O meu avô tinha mais intimidade com o genro, do que com todo o restante da família. Ficou triste, porque no seu dizer, meu pai tinha morrido “desviado”. Esse termo ainda hoje é usado para denominar as pessoas que freqüentam a igreja e depois a abandonam. Meu avô tinha conhecimento de que meu pai antes do acidente de moto que o vitimou em via pública, estava cantarolando uma música de carnaval, fato que por si só, justificava ainda mais a percepção "cristã" daquela época de que ele tinha sido destruído por Deus. Na sua concepção e na de muitas pessoas íntimas nossas, meu pai morrera sem salvação, e que o destino dessas pessoas quando assim morrem, é o inferno.
Passado alguns meses do falecimento de meu pai, ali no terraço de minha casa onde costumávamos ficar, meu avô me chamou para contar algo que pela sua fisionomia radiante de felicidade, eu pressenti que era alguma coisa boa. Ele debruçado na mureta do alpendre dirigiu-se a mim desta forma:
─ Meu filho! Eu tenho uma coisa muito importante para lhe dizer ─ falou em tom solene, após ter dado as suas comuns cusparadas em direção à rua.
Eu sentando no batente do terraço ao lado dele, disse:
─ Me conte vovô, o que foi?
─ Olhe, ontem a noite Deus me deu uma revelação maravilhosa. Ele me mostrou seu pai ( Moisés) no céu. Fique certo que ele não foi para o inferno, como todos estavam pensando. Deu tempo para ele se arrepender ─ disse o meu avô com ar de satisfação.
Eu me juntei à sua alegria naquele momento. Por três meses, meu avô conviveu com a idéia horrenda de imaginar que seu grande amigo e genro, estava se queimando nas labaredas do inferno. No entanto, dali em diante, me uniria a ele, a fim de desfazer a triste imagem que meu pai deixou no coração dos que ficaram.
Meu pai, dois meses antes de morrer, tinha me dado uma bicicleta de presente, por ter passado em primeiro lugar nas provas finais do colégio local. Ora, o que eu mais almejava, era uma bicicleta na cor azul, e ele me dera uma do jeito que eu sonhara. Eu já vinha pensando desde a sua morte: e não aceitava o veredicto sem apelação de que meu pai depois de me dar um tão precioso presente, tenha tido o inferno como destino. Imaginava que aquilo era uma injustiça, pois ele já tinha sido penalizado, ao deixar abruptamente o nosso convívio com apenas trinta e nove anos de idade
Apesar de hoje ser meio cético com essa história de revelação, não nego que a visão bombástica do meu avô, deu-me naquela época um certo alento.
Meu avô era um homem extremamente religioso, e não se aborrecia com as insinuações que eu fazia sobre temas do mundo bíblico. Um dia, no mesmo terraço da casa de minha mãe eu perguntei para ele:
─ Vovô! O Sr. acredita nesta história da baleia ter engolido Jonas e depois de três dias ter vomitado ele vivo?
Meu avô respondeu rápido, sem titubear:
─ Meu filho! Se a Bíblia dissesse que Jonas tinha engolido a baleia, eu acreditaria.
O velho Zé Raulino, naquele seu jeitão de imaginar o céu e o inferno, era tão feliz, sem os questionamentos que faço hoje. Ele cria porque cria, e ponto final.
Crônica (reedição) - por Levi B. Santos.
Guarabira, 05 de Agosto de 2007
Passado alguns meses do falecimento de meu pai, ali no terraço de minha casa onde costumávamos ficar, meu avô me chamou para contar algo que pela sua fisionomia radiante de felicidade, eu pressenti que era alguma coisa boa. Ele debruçado na mureta do alpendre dirigiu-se a mim desta forma:
─ Meu filho! Eu tenho uma coisa muito importante para lhe dizer ─ falou em tom solene, após ter dado as suas comuns cusparadas em direção à rua.
Eu sentando no batente do terraço ao lado dele, disse:
─ Me conte vovô, o que foi?
─ Olhe, ontem a noite Deus me deu uma revelação maravilhosa. Ele me mostrou seu pai ( Moisés) no céu. Fique certo que ele não foi para o inferno, como todos estavam pensando. Deu tempo para ele se arrepender ─ disse o meu avô com ar de satisfação.
Eu me juntei à sua alegria naquele momento. Por três meses, meu avô conviveu com a idéia horrenda de imaginar que seu grande amigo e genro, estava se queimando nas labaredas do inferno. No entanto, dali em diante, me uniria a ele, a fim de desfazer a triste imagem que meu pai deixou no coração dos que ficaram.
