’Eu daria tudo que tivesse,
Para voltar aos tempos de criança
Que saudade da professorinha
Que me ensinou o bê-a-bá.
“Trecho da canção de Ataulfo Alves”:
(Os meus tempos de criança)
Uma saudade imensa me invade o coração, ao lembrar as concorridas e alegres sabatinas de conjugação de verbos, 55 anos atrás, quando fazia o Primário numa escolinha de fundo de quintal. Recordo como se fosse hoje: eu e meus coleguinhas conjugávamos quase todos os verbos. Entre eles, lá estava o emblemático verbo “mentir”. Sem alvoroço e com muito respeito, perfilados diante da velha professorinha, recitávamos a conjugação do verbo ‘mentir’ no presente do indicativo:
Eu minto
Tu mentes
Ele mente
Nós mentimos
Vós mentis
Eles mentem
A professora aplaudia e concluía com a sua rouca voz: “PERFEITO MENINOS!”
"Com quanta sem-cerimônia e espontaneidade conjugávamos este verbo, que hoje se constitui uma tarefa tão temida por parte dos políticos que almejam um cargo público em época de eleição. É por ocasião dos arremedos sem seriedade denominados debates e programas eleitorais que eles mandam a gramática às favas, em prol dos seus interesses, muitas vezes escusos. Não podendo abolir o verbo mentir, tornaram-no defectivo, ou seja, aboliram a primeira pessoa do singular e do plural, desfigurando a conjugação do emblemático verbo. Melhor dizendo, o conjugam para os outros e não para eles". Que vergonha senhores! Vejam o que eles fizeram com a nossa gramática dos tempos do Primário, e como ficou o verbo MENTIR no presente do indicativo:
Eu ...?.....
Tu mentes
Ele mente
Nós ....?...
Vós mentis
Eles mentem
O grande problema de escamotear a verdade em época de eleições é muito grave. Segundo aquele que foi considerado o maior cientista político da modernidade — o Italiano Noberto Bobbio (1909-2004) —, “o senso comum aceitou pacificamente que o homem político pode se comportar de modo dissonante da moral comum, que um ato ilícito em moral pode ser considerado e apreciado como lícito em política, em suma, a política obedece a um código de regras ou sistema normativo que não se coaduna e em parte é incompatível com o código de regras de conduta moral”.
Jean Paul Sartre, em seu livro “As Mãos Sujas”, sustentava a tese de que quem desenvolve uma atividade política não pode deixar de sujar as mãos (de lama ou mesmo de sangue).
Com tudo isso, o que eu quero, é chegar, justamente, ao grande teatro trágico-cômico que é o da propaganda eleitoral, e dos debates televisivos dos candidatos à Presidência da República, em que os atores pelo posto máximo da nação se digladiam o tempo todo acusando um ao outro de MENTIR.
Ah, se a minha professorinha dos idos de 1954 estivesse viva, diria para esses personagens maquiavélicos: “PARA O CASTIGO, TODOS!”
"Nos meus tempos de criança, não tinha medo nem preconceito ao dizer: 'eu minto'. Já hoje, a conjugação deste verbo feita de forma irregular tornou-se muito perigosa, pois diz uma triste e dura verdade que pode prejudicar os nossos honoráveis representantes em suas tenebrosas negociatas. Hoje, parece que eles recalcaram a primeira pessoa do singular e do plural do verbo MENTIR para um lugar chamado “inconsciente”. Inconsciente este, tal qual um porão, esconde crimes não ditos e desejos inconfessáveis".
Cabe aqui, citar o pensamento do grande filósofo francês Paul Valéry: “Os homens (políticos) se diferenciam pelo que dizem, e se parecem pelo que escondem”.
P.S.: Tenho apenas três dias para decidir em quem votar. Quem sabe se até lá, Dilma ou Serra, ou os dois juntos, não irão conjugar, em alto e bom som, o verbo MENTIR de forma regular, como eu e os meus coleguinhas fazíamos, como iniciantes na arte gramatical portuguesa? (rsss)
Ensaio por Levi B. Santos (adaptação do post - "levibronze.blogspot.com/2006/09/conjugar-no-meu-tempo-de-criança.html")
Guarabira, 27 de outubro de 2010
3 comentários:
Brilhante Levi,
Veja no meu blog: " A Palavra dos políticos." Ponho aqui apenas o primeiro parágrafo: "No "orvalho" das palavras dos políticos – em discursos de ocasião de vésperas de eleições - há «arco-íris» travestidos. Por vezes sinto-os como "uivos" de lobos a tocar presságios antigos, outras vezes como enternecedores apelos, chamamentos, sinais...como se eu ainda tivesse todas as fragilidades da incerteza e/ou o deslumbramento da novidade...."
Paulo Sempre lusitano.
Abraços.
Durante toda eleição eu também não tive certeza em quem votar, mas tenho que contribuir, não tem jeito.
O interessante que cada propaganda consegue nos convencer até a outra passar rsrs sou Serra quando vejo a propaganda do Serra e sou Dilma quando vejo a propaganda da Dilma, por quê?
Eu respondo Levi rsrs
Porque eles são sofistas (mentirosos) que falam ao nosso “coração” com suas propagandas bem elaboradas e chamativas que fazem tudo parecer perfeito e maravilhoso.
Seus vídeos das obras em andamento, do progresso do país acaba nos segando, pois realmente seus comerciais nos empolgam fazendo a gente acreditar que se votarmos nele a coisa vai pra frente.
Realmente não sei por quem eu vou deixar ser enganado!?
Brincadeira sou Serra na cabeça desde que eu percebi que o Lula é maior do que o PT e a Dilma é fruto do PT, portanto votar nela não é votar em um grande personagem que fez historia, mas em quem é conseqüência da historia de outro.
Ops!? Estou fazendo propaganda política em seu blog, perdão rsrs
"Não podendo abolir o verbo mentir, tornaram-no defectivo, ou seja, aboliram a primeira pessoa do singular e do plural, desfigurando a conjugação do emblemático verbo."
seria cômico se não fosse trágico e verdadeiro. Mas permita rir da sua espirituosa construção. kkkkkkkkkkk
estou meio atrasado, desculpe-me, mas as obras aqui em casa estão me deixando sem muito tempo de ler todos os blogues que eu sempre leio. Mas agora estou atualizando meus comentários.
abração
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