E aconteceu que, sendo época da semeadura, José saiu para semear o trigo, deixando seu filho Jesus que contava com aproximadamente dez anos de idade, junto aos seus dois amiguinhos, Mateus e Lucas, acomodados debaixo de uma palhoça, abrigados do sol causticante do meio dia.
Jesus, nesse dia, não estava muito para conversa. Tinha vindo da escola, onde teve umas escaramuças com os colegas mais afoitos que o apelidavam de “o filho da virgem”. Ele já na mais agüentava essa história de que José era seu pai de “faz-de-conta”.
Durante todos os dias se postava diante de um espelho a observar os mínimos detalhes e feições do seu rosto, ocasião em que dizendo um palavrão, se retirava para o seu quarto com os olhos vermelhos de raiva. Algumas vezes, ele saia chorando para os seus aposentos, pois lá no fundo ele não acreditava que José não fosse seu pai. As coincidências físicas entre ele e seu “adotivo pai” eram muito grandes, e como dizia o ditado, “estampava na cara” que José era seu pai natural. O menino Jesus não entendia o silêncio profundo do seu pai, quando, às vezes, tocava de leve no assunto, à guisa de alguma resposta convicente sobre sua filiação, pois muitos do que o viam sem nunca o ter conhecido antes, diziam logo: "Esse só pode ser filho do carpinteiro José!".
Ficava horas e horas sem dormir a revirar-se na cama, lendo o Livro Sagrado, que dizia que o Messias prometido viria de uma virgem. Mas logo ele, teria que engolir aquilo tudo, para satisfazer aos profetas do tempo antigo? Os dois amiguinhos vendo o semblante perturbado de Jesus, perguntaram, quase já sabendo a resposta que ele daria.
─ O que foi que aconteceu contigo na escola, Jesus? ─ perguntou Mateus.
─ Nada! Nada que interesse a vocês! ─ respondeu Jesus, meio irado.
─ Já sei. Fizeram chacota contigo na escola, sobre tua mãe e teu pai José ─ falou Mateus, levantando-se do chão.
De há muito, o futuro messias vinha notando que só o seu amigo Mateus falava com tanta convicção, enfatizando “Tua mãe e teu pai”. Dessa vez Jesus tomado de coragem, resolveu perguntar se ele acreditava que José era seu pai mesmo.
─ Mateus, me diga sinceramente: Tu acreditas que José é meu pai de verdade?
─ É claro meu camarada. Como é que tu não és filho de José, se tens uma cara igualzinha a dele. Faz aí um sorriso para Lucas ver! ─ disse Mateus em tom zombeteiro, pois o jeito de rir do futuro messias era inconfundivelmente semelhante ao do pai.
Lucas era o seu amigo mais compenetrado, do qual os pais tinham profetizado que seria médico. Médicina naquela época era uma mistura de curandeirismo e misticismo. Os pais de Lucas eram daqueles judeus extremamente ortodoxos, que acreditavam fanaticamente na literalidade do Velho Testamento, e quase sempre estavam proibindo-o de brincar com seu amiguinho Jesus. Incutiram tanto na cabeça do menino a história do nascimento virginal, que ele começou acreditar na história de um filho sem pai natural. De vez em quando os pais diziam para o Lucas:
“Quem sabe se não é você que vai ser o escolhido para escrever a história sobrenatural da Imaculada Maria, mãe do Filho de Deus, Filho esse, que sendo o próprio Deus, jamais poderia nascer da semente pecaminosa de José?”
Como que para aprovar a história que seus pais, insistentemente lhe contava, Lucas, virando-se para Jesus disse com sua voz pausada e fina:
- Jesus, quando eu crescer, irei contar a história miraculosa do teu nascimento!
─ Quem colocou na tua mente tamanha loucura? Até tu, estás a zombar de mim? ─ gritou Jesus bem ao pé do ouvido do Lucas.
─ Traduz tudo isso em miúdos, senão vou te dar um safanão! ─ falou Jesus, impacientemente.
Mateus afastando Lucas de perto de Jesus, intrometeu-se entre os dois:
─ Meu grande amigo! ─ disse ele se dependurando no pescoço de Jesus:
─ Prometo também contar a tua história, e nela jamais incluirei essa coisa de um filho nascido só da mãe. Toca aqui ─ disse Mateus apertando com força as mãos de Jesus.
─ Prometes mesmo? ─ disse Jesus com um ar mais alegre.
─ Além de prometer, vou te dizer uma coisa - No meu livro escreverei toda a verdade. Acalma-te, que um dia, os que vierem depois de nós, vão saber que José é teu verdadeiro pai ─ falou Mateus, olhando para os olhos de Jesus, que começavam a marejar.
─ Tem mais! ─ disse Mateus eufórico ─ o meu livro vai ser o primeiro que vai contar a tua história. Se o Lucas escrever o dele, vai ser depois do meu.
Foi quando Jesus abriu um largo sorriso, e o Lucas entendeu que não podia negar o que estava vendo. Ele vira nas feições alegres de Jesus, a cara de José “escarrada e cuspida”.
