No país chamado Divinolândia os indivíduos eram híbridos de carne e sonhos. A exploração do sentimento religioso deu um sentido especial à vida da maioria dos divinolandenses, quando uma criação maravilhosa levou muitos ao delírio e alguns sortudos ao pódio máximo da fama.
Surgiu então uma profissão, dita sagrada — a de “vendedor de travesseiros para sonhar”.
O povão suspirava de alívio, pois teria enfim chegado o momento de ter sonhos gloriosos. Os travesseiros vendidos eram para produzir sonhos fantásticos e eletrizantes. A maioria foi envolvida num misterioso clima dos sonhos extraordinários que os travesseiros produziam. Repentinamente, essa descoberta fez o comércio se expandir de forma geométrica. Por fim, já existiam os comerciantes que vendiam travesseiros de duas faces; uma face para sonhos bons, e outra para sonhos de terror e suspense. Desse modo, os astutos vendedores faturavam mais, pois vendiam um pelo preço de dois.
Alguns de Divinolândia, inutilmente, propagavam que os sonhos eram conteúdos vindos da mente, mas não eram compreendidos pela massa ignara que achava que os travesseiros captavam algo do ar para dentro das cabeças adormecidas sobre os travesseiros miraculosos.
Os que faziam parte da elite da sociedade achavam tudo aquilo ridículo e não mais suportavam o “frenesi” de gente à procura de travesseiros para sonhar. Estes começaram a estudar nos livros da velha biblioteca central e ficaram a par da cultura fundadora daquele povo. Estudaram tanto nos pergaminhos que a palavra SONHO ficou maior do que os versos que a continha. Fizeram inúmeras reuniões no sentido de acabar com o devaneio travesseiral dos sonhadores.
A febre de sonhos que caiu sobre Divinolândia estava prejudicando até a vida econômica do país, pois de todos os produtos de exportação, só a venda de travesseiros para sonhar é que estava a todo vapor.
As pessoas situadas no topo da aristocracia, que também sonhavam aleatoriamente sonhos, ora bons, ora terrificantes sem necessidade dos travesseiros, tiveram uma ideia, e, de comum acordo, começaram a espalhá-la aos quatro cantos do país. Já que lutar contra os travesseiros e os seus vendedores era uma tarefa inglória e fadada ao insucesso, só lhes restavam uma única alternativa: propagar cientificamente que os sonhos não existem, por não ser algo demonstrável ou palpável.
Aos que diziam que os travesseiros produziam sonhos, os da elite cultural respondiam: “Isso é uma ilusão!”- “Isso é uma loucura”.
Aos que diziam que vivenciaram os sonhos, e por isso, estavam certos que eles existiam, os estudiosos dos livros da grande biblioteca, retrucavam: “os sonhos não existem!”. Mas entre os dois grupos em atrito havia os moderados que apesar de não concordarem com travesseiros produtores de sonhos, não asseveravam que sonhos eram loucuras ou ilusões, pois, criam perfeitamente que ao sonhar, o ser humano estava entrando em contato com o seu conteúdo mental reprimido ou excluído da consciência, e compreendiam que as racionalizações que constituíam o real do seu dia-a-dia eram determinadas por forças provindas de um porão obscuro denominado INCONSCIENTE.
Mas, eis que um da elite cética cultural de Divinolândia, numa noite solene, teve um sonho fantástico em que um dragão denominado “Ciência” lhe apareceu em vestes brancas fazendo uma destradução de Atos 2: 17, da qual ele gravara só essa parte, que diz: “Nos últimos dias, digo eu, derramarei do meu espírito sobre toda a carne. Naqueles dias os vossos jovens não mais terão visões nem os vossos velhos terão mais sonhos”.
Um deles tinha tanta certeza de que chegaria esse dia, que uma noite sonhou que o dragão da ciência aparecia todo resplandecente à sua frente, bradando: “Tenha fé, tenha fé, não esmoreça que esse dia chegará, e não tardará!”.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 20 de outubro de 2010