30 outubro 2010

ESTRANGEIRO DE MIM




O pensar midiático dos dias atuais

Transformou-me em um ser errante

Um exilado em minha própria casa

Sentenciado a entender os outros

E de ninguém ser entendido.

A frivolidade leva meus pensamentos

A lugares comuns, onde me detenho.

Tento me massificar com o “isto” e “aquilo”

Provocadores de efêmeros gozos

E no tumulto sem sentido do cotidiano

Me transporto a um deserto.

Em meio ao silêncio sepulcral ouço o inominável

Debatendo-se em meu ser

E esse outro que tanto me incomoda

É apenas o estrangeiro de mim mesmo.


Guarabira, 30 de outubro de 2010

27 outubro 2010

Como Eles Conjugam o Verbo “MENTIR”

’Eu daria tudo que tivesse,

Para voltar aos tempos de criança

Que saudade da professorinha

Que me ensinou o bê-a-bá.

“Trecho da canção de Ataulfo Alves”:

(Os meus tempos de criança)


Uma saudade imensa me invade o coração, ao lembrar as concorridas e alegres sabatinas de conjugação de verbos, 55 anos atrás, quando fazia o Primário numa escolinha de fundo de quintal. Recordo como se fosse hoje: eu e meus coleguinhas conjugávamos quase todos os verbos. Entre eles, lá estava o emblemático verbo “mentir”. Sem alvoroço e com muito respeito, perfilados diante da velha professorinha, recitávamos a conjugação do verbo ‘mentir’ no presente do indicativo:

Eu minto

Tu mentes

Ele mente

Nós mentimos

Vós mentis

Eles mentem

A professora aplaudia e concluía com a sua rouca voz: “PERFEITO MENINOS!

"Com quanta sem-cerimônia e espontaneidade conjugávamos este verbo, que hoje se constitui uma tarefa tão temida por parte dos políticos que almejam um cargo público em época de eleição. É por ocasião dos arremedos sem seriedade denominados debates e programas eleitorais que eles mandam a gramática às favas, em prol dos seus interesses, muitas vezes escusos. Não podendo abolir o verbo mentir, tornaram-no defectivo, ou seja, aboliram a primeira pessoa do singular e do plural, desfigurando a conjugação do emblemático verbo. Melhor dizendo, o conjugam para os outros e não para eles". Que vergonha senhores! Vejam o que eles fizeram com a nossa gramática dos tempos do Primário, e como ficou o verbo MENTIR no presente do indicativo:

Eu ...?.....

Tu mentes

Ele mente

Nós ....?...

Vós mentis

Eles mentem

O grande problema de escamotear a verdade em época de eleições é muito grave. Segundo aquele que foi considerado o maior cientista político da modernidade — o Italiano Noberto Bobbio (1909-2004) —, “o senso comum aceitou pacificamente que o homem político pode se comportar de modo dissonante da moral comum, que um ato ilícito em moral pode ser considerado e apreciado como lícito em política, em suma, a política obedece a um código de regras ou sistema normativo que não se coaduna e em parte é incompatível com o código de regras de conduta moral”.

Jean Paul Sartre, em seu livro “As Mãos Sujas”, sustentava a tese de que quem desenvolve uma atividade política não pode deixar de sujar as mãos (de lama ou mesmo de sangue).

Com tudo isso, o que eu quero, é chegar, justamente, ao grande teatro trágico-cômico que é o da propaganda eleitoral, e dos debates televisivos dos candidatos à Presidência da República, em que os atores pelo posto máximo da nação se digladiam o tempo todo acusando um ao outro de MENTIR.

Ah, se a minha professorinha dos idos de 1954 estivesse viva, diria para esses personagens maquiavélicos: PARA O CASTIGO, TODOS!”

"Nos meus tempos de criança, não tinha medo nem preconceito ao dizer: 'eu minto'. Já hoje, a conjugação deste verbo feita de forma irregular tornou-se muito perigosa, pois diz uma triste e dura verdade que pode prejudicar os nossos honoráveis representantes em suas tenebrosas negociatas. Hoje, parece que eles recalcaram a primeira pessoa do singular e do plural do verbo MENTIR para um lugar chamado “inconsciente”. Inconsciente este, tal qual um porão, esconde crimes não ditos e desejos inconfessáveis".

Cabe aqui, citar o pensamento do grande filósofo francês Paul Valéry: “Os homens (políticos) se diferenciam pelo que dizem, e se parecem pelo que escondem”.