Meu pai, dois meses antes de morrer, tinha me dado uma bicicleta de presente, por ter passado em primeiro lugar nas provas finais do colégio local. Ora, o que eu mais almejava, era uma bicicleta na cor azul, e ele me dera uma do jeito que eu sonhara. Eu já vinha pensando desde a sua morte: e não aceitava o veredicto sem apelação de que meu pai depois de me dar um tão precioso presente, tenha tido o inferno como destino. Imaginava que aquilo era uma injustiça, pois ele já tinha sido penalizado, ao deixar abruptamente o nosso convívio com apenas trinta e nove anos de idade
Apesar de hoje ser meio cético com essa história de revelação, não nego que a visão bombástica do meu avô, deu-me naquela época um certo alento.
Meu avô era um homem extremamente religioso, e não se aborrecia com as insinuações que eu fazia sobre temas do mundo bíblico. Um dia, no mesmo terraço da casa de minha mãe eu perguntei para ele:
─ Vovô! O Sr. acredita nesta história da baleia ter engolido Jonas e depois de três dias ter vomitado ele vivo?
Meu avô respondeu rápido, sem titubear:
─ Meu filho! Se a Bíblia dissesse que Jonas tinha engolido a baleia, eu acreditaria.
O velho Zé Raulino, naquele seu jeitão de imaginar o céu e o inferno, era tão feliz, sem os questionamentos que faço hoje. Ele cria porque cria, e ponto final.
Crônica (reedição) - por Levi B. Santos.
Guarabira, 05 de Agosto de 2007
12 comentários:
Levi, meu amigo e mestre, que bela crônica familiar...rsss
"morrer sem salvação", de fato, era um termo muito comum também na minha época de criança. Era muito triste mesmo quando eu ouvia minha mãe ou outra irmã dizer de alguém ter morrido nesse estado.
Mas sempre ficava um fiozinho de esperança, pois de fato, ninguém podia saber o que o finado teria pensado no último miléssimo de segundo. Ela poderia ter se arrependido dos pecados e então, a salvação estaria garantida.
E era nisso que eu, teólogo precose rss me agarrava para dizer que ninguém poderia dizer que fulano morrera sem salvação.
Felizes foram, mestre, os que puderam crer que Jonas poderia ter engolido a baleia...
Acho que no meu tempo, a religião era mais dura e cruel do que no teu tempo, meu caro Edu.
Naquela época não tinha essa salvaguarda de se agarrar com a filigrana de esperança de que no último segundo o "desviado" se salvaria.
Sabe qual era o conselho que eu ouvia dos mais velhos?
Era essa, a ladainha de sempre:
"Cuidado para não fazer nada errado a fim de não terminar como teu pai!"
Esta emblemática frase(com o inferno em oculto) ja dizia tudo...
E como eu ouvi esse conselho muitas vezes.
Hoje, para suscitar a reflexão em alguns velhinhos crentes da época de meu pai, eu falo:
- E se vocês quando chegarem lá no céu, forem surpreendidos pela presença de meu pai?
Os velhinhos saem pela tangente, totalmente desconcertados. Uns ainda dizem: "É, mais Deus deu toda a oportunidade, e ele rejeitou; portanto, não acredito nessa sua história, Ouviu?
Arregalando os olhos para mim concluem:
"Tu também toma cuidado, visse? Não volta para igreja não, bichinho, Deus pode estar te dando a última oportunidade! Brinca!!!".
A revelação de meu avô fez com que só ele e eu ficássemos acreditando na transposição de meu pai do inferno para o céu. Acho que esse segredo, ele revelou só a mim.(rsrsrs)
De fato Levi, quanto mais formos ao passado, mais esse pensamento era mais cristalizado.
Mas eu queria te dizer que eu fiquei tão envolvido com a história da revelação do seu avô, que não comentei sobre a morte prematura do teu pai.
Deve ter sido difícil perder o pai tão cedo não é? nem consigo imaginar.
Levi, quando eu era pequeno meu maior medo era que meus pais morressem. Mas parece que toda criança têm esse medo não é?
Mas a vida é assim mesmo, cheia de surpesas. Algumas boas outras nem tanto.
Mas achei ótimo o momento que seu avô te deu a revelação. Foi como o segredo teológico de vocês...rsss
Levi, de quando em quando estás a te dilacerar internamente em busca da resposta sobre o que seria melhor: ser um ignorante feliz, ou um sábio atormentado? E eu lhe respondo em alto e bom som: NÃO SEI!! Mas imagino que a segunda opção, apesar de mais dolorosa, ainda seja a mais razoável. Abçs.