Lucas a caminho de casa matutava com seus botões: “Vou escrever a história de Jesus como meus pais querem. Não irei dar desgostos a eles”. Não sabia Lucas, que mais tarde, Jesus lhe surpreenderia ao nunca revelar por sua boca, que se tornara homem sem a herança do pai no seu proprio sangue.
Conta-se que os dois evangelhos, o de Mateus e o de Lucas, foram encontrados em uma caverna bem perto da cabana do roçado de trigo de José.
P.S.: Ensaio-ficção por Levi B. Santos ─ Baseado na narativa de Mateus, centrada em José e na narrativa mística de Lucas sobre a virgem imaculadada, junto com uma pitada dos Evangelhos Apócrifos.
Guarabira, 11 de maio de 2009
Jesus, nesse dia, não estava muito para conversa. Tinha vindo da escola, onde teve umas escaramuças com os colegas mais afoitos que o apelidavam de “o filho da virgem”. Ele já na mais agüentava essa história de que José era seu pai de “faz-de-conta”.
Durante todos os dias se postava diante de um espelho a observar os mínimos detalhes e feições do seu rosto, ocasião em que dizendo um palavrão, se retirava para o seu quarto com os olhos vermelhos de raiva. Algumas vezes, ele saia chorando para os seus aposentos, pois lá no fundo ele não acreditava que José não fosse seu pai. As coincidências físicas entre ele e seu “adotivo pai” eram muito grandes, e como dizia o ditado, “estampava na cara” que José era seu pai natural. O menino Jesus não entendia o silêncio profundo do seu pai, quando, às vezes, tocava de leve no assunto, à guisa de alguma resposta convicente sobre sua filiação, pois muitos do que o viam sem nunca o ter conhecido antes, diziam logo: "Esse só pode ser filho do carpinteiro José!".
Ficava horas e horas sem dormir a revirar-se na cama, lendo o Livro Sagrado, que dizia que o Messias prometido viria de uma virgem. Mas logo ele, teria que engolir aquilo tudo, para satisfazer aos profetas do tempo antigo? Os dois amiguinhos vendo o semblante perturbado de Jesus, perguntaram, quase já sabendo a resposta que ele daria.
─ O que foi que aconteceu contigo na escola, Jesus? ─ perguntou Mateus.
─ Nada! Nada que interesse a vocês! ─ respondeu Jesus, meio irado.
─ Já sei. Fizeram chacota contigo na escola, sobre tua mãe e teu pai José ─ falou Mateus, levantando-se do chão.
De há muito, o futuro messias vinha notando que só o seu amigo Mateus falava com tanta convicção, enfatizando “Tua mãe e teu pai”. Dessa vez Jesus tomado de coragem, resolveu perguntar se ele acreditava que José era seu pai mesmo.
─ Mateus, me diga sinceramente: Tu acreditas que José é meu pai de verdade?
─ É claro meu camarada. Como é que tu não és filho de José, se tens uma cara igualzinha a dele. Faz aí um sorriso para Lucas ver! ─ disse Mateus em tom zombeteiro, pois o jeito de rir do futuro messias era inconfundivelmente semelhante ao do pai.
Lucas era o seu amigo mais compenetrado, do qual os pais tinham profetizado que seria médico. Médicina naquela época era uma mistura de curandeirismo e misticismo. Os pais de Lucas eram daqueles judeus extremamente ortodoxos, que acreditavam fanaticamente na literalidade do Velho Testamento, e quase sempre estavam proibindo-o de brincar com seu amiguinho Jesus. Incutiram tanto na cabeça do menino a história do nascimento virginal, que ele começou acreditar na história de um filho sem pai natural. De vez em quando os pais diziam para o Lucas:
“Quem sabe se não é você que vai ser o escolhido para escrever a história sobrenatural da Imaculada Maria, mãe do Filho de Deus, Filho esse, que sendo o próprio Deus, jamais poderia nascer da semente pecaminosa de José?”
Como que para aprovar a história que seus pais, insistentemente lhe contava, Lucas, virando-se para Jesus disse com sua voz pausada e fina:
- Jesus, quando eu crescer, irei contar a história miraculosa do teu nascimento!
─ Quem colocou na tua mente tamanha loucura? Até tu, estás a zombar de mim? ─ gritou Jesus bem ao pé do ouvido do Lucas.
─ Traduz tudo isso em miúdos, senão vou te dar um safanão! ─ falou Jesus, impacientemente.
Mateus afastando Lucas de perto de Jesus, intrometeu-se entre os dois:
─ Meu grande amigo! ─ disse ele se dependurando no pescoço de Jesus:
─ Prometo também contar a tua história, e nela jamais incluirei essa coisa de um filho nascido só da mãe. Toca aqui ─ disse Mateus apertando com força as mãos de Jesus.
─ Prometes mesmo? ─ disse Jesus com um ar mais alegre.