P.S.: Tenho apenas três dias para decidir em quem votar. Quem sabe se até lá, Dilma ou Serra, ou os dois juntos, não irão conjugar, em alto e bom som, o verbo MENTIR de forma regular, como eu e os meus coleguinhas fazíamos, como iniciantes na arte gramatical portuguesa? (rsss)


Ensaio por Levi B. Santos (adaptação do post - "levibronze.blogspot.com/2006/09/conjugar-no-meu-tempo-de-criança.html")


Guarabira, 27 de outubro de 2010

20 outubro 2010

TRAVESSEIROS PARA SONHAR


No país chamado Divinolândia os indivíduos eram híbridos de carne e sonhos. A exploração do sentimento religioso deu um sentido especial à vida da maioria dos divinolandenses, quando uma criação maravilhosa levou muitos ao delírio e alguns sortudos ao pódio máximo da fama.

Surgiu então uma profissão, dita sagrada — a de “vendedor de travesseiros para sonhar”.

O povão suspirava de alívio, pois teria enfim chegado o momento de ter sonhos gloriosos. Os travesseiros vendidos eram para produzir sonhos fantásticos e eletrizantes. A maioria foi envolvida num misterioso clima dos sonhos extraordinários que os travesseiros produziam. Repentinamente, essa descoberta fez o comércio se expandir de forma geométrica. Por fim, já existiam os comerciantes que vendiam travesseiros de duas faces; uma face para sonhos bons, e outra para sonhos de terror e suspense. Desse modo, os astutos vendedores faturavam mais, pois vendiam um pelo preço de dois.

Alguns de Divinolândia, inutilmente, propagavam que os sonhos eram conteúdos vindos da mente, mas não eram compreendidos pela massa ignara que achava que os travesseiros captavam algo do ar para dentro das cabeças adormecidas sobre os travesseiros miraculosos.

Os que faziam parte da elite da sociedade achavam tudo aquilo ridículo e não mais suportavam o “frenesi” de gente à procura de travesseiros para sonhar. Estes começaram a estudar nos livros da velha biblioteca central e ficaram a par da cultura fundadora daquele povo. Estudaram tanto nos pergaminhos que a palavra SONHO ficou maior do que os versos que a continha. Fizeram inúmeras reuniões no sentido de acabar com o devaneio travesseiral dos sonhadores.

A febre de sonhos que caiu sobre Divinolândia estava prejudicando até a vida econômica do país, pois de todos os produtos de exportação, só a venda de travesseiros para sonhar é que estava a todo vapor.

As pessoas situadas no topo da aristocracia, que também sonhavam aleatoriamente sonhos, ora bons, ora terrificantes sem necessidade dos travesseiros, tiveram uma ideia, e, de comum acordo, começaram a espalhá-la aos quatro cantos do país. Já que lutar contra os travesseiros e os seus vendedores era uma tarefa inglória e fadada ao insucesso, só lhes restavam uma única alternativa: propagar cientificamente que os sonhos não existem, por não ser algo demonstrável ou palpável.

Aos que diziam que os travesseiros produziam sonhos, os da elite cultural respondiam: “Isso é uma ilusão!”- “Isso é uma loucura”.

Aos que diziam que vivenciaram os sonhos, e por isso, estavam certos que eles existiam, os estudiosos dos livros da grande biblioteca, retrucavam: “os sonhos não existem!”. Mas entre os dois grupos em atrito havia os moderados que apesar de não concordarem com travesseiros produtores de sonhos, não asseveravam que sonhos eram loucuras ou ilusões, pois, criam perfeitamente que ao sonhar, o ser humano estava entrando em contato com o seu conteúdo mental reprimido ou excluído da consciência, e compreendiam que as racionalizações que constituíam o real do seu dia-a-dia eram determinadas por forças provindas de um porão obscuro denominado INCONSCIENTE.

Mas, eis que um da elite cética cultural de Divinolândia, numa noite solene, teve um sonho fantástico em que um dragão denominado “Ciência” lhe apareceu em vestes brancas fazendo uma destradução de Atos 2: 17, da qual ele gravara só essa parte, que diz: “Nos últimos dias, digo eu, derramarei do meu espírito sobre toda a carne. Naqueles dias os vossos jovens não mais terão visões nem os vossos velhos terão mais sonhos”.

Um deles tinha tanta certeza de que chegaria esse dia, que uma noite sonhou que o dragão da ciência aparecia todo resplandecente à sua frente, bradando: Tenha fé, tenha fé, não esmoreça que esse dia chegará, e não tardará!”.