Mestre LEVI
Estou de volta e a mil por hora. Heheheheh
Depois de tanto pescar nas águas do pantanal Matogrossense, finalmente cá estou teclado com meus ágeis dedos em vossa sala do pensamento.
A historia do seu pai reflete milhares de muitíssimas outras, que a igreja que se colocou no lugar de deus, manda constantemente pessoas para o inferno.
Assim como você, também vivi durante boa parte da minha vida, com esta tristeza por ver amigos que outrora cantavam na igreja comigo, e depois de um tempo afastado da igreja, morrerem, e eu ficar atormentado com esses pensamentos “infernais”.
As vezes é muito melhor estar “atormentando” pela duvida de nada saber, do que em neurose pelas certezas desumanas e doentias da religião!!!
E neste sentido, a fé é prejudicial sim, a saúde mental e física do ser que assim pensa, assim crer e pior de tudo, assim vive!!!
Abraços
Irmão Levi!
O Filho Pródigo voltou! Andei muito sumido, mas agora, se Deus permitir continuarei postando reflexões em meu blog que já estava às traças, mas dei uma renovada nele, ficou muito bonito, simples, mas bem bonito. Falando nisto, parabéns pelo seu novo visual, ficou muito bom.
Um forte abraço do seu amigo Luis Paulo Silva do Despertai Ceifeiro.
Levi é realmente desumano desconsolar uma pessoa dizendo que fulano morreu sem a bendita da salvação.
Como se tal salvação dependesse de palavras ditas na hora da morte, de crenças corretas, de posturas tomadas, tudo isso me remete a idéia de premio pela resistência advindas dos austeros filósofos e monges do passado.
Aminha maior preocupação é eu morrer e um F d P dizer para minha mãe que eu não fui salvo.
Não me preocupo comigo, me preocupo com a minha mai e meu irmão, meu pai e irma que ficaram com esta insígnia por um bom tempo da vida até que a própria vida se encarregue de provar que o Deus da vida não criaria os homem para o infortúnio perpetuo depois de passarem pelas agruras e misérias desta existência que os faz pecador.
Aminha confiança é tanta como sempre foi desde meus tempos de cristão apaixonado, pois se eu estiver errado eu sei que o Deus de toda graça ira relevar as loucuras da minha lucidez
Ao Marcio e ao Gresder
Paciência amigos, estamos fadados a assistir por tempo infinito, enquanto vivos estivermos, esta guerra entre Jeová e o Diabo.
Quem mandou escrever o Gênesis, é quem pode resolver essa parada e mostrar para a “crentaiada”, que essa história foi uma METÁFORA criada para explicar os desejos conscientes e inconscientes da alma humana, e não para uma leitura ao pé da letra, que só faz incentivar um pérfido jogo competitivo. (Quem ganhou o Diabo ou Deus?).
Ah se tudo isso ocorresse com uma Copa do Mundo de futebol, em que depois de 30 dias, tudo termina, e o time “amigo” reconhece depois o lado bom do “inimigo”.
Velho amigo Luis Paulo (não em idade, mas em amizade)
Espero que a segunda volta sua, seja para valer (rsrs)
Por outro lado, sei que sua vida empresarial está lhe tomando um bocado de tempo.
Eu, por minha vez, estou aproveitando o "exercício light", que a minha profissão anda me permitindo depois que completei os "sessenta".
Um grande abraço,e vamos continuar a nossa interação, interrompida há anos.
Levi B. Santos
Levi, não sei se lhe chateei com meu comentário anterior, mas não posso deixar de lhe citar esta frase, atribuída à Nietzsche, que acabo de encontrar:
"A vida mais doce é não pensar em nada".
Abçs.
Caro Isaias
Chateado que nada rapaz!
Essa frase de Nietzsche, me fez lembrar o poeta Fernando Pessoa, que disse que a melhor coisa do mundo pra ele, era DORMIR.
Realmente não posso discordar de tal fato. Enquanto durmo, estou descansando nos braços de Morpheu
Abçs
rsrs Lembrei do hino: muitos que eu não pensava entrar no céu então lá verei, cheios de salvação com palmas nas mãos louvando ao Rei.
É bom saber que o grande Amor, o puro compaixão, só Ele, é dono das nossas almas.
Quanto a Jonas, creio que o seu avô cria no Deus dos impossíveis. Se Deus fosse limitado no seu poder, Ele não seria Deus.
Crer que Deus tudo pode, seria ignorância? Fico na minha pobre ignorância. rsrs
Abraço.
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