28 maio 2010

A LOUCURA DE TUA VERDADE




.........................Perdeste o dom de mentir.
.........................És simplesmente um louco!
.............Perdeste o manto da noite onde antes te escondias
...............Ficaste real demais, sem aquela “consciência”
.............................Que reveste os sãos
.........................Com o manto da hipocrisia.


............................E a verdade subterrânea
............................Que a censura represava
...............Sai agora aos borbotões, sem que se saiba a fonte.
...................E como figura pálida das moradias do Limbo
...............................Assusta os “normais”
,,,,,,,,,,,,,,,,.............Tua verdade escarrada.


,,,,,,,,,,,,,,...................Como explosão lírica
................................Tuas imagens profundas.
..................Aparecem gritando do porão do inconscientee.
...................Na aparente desordem dos afetos submersos
.................................Te revelas nu e cru,
...............................Sem as amarras da razão.



...............................Das insuportáveis verdades
.................................Tu conheces o segredo
...................Não te querem ouvir, nem tampouco te auscultar.
..................Estás com vestimentas que te cobriram os “normais”
...............................O “são” em ti se reconhece.
....................................És um indesejável.


................................Da bestialidade humana,
....................................A tua loucura fala
....................Dos princípios morais escondidos em suas asas.
...................Mas foi da fresta que abriu em tua mente fendida.
.............................Que o oculto fascinante surgiu,
.................,,.............Como uma tênue sombra.


.................................Marginalização da loucura
................................ Nisto a sabedoria consiste
....................Portadores loucos da nudez humana ambulante
.................Que já não temem a morte da realidade consciente.
...................................Loucos que denunciam
..................................Da sociedade os mortos.


....................................Da tua consciência
.................................Quebraram-se os grilhões
....................Soltaram-se o divino e o demoníaco do teu ser
.................És um mistério para os sãos, pois nada aqui tu desejas
..............................Das forças do humano abismo.
..................................És a própria encarnação.

.


...............................A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta
..............................sabe que é louco... Porque a poesia é uma loucura lúcida.

................................(Mário Quintana)


.................................Poesia por Levi B. Santos
.................................Guarabira, 28 de maio de 2010

25 maio 2010

Brincar de Palavras



...............Eu que de rabiscos enchia os meus papeis,

...............Hoje, brinco com palavras de um jeito virtual

...............Que lembram os meus dedos enfeitados de anéis,

...............Quando mascarava as letras de forma manual.



................Mas hoje não são letras, que deixo aqui pintadas,

................São palavras iguais às de todos que digitam.

................Não nego que se encontrem nelas, bem entalhadas,

................As máscaras da infância que em meu ser se agitam.



................O que faço pra enfronhar-me nesse teatro da vida.

................Senão brincar com as máscaras que limitam meu agir?

................Viver sem uma fantasia deixa a alma enfraquecida

.................Pois, a tal da realidade, é difícil de digerir.



.................Da plenitude uterina, quando enfim fui afastado

.................Deram-me como um consolo um pequeno manual.

.................Na capa está um alerta: "não fique desanimado",

................‘Não leve as palavras á sério num mundo artificial’.



..................Minha armadura rígida é brincar de escrever,

..................Ela faz a minha vida mais leve e menos cruel

..................Faço dela uma bebida, p’ra de tédio não morrer

..................Adoçando minha língua com o seu sabor de mel.



...................Têm um sabor de mel, têm um sabor de mel.

...................As palavras para mim, têm um gosto de MEL.



....................Versos por Levi B. Santos

....................Guarabira, 25 de maio de 2009

18 maio 2010

A REVELAÇÃO BOMBÁSTICA DE MEU AVÔ




O meu avô tinha mais intimidade com o genro, do que com todo o restante da família. Ficou triste, porque no seu dizer, meu pai tinha morrido “desviado”. Esse termo ainda hoje é usado para denominar as pessoas que freqüentam a igreja e depois a abandonam. Meu avô tinha conhecimento de que meu pai antes do acidente de moto que o vitimou em via pública, estava cantarolando uma música de carnaval, fato que por si só, justificava ainda mais a percepção "cristã" daquela época de que ele tinha sido destruído por Deus. Na sua concepção e na de muitas pessoas íntimas nossas, meu pai morrera sem salvação, e que o destino dessas pessoas quando assim morrem, é o inferno.

Passado alguns meses do falecimento de meu pai, ali no terraço de minha casa onde costumávamos ficar, meu avô me chamou para contar algo que pela sua fisionomia radiante de felicidade, eu pressenti que era alguma coisa boa. Ele debruçado na mureta do alpendre dirigiu-se a mim desta forma:

─ Meu filho! Eu tenho uma coisa muito importante para lhe dizer ─ falou em tom solene, após ter dado as suas comuns cusparadas em direção à rua.