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 20 de outubro de 2010


13 outubro 2010

A VIDA É UM “JOGO CHINÊS”



Só o morto não DESEJA. Foi o VAZIO de nossa orfandade que inscreveu em nós a PULSÃO DOS DESEJOS. Daí se dizer, à respeito do homem Cristo, que Deus se ESVAZIOU. Num exercício de imaginação podemos dizer que Deus para enfrentar o VAZIO de Sua solidão, DESEJOU. A expulsão do “Anjo de Luz” do Seu céu, deixou um VAZIO que se transformou no motor para o empreendimento de uma eterna busca pelo que se havia perdido.

Parece até um delírio psicológico e filosófico discorrer sobre a mente de Deus, se mal conheço as entranhas do meu inconsciente. É claro que quando falo da “mente de Deus” eu a estou traduzindo de acordo com a minha realidade intrapsíquica.

Mas, foi observando com calma a dinâmica de um quebra-cabeça chinês, que pude ver com clareza a história da FALTA que põe em movimento o moinho dos ANSEIOS HUMANOS, tão bem descrito nas irretocáveis metáforas do prólogo bíblico do Gênesis.

Todos nós conhecemos o jogo do quebra-cabeça chinês: um pequeno quadrado, em cujo interior ficam letras ou números estampados em quadradinhos móveis. Nele existe um lugar VAZIO que permite movimentar as peças uma após outras, com o intuito de formar uma palavra ou compor uma ordem numérica. É graças a essa AUSÊNCIA, VAZIO OU FALTA, que o jogo pode então começar. Sem esse VAZIO o jogo não funciona.

Da mesma forma que o jogo chinês, assim funciona a nossa vida. Temos um VAZIO, algo que nos falta e que, na ânsia de preenchê-lo, apenas o mudamos de lugar. O VAZIO não desaparece, ele sempre está se encontrando em uma outra parte de nossa trágica e jubilosa vida, como no quebra-cabeça chinês.

Não é o VAZIO do estômago que, por exemplo, nos faz sentir o DESEJO denominado FOME? O desejo pelo PÃO de cada dia?

É por isso que no meio cristão é comum cantar em versos, hinos que sempre falam em um vaso VAZIO, a ser preenchido, como, por exemplo, essa estrofe retirada do hinário “Harpa Cristã”:

O Senhor precisa de vasos para encher

Mas VAZIOS vasos que irão conter

Toda a sua graça, brasa do altar

Para o fogo espalhar.”


Quando decidimos nos juntar em uma confraria virtual, é porque antes, fomos movidos pela sensação da “FALTA” de um outro - que estimula a BUSCA pelos encontros interpessoais. Sentados ao redor de uma “farta mesa virtual” damos vazão ao desejo de repartir o PÃO uns com os outros, mas esse desejo nunca se completa, porque sempre haverá uma cadeira VAZIA. Em nossa trajetória existencial empre haverá uma 'cadeira vazia' no meio desse  estranho caminho carregado  de Desejos Humanos na eterna BUSCA da completude inalcançável.

Diz a História, que Napoleão Bonaparte teve um encontro com o Czar soviético para debater sobre o futuro da relação entre a França revolucionária e a Rússia. O Czar, em determinado momento, horrorizado com a “gula de poder” do seu amigo, então disparou: “Eu luto pela honra, e vejo que o senhor luta por dinheiro.” Ao que Napoleão teria respondido: “Cada um luta pelo que não tem”.

Aqui, eu acrescentaria: Cada um luta pelo que não tem, ou pelo que se perdeu (no emaranhado do inconsciente)”

Se não houvesse uma casa vazia, as peças do jogo chinês não se movimentariam para dar início à peleja. Assim é a nossa vida, cuja verdade por ser nômade e não FIXA, precisa dos espaços VAZIOS para ser também lida nas entrelinhas do nosso périplo existencial.

Como uma galinha que instintivamente agasalha seus pintinhos debaixo das asas, assim o “Filho do Homem” em sua rápida trajetória, DESEJOU ardentemente, ou seja, lutou até o fim procurando juntar seus filhotes debaixo de suas asas, ou seja, de forma metafórica, unir-se à sua outra parte que havia se perdido lá no Gênesis da história divina do homem. É Dele essa frase:

Eu vim buscar o que se havia perdido.” (Jesus Cristo)



Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 13 de Outubro de 2010

08 outubro 2010

Minha Crônica Para o Dia das Crianças



Agora, já ultrapassando a barreira dos sessenta e quatro anos de idade, sinto uma saudade danada do meu tempo de menino, e ao mesmo tempo fico um pouco entristecido ao ver as criancinhas de hoje, em sua maioria, petrificadas à frente das telinhas de televisão, sendo bombardeadas por programas infantis, que nada tem a ver com o meu mundo de outrora. Sinto pena, quando vejo os meninos da modernidade sentados passivamente em suas poltronas, absorvendo conteúdos de um mundo midiático, cujo sustentáculo é baseado em futilidades importadas de uma cultura hegemônica de pretensões puramente hedonistas.

