Entre os inúmeros e emblemáticos casos que passaram por seu consultório, achei interessante trazer, resumidamente, a história de uma criança compulsiva, que eu mesmo rotulei de “A Criança e a Máquina de Costura”.
Dizia a mãe: “a minha criança é bem boazinha, não dá nenhum trabalho”.
A criança de início ficava em um berço, depois em uma cadeira, mas sempre ao lado da mãe a trabalhar em sua máquina de costura. A sua genitora tecia coletes que eram entregues a uma manufatura para a qual trabalhava o dia inteiro.
O menino não chegou a conhecer seu pai, mas tinha na máquina de costura o substitutivo dele. O senhor da mãe — a máquina de costura —, era o provedor que lhe fornecia a sobrevivência. Assim narrou, Françoise, poeticamente: “o pé da mãe no pedal, num vai-vem para cima e para baixo, forjou nele a mania de repetição, o ruído da máquina era a trilha sonora de seu devaneio amoroso, antes da escola. Mas mesmo antes de ir à escola, ele acendia o fogão à gás, punha a mesa, punha a panela de sopa no fogo e ia buscar o pão. Depois, quando terminava o seu trabalho doméstico, sentava em sua poltroninha para contemplar a sua mãe trabalhando, e olhava os coletes se acumulando sob a máquina de costura de pedal. De quando em quando, sua mãe olhava para ele e trocavam sorrisos. E, como um gato, ele ia beijá-la, depois voltava para o seu lugar. Assim era a vida desses dois seres até o momento em que a mãe o pôs na escola”.
“Na escola, ele se comportou de forma completamente fóbica. Ele se enfiava debaixo da saia da mãe, chorava, não queria ir para a escola. A professora foi compreensiva, gentil, e ele ia se esconder na saia da professora. Ele via na saia da professora a saia da mãe e só. Quando o nosso relógio de pulso pára, nós o sacudimos no intuito de fazê-lo funcionar. Assim os seus coleguinhas o sacudiam, para que ele vivesse, e, como fazemos nós, adultos, eles o cutucavam para ver se o mesmo reagia. Como a mãe queria, ele ia à escola, mas se apagava completamente, não sabia dirigir a fala, só tinha aprendido a escutar. Segundo a direção da escola, o menino era um ‘retardado mental’”.
Ele aprendera da máquina de costura como se portar, e se comportava compulsivamente – menininho “indo-advindo”. A máquina, em seu movimento “ambivalente”, dava suporte à sua função simbólica de virilização.
Na escola, tinha a "tia" que substituía sua mãe, mas faltava-lhe a máquina de costura com quem se identificava.
Narrativa (com adaptações) de um caso real, retirado do livro “Tudo é Linguagem” − Françoise Dolto − Editora Martins Fontes.
Guarabira, 31 de maio de 2011