Eu sentando no batente do terraço ao lado dele, disse:

─ Me conte vovô, o que foi?

─ Olhe, ontem a noite Deus me deu uma revelação maravilhosa. Ele me mostrou seu pai ( Moisés) no céu. Fique certo que ele não foi para o inferno, como todos estavam pensando. Deu tempo para ele se arrepender ─ disse o meu avô com ar de satisfação.

Eu me juntei à sua alegria naquele momento. Por três meses, meu avô conviveu com a idéia horrenda de imaginar que seu grande amigo e genro, estava se queimando nas labaredas do inferno. No entanto, dali em diante, me uniria a ele, a fim de desfazer a triste imagem que meu pai deixou no coração dos que ficaram.

Meu pai, dois meses antes de morrer, tinha me dado uma bicicleta de presente, por ter passado em primeiro lugar nas provas finais do colégio local. Ora, o que eu mais almejava, era uma bicicleta na cor azul, e ele me dera uma do jeito que eu sonhara. Eu já vinha pensando desde a sua morte: e não aceitava o veredicto sem apelação de que meu pai depois de me dar um tão precioso presente, tenha tido o inferno como destino. Imaginava que aquilo era uma injustiça, pois ele já tinha sido penalizado, ao deixar abruptamente o nosso convívio com apenas trinta e nove anos de idade

Apesar de hoje ser meio cético com essa história de revelação, não nego que a visão bombástica do meu avô, deu-me naquela época um certo alento.

Meu avô era um homem extremamente religioso, e não se aborrecia com as insinuações que eu fazia sobre temas do mundo bíblico. Um dia, no mesmo terraço da casa de minha mãe eu perguntei para ele:

─ Vovô! O Sr. acredita nesta história da baleia ter engolido Jonas e depois de três dias ter vomitado ele vivo?

Meu avô respondeu rápido, sem titubear:

─ Meu filho! Se a Bíblia dissesse que Jonas tinha engolido a baleia, eu acreditaria.

O velho Zé Raulino, naquele seu jeitão de imaginar o céu e o inferno, era tão feliz, sem os questionamentos que faço hoje. Ele cria porque cria, e ponto final.



Crônica (reedição) - por Levi B. Santos.
Guarabira, 05 de Agosto de 2007

11 maio 2010

O FILHO DE JOSÉ




E aconteceu que, sendo época da semeadura, José saiu para semear o trigo, deixando seu filho Jesus que contava com aproximadamente dez anos de idade, junto aos seus dois amiguinhos, Mateus e Lucas, acomodados debaixo de uma palhoça, abrigados do sol causticante do meio dia.

Jesus, nesse dia, não estava muito para conversa. Tinha vindo da escola, onde teve umas escaramuças com os colegas mais afoitos que o apelidavam de “o filho da virgem”. Ele já na mais agüentava essa história de que José era seu pai de “faz-de-conta”.

Durante todos os dias se postava diante de um espelho a observar os mínimos detalhes e feições do seu rosto, ocasião em que dizendo um palavrão, se retirava para o seu quarto com os olhos vermelhos de raiva. Algumas vezes, ele saia chorando para os seus aposentos, pois lá no fundo ele não acreditava que José não fosse seu pai. As coincidências físicas entre ele e seu “adotivo pai” eram muito grandes, e como dizia o ditado, “estampava na cara” que José era seu pai natural. O menino Jesus não entendia o silêncio profundo do seu pai, quando, às vezes, tocava de leve no assunto, à guisa de alguma resposta convicente sobre sua filiação, pois muitos do que o viam sem nunca o ter conhecido antes, diziam logo: "Esse só pode ser filho do carpinteiro José!".

Ficava horas e horas sem dormir a revirar-se na cama, lendo o Livro Sagrado, que dizia que o Messias prometido viria de uma virgem. Mas logo ele, teria que engolir aquilo tudo, para satisfazer aos profetas do tempo antigo? Os dois amiguinhos vendo o semblante perturbado de Jesus, perguntaram, quase já sabendo a resposta que ele daria.

O que foi que aconteceu contigo na escola, Jesus? ─ perguntou Mateus.

─ Nada! Nada que interesse a vocês! ─ respondeu Jesus, meio irado.

─ Já sei. Fizeram chacota contigo na escola, sobre tua mãe e teu pai José ─ falou Mateus, levantando-se do chão.

De há muito, o futuro messias vinha notando que só o seu amigo Mateus falava com tanta convicção, enfatizando “Tua mãe e teu pai”. Dessa vez Jesus tomado de coragem, resolveu perguntar se ele acreditava que José era seu pai mesmo.

─ Mateus, me diga sinceramente: Tu acreditas que José é meu pai de verdade?

