Foi bem no final de sua “via crucis”, que Ele tomou conhecimento do fim trágico de Judas. Alguém, ali perto, sussurrou aos seus ouvidos o que tinha acontecido ao seu desafortunado amigo.
Apesar de cansado, ofegante e banhado em sangue, Ele chorava não só por suas dores. Dos seus recônditos afetivos fluia, também, um choro pelo seu maior amigo que fraquejara, quando por força das circunstâncias, foi forçado a delatá-Lo. Tinha recebido trintas moedas de prata, e isso, era o mínimo, diante da coragem que ele demonstrou depois, ao jogá-las de volta na cara daqueles que tentaram corrompê-lo.
O Mestre estava arrasado com o sofrimento que levara o seu melhor amigo a tomar aquela atitude extrema, de se jogar de cima de um penhasco: Duas lágrimas rolaram dos seus olhos quando Ele balbuciou: “Coitado, o seu pecado não foi maior do que o de Pedro ─ aquele que por três vezes me negou diante das autoridades”.
Continuou a sua caminhada cambaleante carregando a pesada cruz. Parecia inacreditável , mas, aqueles dois toros de madeira que levava sobre os ombros, não pesavam tanto quanto o sentimento profundo que dilacerava seu peito pela perda do amigo de infância.
De passos trêmulos, tombando aqui e ali, já sem forças e com a vista a escurecer, Ele via pelos olhos da alma, exércitos de anjos saindo de um céu aberto, avançando ao seu encontro. Naquela imensa agonia, por um instante, se viu junto ao seu amigo Judas. Viu-se criança de novo. Lembrou-se de que, carinhosamente, o chamava de “Juju”, e, também, das estripulias e escaramuças que faziam juntos pelas ruelas e sítios de Nazaré, cavando poços, fazendo moleques e jarros de barro, à sombra das parreiras e oliveiras.
Que grande coincidência! Pois não é que Judas, minutos antes, tivera o seu coração tomado pelos mesmos sentimentos do seu amigo do peito. Sentira-se invadido pelas mesmas lembranças da infância, quando fazia juras eternas, prometendo ao querido amigo, que nunca O abandonaria.
No cimo da colina a ventania fria da tarde açoitava o corpo de Judas. Sua cabeça estava tomada por um vendaval de pensamentos, que traduzidos, diziam, que não haveria mais razão para ele continuar existindo, sem a companhia de seu grande amigo. O remorso advindo da gravidade do ato que cometera era tão intenso, que ele jamais poderia imaginar que Cristo o perdoaria. Dizia então no seu íntimo: “Viver sem Ele ao meu lado, é melhor morrer!” .
Deteve-se meditando por alguns instantes, para em seguida jogar-se despenhadeiro abaixo. Por alguns segundos teve a impressão de ver cavaleiros reluzentes de prata, com uma grande rede lá embaixo apara ampará-lo na queda. Quis falar, mas não conseguiu, pois uma onda extremamente gelada partindo dos pés à cabeça, parecia querer anestesiá-lo. No último instante, com a cabeça a pender sobre um galho de bambu, lembrou-se onde estava, o que era, e porque sentia dor. Ouviu uma voz que dizia: “Não! Não és um covarde, nem desertor, nem tampouco traidor!”.
Não muito longe dali, estava seu amigo pendurado na Cruz em estado de desidratação. Ao lado Dele estava também crucificado o ladrão chamado Dimas que, em seus últimos momentos, lhe fez essa súplica: “Lembra-Te de mim quando entrares no Teu Reino”. Na imaginação, o que Cristo via não era a imagem de Dimas, mas sim, a do amigo Judas, ali bem ao seu lado, pedindo-Lhe socorro.
Com a mente confusa por um pré-coma que se aproximava, ainda teve forças para balbuciar algumas palavras em direção à figura imaginária do amigo e confidente:
─ Judas, meu irmão e amigo ─ disse Cristo, bem baixinho, começando a tremer por inteiro ─ Porque fizeste isto? Partiste, sem ao menos saber que eu antes já tinha pedido ao meu Pai que te perdoasse.
Fazendo um esforço sobre-humano, já sucumbindo, com sua voz trêmula na direção de Dimas (ou Judas), assim balbuciou: “Hoje mesmo estarás comigo no PARAÍSO”.
Dizem, que os dois amigos foram solidários até no momento da partida. “O que está feito, está feito!” ─ foi o último brado que saiu de suas gargantas.
P.S.: Com o passar dos anos, em nossa cultura, Judas ficou conhecido como a encarnação do diabo. Cristo, o chamava de amigo e sabia que mais cedo ou mais tarde a elite político/religiosa, hipócrita e corrupta que, incessantemente O perseguia, iria lhe impor a pena máxima de morte de cruz. É triste constatar que a morte Daquele que pregou o perdão de forma ilimitada, seja projetada maldosamente sobre um dos seus discípulos, como mostra o hediondo ato simbólico de vingança (malhação de Judas) que ainda hoje perdura nos sábados de Aleluia.
DIGA NÃO À MALHAÇÃO DE JUDAS.
[Ensaio-ficção publicado na páscoa de 2010]