacan, Joel Birman e outros, foram benéficas,principalmente por reformular ou re-significar conceitos antes tido como dogmáticos pelo pai da psicanálise.

Contudo, quero lhe dizer que ainda não tomei conhecimento de um pesquisador que tenha mergulhado tão intensamente nos meandros da alma humana, com tanto zelo, paixão e desprendimento de espírito, como esse "Judeu sem Deus".

Abçs,

Levi B. Santos

Elídia :) disse...

Obrigada pela atenção em responder. Vou aparecer sim, e sempre, e recomendar seu blog jusnto aos amigos e colegas. O senhor me parece um daqueles professores os quais a gente aprende admirar quando conhece na faculdadade e depois utiliza como modelo na vida profissional. Deus lhe abençõe, muito e sempre.