─ É claro meu camarada. Como é que tu não és filho de José, se tens uma cara igualzinha a dele. Faz aí um sorriso para Lucas ver! ─ disse Mateus em tom zombeteiro, pois o jeito de rir do futuro messias era inconfundivelmente semelhante ao do pai.

Lucas era o seu amigo mais compenetrado, do qual os pais tinham profetizado que seria médico. Médicina naquela época era uma mistura de curandeirismo e misticismo. Os pais de Lucas eram daqueles judeus extremamente ortodoxos, que acreditavam fanaticamente na literalidade do Velho Testamento, e quase sempre estavam proibindo-o de brincar com seu amiguinho Jesus. Incutiram tanto na cabeça do menino a história do nascimento virginal, que ele começou acreditar na história de um filho sem pai natural. De vez em quando os pais diziam para o Lucas:

“Quem sabe se não é você que vai ser o escolhido para escrever a história sobrenatural da Imaculada Maria, mãe do Filho de Deus, Filho esse, que sendo o próprio Deus, jamais poderia nascer da semente pecaminosa de José?”

Como que para aprovar a história que seus pais, insistentemente lhe contava, Lucas, virando-se para Jesus disse com sua voz pausada e fina:

- Jesus, quando eu crescer, irei contar a história miraculosa do teu nascimento!

─ Quem colocou na tua mente tamanha loucura? Até tu, estás a zombar de mim? ─ gritou Jesus bem ao pé do ouvido do Lucas.

─ Traduz tudo isso em miúdos, senão vou te dar um safanão! ─ falou Jesus, impacientemente.

Mateus afastando Lucas de perto de Jesus, intrometeu-se entre os dois:

─ Meu grande amigo! ─ disse ele se dependurando no pescoço de Jesus:

─ Prometo também contar a tua história, e nela jamais incluirei essa coisa de um filho nascido só da mãe. Toca aqui ─ disse Mateus apertando com força as mãos de Jesus.

─ Prometes mesmo? ─ disse Jesus com um ar mais alegre.

─ Além de prometer, vou te dizer uma coisa - No meu livro escreverei toda a verdade. Acalma-te, que um dia, os que vierem depois de nós, vão saber que José é teu verdadeiro pai ─ falou Mateus, olhando para os olhos de Jesus, que começavam a marejar.

─ Tem mais! ─ disse Mateus eufórico ─ o meu livro vai ser o primeiro que vai contar a tua história. Se o Lucas escrever o dele, vai ser depois do meu.

Foi quando Jesus abriu um largo sorriso, e o Lucas entendeu que não podia negar o que estava vendo. Ele vira nas feições alegres de Jesus, a cara de José “escarrada e cuspida”.

Lucas a caminho de casa matutava com seus botões: “Vou escrever a história de Jesus como meus pais querem. Não irei dar desgostos a eles”. Não sabia Lucas, que mais tarde, Jesus lhe surpreenderia ao nunca revelar por sua boca, que se tornara homem sem a herança do pai no seu proprio sangue.

Conta-se que os dois evangelhos, o de Mateus e o de Lucas, foram encontrados em uma caverna bem perto da cabana do roçado de trigo de José.




P.S.: Ensaio-ficção por Levi B. Santos ─ Baseado na narativa de Mateus, centrada em José e na narrativa mística de Lucas sobre a virgem imaculadada, junto com uma pitada dos Evangelhos Apócrifos.

Guarabira, 11 de maio de 2009

05 maio 2010

RELIGIÃO ─ AMBIVALÊNCIA E NOSTALGIA



Disse a “religião” a sua arquiinimiga Filosofia: “Tu és o derradeiro poder dos impotentes”.

O princípio de qualquer religião pode ser resumido nessa frase: “Deus está no céu, e tudo está errado no mundo”. Ela decretou uma lei obrigatória a de restaurar a harmonia que um dia existiu no próprio homem, quando ele era só céu e não tinha consciência, quando ele era uma extensão da sua bondosa mãe.


Então, o homem foi expulso do jardim da inocência, nascendo para o desgosto que se põe sempre a sua frente. Lá dentro do peito sente o eterno desejo de retornar a sua onipotência fetal, e, a ânsia por esse poder o deixa dependente de uma luta inglória, na esperança de um dia restaurar a noite dos desejos roubados pelos deuses.


O Olho soberano da religião passa a perseguir esse homem por montanhas vales e prados. Suas manhãs de felicidades quando adulava as pradarias verdes e os riachos de águas cristalinas, são transformadas, agora, em manhã feias, sem a magia do existir por existir, compelindo-o a ser perfeito quando não existe razão nenhuma para se supor que algum dia acontecerá tal fato. Ele não tem outra solução a não ser caminhar, mais duvidando que acreditando, espera que o desgosto posto a sua frente dê lugar ao regozijo que ficou para trás.