─ Além de prometer, vou te dizer uma coisa - No meu livro escreverei toda a verdade. Acalma-te, que um dia, os que vierem depois de nós, vão saber que José é teu verdadeiro pai ─ falou Mateus, olhando para os olhos de Jesus, que começavam a marejar.
─ Tem mais! ─ disse Mateus eufórico ─ o meu livro vai ser o primeiro que vai contar a tua história. Se o Lucas escrever o dele, vai ser depois do meu.
Foi quando Jesus abriu um largo sorriso, e o Lucas entendeu que não podia negar o que estava vendo. Ele vira nas feições alegres de Jesus, a cara de José “escarrada e cuspida”.
Lucas a caminho de casa matutava com seus botões: “Vou escrever a história de Jesus como meus pais querem. Não irei dar desgostos a eles”. Não sabia Lucas, que mais tarde, Jesus lhe surpreenderia ao nunca revelar por sua boca, que se tornara homem sem a herança do pai no seu proprio sangue.
Conta-se que os dois evangelhos, o de Mateus e o de Lucas, foram encontrados em uma caverna bem perto da cabana do roçado de trigo de José.
P.S.: Ensaio-ficção por Levi B. Santos ─ Baseado na narativa de Mateus, centrada em José e na narrativa mística de Lucas sobre a virgem imaculadada, junto com uma pitada dos Evangelhos Apócrifos.
Guarabira, 11 de maio de 2009
9 comentários:
E assim nasceu o Mito. Ando lendo alguns apócrifos, leitura recomendada (principalmente aqueles que foram condenados pelos primeiros papas, pois se eles condenaram, algo de bom deve ter...)
Mestre,
Tu está de perseguição comigo?
rsrsrs.
Segunda Jesuscidência em nossos posts.
Só que a tua é muito superior, a minha foi só uma viagenzinha sem base alguma, coisa da cabeça apenas, rsrs.
Eu ainda estou aprendendo, rsrs.
10/05
http://evaldocristao.blogspot.com/2010/05/maria-maria-que-barriga-e-esta.html
Abraços,
Evaldo Wolkers.
Deve ser daí que nasceu as tendências pentecostal e tradicional, literária e alegórica ortodoxa e liberal.
De qualquer forma ou de outra os livros foram escritos por gente como a gente de perspectivas, convicções, tendências e temperamentos diferentes.
Se todos não narram a mesma historia sinal de que todos não estavam de comum acordo com a mesma opinião dos maus entendidos que se passaram com os pais de Jesus.
Quanto aos evangelhos apócrifos o que você tem mais a nos informar?
Prezado Gabriel
Há muito tempo venho me interessando pela narrativa dos evangelhos apócrifos. Talvez por gostar muito de histórias humorísticas, é que encontrei neles uma fonte de riqueza inesgotável, para confrontar a mesmice do evangeliquês universal que assola o nosso país.
Os apócrifos trazem para o presente as histórias do cristianismo primitivo, com seus risíveis e humanos casos, ao lado da narração mítica em estilo de prosa.
Lendo-os, eu me vejo criança entre os adultos, sentado em tamboretes nas calçadas,saboreando os "causos e comédias" do meu torrão natal.
Abçs,
Levi B. Santos
Levi, pelo andar da carruagem, tuas belas releituras em breve serão reunidas num compêndio com o título: "Evangelhos para o mundo do século 21".
E quando o mundo adentrar ao século 22, eles serão canonizados como os únicos inspirados por deus.
Caro Eduardo
A ortodoxia jamais mostraria um Jesus tão humano, a ponto de ser igual a nós, com mãe e pai naturais.
Os evangelhos apócrifos parecem levar na brincadeira as histórias miraculosas de Jesus, exibindo uma narrativa parecida com um conto de fadas, não achas?
Ao mesmo tempo, não podemos negar que eles transmitem mais calor humano em suas narrativas, trazendo o Mestre dos mestres para bem pertinho da gente, através de uma linguagem romanceada e alegre, sem aquela aura de sacralidade existente nos sinópticos.
Levi, é isso mesmo. Mas foi exatamente a ausência desta aura de sacralidade que levou os pais da igreja a descartá-los como não inspirados.
Como se não houvesse inspiração no pitoresco. Literariamente falando, muitas narrativas apócrifas dos evangelhos são de fato, escritas em forma lendárias.
Mas todo e qualquer homem que deixou marcas indeléveis na alma e na espiritualidade da humanidade, por fim, torna-se mesmo Lenda.
Como seria diferente com o maior deles? A própria encarnação da força e da motivação divina?
Fala a Levi!
Usei um texto seu (parafrase da música Vai passar do Chico) na minha coluna na Cristianismo Hoje que vai as bancas de jornais em junho, citado claro.
Abs
Danilo
Prezado amigão Danilo
Ihhhhhhhh, rapaz!
Publicasse aquela paródia do "Vai Passar"
Vão colocar o herege aqui, nas profundezas do... (rsrsrs)
Mas me diga uma coisa: Onde posso encontrar uma edição desse jornal por esse mundão paraibano de Deus?
Um abração,
levi B. Santos
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