A criançada de hoje não produz como as de antigamente, porque passou a ser, simplesmente, consumidora ávida da programação infantil das redes televisivas dominadoras. Os programas infantis diários roubaram dos meninos aquilo que tínhamos de mais sublime: o poder de através da imaginação CRIAR um mundo genuinamente nosso. As crianças do mundo globalizado, coitadas, com apenas três anos de idade, mal começando a aprender o português, já sabem de cor e salteado os personagens de desenhos infantis, como: “Barney”, Backyardigans, Bob Esponja, Hello Kit, Mickey, etc. Ali, sentadas, horas e horas, assistindo as “doçuras da modernidade”, vão perdendo paulatinamente aquilo que tínhamos de melhor no mundo dos nossos quintais: “a capacidade de criar”, o poder intuitivo de com as mãos enfiadas no barro molhado, dar forma ao que vinha a nossa imaginação. Bons tempos aqueles em que nos sentíamos como deuses, ao criarmos os nossos próprios brinquedos.

Para exercer a sua atividade criadora, as crianças de hoje não têm mais os quintais que tínhamos outrora. Nas grandes cidades elas vivem enjauladas em apartamentos que mais parecem gaiolas; subsistem como os passarinhos presos por muito tempo, e que quando soltos da prisão, mal levantam do chão, pois perderam a capacidade de voar.

O mundo cibernético já lhes oferece tudo às mãos, sem o mínimo de esforço. Os enlatados oferecidos são em número tão variado, que elas perdem a capacidade ou o poder de criar algo por si só. Não há como a sua imaginação trabalhar, pois tudo aparentemente já foi imaginado e criado pela mídia de produtos infantis.

Ao se aproximar o Dia das Crianças, o frenesi de pessoas apressadas e estressadas nos supermercados e nas lojas de brinquedos, nada lembra o meu velho e tranqüilo quintal de barro batido, cercado por estacas e arames farpados. Lembro que a “faxina” — como era popularmente chamada o muro de varas entrelaçadas do meu quintal —, servia de apoio às trepadeiras que forneciam as “bucheiras” para fabricação dos bois e ovelhas da minha imaginária fazenda.

Lembro-me, como se fosse hoje, da musiquinha que era muito tocada nos rádios à válvulas das marcas Pyonner e Phillips, na semana da criança. Essa canção foi originalmente cantada pelas crianças da Casa de Lázaro (Rio de Janeiro), fundada em 11 de outubro de 1938.

Quem for dessa época e queira relembrar aqueles bons tempos, abra os olhos do coração e se deixe levar pelas vozes das crianças da década de 1950, com a participação do Rei da Voz — Francisco Alves.


03 outubro 2010

Nossas Origens - Segundo Melanie Klein


http://www.youtube.com/watch?v=cKvn44S1t5E

Esta é a primeira de uma série de vídeos de psicanálise que tenciono trazer a cada mês. O objetivo primordial é o de proporcionar uma revisita ao passado dos nossos sentimentos primitivos.


P.S.:

Fomos destronados para viver a ambivalência dos nossos desejos, para viver a angústia do EXISTIR. Agora, o VAZIO instaurado pela separação do “Trono Real”, é traduzido pela angústia de não poder voltar às entranhas de nossa bondosa mãe. Como disse LACAN: o REAL passou a ser o nosso GOZO nos níveis IMAGINÁRIO e SIMBÓLICO. Eis aí, o nosso único alento: vivenciar as pulsões de vida e de morte no âmbito de nossa subjetividade.

Contudo, sabemos que o eterno desejo de reencontrar o lugar primevo de doçuras sem amarguras é o motor que, todos os dias, nos impulsiona a expulsar "Anjos Caidos" do nosso paradoxal "Céu existencial".

A TERRA QUE MANA LEITE E MEL” — da tradição Judaica, hoje, para nós, é apenas uma metáfora representativa do desejo de voltar às tetas maternas que alimentaram os nossos primeiros instintos. Das coisas que os antigos viam com os olhos externos, a psicanálise, graças às lentes poderosas de Judeus hereges, conseguiu vislumbrar um Reino que não estava lá fora, confirmando o que um certo Homem, há dois mil anos, disse: “O REINO DE DEUS ESTÁ DENTRO DE VÓS”.


Guarabira, 03 de outubro de 2010