A religião o anima: “é questão de tempo camarada!” ele escuta dentro de si. É na faculdade do mundo que ele inicia seu aprendizado, caindo aqui e acolá, aos trancos e barrancos. Para enfrentar acontecimentos desagradáveis, mortes, fracassos e desgraças ele se mune de um mundo imaginário denominado por ele de “Minha Realidade”. No átrio de entrada desse mundo ele lê, está lá escrito: “Às pessoas que desejam a imortalidade como compensação pelas injustiças do existir”. Mas esse homem que formou família e criou a sociedade traduz agora o letreiro em sua própria realidade existencial. Diz ele em sua imaginação: “Depois da morte encontrarei aqueles que de fato me amaram”. Sente uma ligeira satisfação com esse último desejo.


A sua caminhada é sempre para frente. Caminhar, ou olhar para trás lhe é impossível, pois se transformaria em um nada, em uma estátua de sal. Assim caminha, sabendo que tudo aquilo que lhe parece maligno, que lhe parece pecado, um dia terminará.


A Providência benevolente diz lá no fundo de sua alma que ele tem que se exaurir diuturnamente, pois só os homens bons serão felizes depois da morte. E esse homem se debruça sobre os livros sagrados, catando as experiências perfeitas que aparentemente não têm uma mácula de imperfeição, e, tenta reproduzi-las em seu ser. Dia após dia experimenta o contrário, mas algo lá dentro de si diz, que as decepções não são para se contar a ninguém. Nunca que ele vá dizer que seus dias são vazios, que perfeição existe só nos livros de metafísica.


Depois de uma série de experiências e muitos sofrimentos, esse homem já velho parece não mais acreditar que o ser humano possa levar as suas lembranças, os seus hábitos, os seus amores, os seus filhos e amigos para a outra vida prometida pela “religião”.


Com o tempo esse homem começa a desconfiar da “religião”, quando a virtude social passou a ser excluída da ética cristã. Passa a desconfiar dos seus sacerdotes que até hoje pensam que um adúltero é mais demoníaco do que um político que aceita propina, não atentando para perceber que nesse último caso, os prejuízos são mil vezes maiores.


Esse homem tenta livrar-se das amarras da “religião”, porque conseguiu entender, enfim, que o instinto de rebanho não passa de impulsos de uma submissão doentia e covarde. Entendeu, enfim, que o propósito da “religião” está enraizado na tendência que as crianças têm de se agrupar quando estão com medo, e de procurar uma autoridade que lhe dê sensação de segurança. Entendeu que a principal fonte da “religião” é o medo.


Não foi o Espírito Divino, mas sim a baixa auto-estima que plantou nele a semente do ideal de perfeição. Na pulsão de se assemelhar aos anjos, em sonhos, ele vê Deus lhe aparecendo de vestes brancas e compridas, mas com as feições duras e o olhar grave de seu pai. Em sua confusão onírica ele vê Deus e seu autoritário pai, fundidos em uma só imagem. Partindo do ser de duplo corpo ele ouve as ameaças e reprovações iguais àquelas que seu pai fazia em seus aterrorizantes sermões, depois do jantar: “Não faça, não diga, não questione, não desobedeça, não ouse pensar nada além de mim.”


Os dois pais reunidos em um, aparentemente, eliminavam a tensão indefinível reinante no coração desse homem, transformando-o numa criatura avessa, fruto do colonialismo do céu na terra


Foi na sua infância, que a ambivalência e a contradição, começaram a fazer parte intrínseca de sua relação conturbada com o pai. Às vezes encontrava abrigo na relação com ele, outras vezes sentia o peso de sua hostilidade como um abismo a lhe querer tragar.


Agora adulto, sente seu ego ainda a viver num permanente estado de dependência. A autoridade religiosa, substitutiva de seu genitor, exerce sobre ele a mesma pressão, e tal como na infância fica apreensivo em por em risco o amor de seu senhor supremo. É a espera da recompensa que o faz assumir os tormentos de uma renúncia mediada pelo medo. Vivendo entre a fé e a dúvida, esse homem nem mergulha no abismo de si mesmo, nem se abriga no seio de sua religião, pois, teme que ela considere mortíferos ou pecaminosos os instintos selvagens entranhados em sua alma.


Ele diz que o mundo imaginário já faz parte de si, por precisar dele para viver. Então, se veste com uma roupa que não é sua, e, seguindo um roteiro já traçado, ensaia com tremor um ritual de dança para aplacar a ira do seu deus.


Na solidão do seu quarto, a religião veiculada pela nostalgia do pai, às vezes, o faz cantar uma velha canção, sem saber que o seu canto era uma forma de se dirigir a Deus uma prece.


Ouça agora, caro leitor, a nostálgica canção desse homem: